Negritude e cinema: obras que abordam questões de raça importantes para entender o século XXI

Um panorama


Eu não estou aqui para ditar regras. Não vim para dizer o que é certo ou errado, o que deve ou não acontecer. Eu não vim para te falar o que fazer. Com essa postagem, tudo o que eu busco é dialogar com você de uma forma clara, porque muitas coisas têm me irritado nos últimos dias. Desculpa. Corrigindo: muitas coisas têm me irritado ao longo da minha vida.

Caso você esteja um pouco perdido no que tem acontecido no mundo, o caso é o seguinte: dia 25 de maio de 2020, em Minneapolis, nos Estados Unidos, um homem afro-americano chamado George Floyd foi morto por um policial branco após este ficar ajoelhado em cima do pescoço da vítima por longos minutos enquanto o homem dizia, “eu não consigo respirar”. Esse foi apenas mais um dos diversos casos de violência policial contra negros nos EUA e no mundo.

Por não tolerarem mais a morte de pessoas negras por abuso de autoridade, as pessoas de Minneapolis começaram a fazer protestos a partir do Black Lives Matter (em tradução livre, Vidas Negras/Pretas Importam), e não demorou muito para que as manifestações se expandissem para além de Minnesota. Agora, no dia em que essa matéria está sendo escrita, já faz uma semana que os protestos começaram, e não parece que eles vão acabar tão cedo.

O que é o Black Lives Matter?


Protestos do Black Lives Matter nos Estados Unidos essa semana.

Em suma, esse movimento teve início em 2013 com o uso da hashtag nas mídias sociais e se expandiu dos Estados Unidos para o mundo. É uma campanha que tem como objetivo denunciar a brutalidade policial contra pessoas negras, criminalizando os responsáveis pelas mortes desnecessárias e pelos atos racistas.

O que algumas pessoas parecem não compreender é por que “Black Lives Matter” sendo que “todas as vidas importam, não só as negras”, mas isso é matemática simples. O movimento leva o nome dos negros porque ele veio para condenar atos de racismo, e, querendo ou não, pessoas brancas não sofrem racismo. Tudo o que nós vivemos hoje em relação à raça é carga histórica que nos persegue desde a escravidão, e pessoas negras continuam sendo mortas todos os dias apenas por existir. Então é óbvio que todas as vidas importam, mas a partir do momento em que a sua está em risco apenas por você estar vivo, há algo de errado.

E, assim, nós chegamos até aqui. Com tudo o que está acontecendo em 2020, desde a pandemia até as crises econômica e política que não nos deixam em paz, pensei que a última coisa que me estressaria fosse o racismo, mas eu estava enganada. Por isto, decidi fazer essa postagem: eu não aguentava mais ficar calada.

O famoso Blackout Tuesday


Dia 02 de junho, terça-feira, aconteceu o famoso Blackout Tuesday (em tradução livre, Terça do Apagão), que infestou as redes sociais de fotos pretas com a hashtag. Esse movimento também surgiu nos Estados Unidos através da indústria musical, junto com a campanha The Show Must Be Paused (em tradução livre, O Show Deve Parar), que visava mostrar apoio à comunidade negra em um protesto como o racismo. E, de repente, isso estava em todo lugar.

O problema da viralização de campanhas de apoio como essa é que, de certa forma, elas se perdem na causa. Assim como as correntes de stories que circularam esses dias pelo Instagram – “marque 10 pessoas e escreva #BlackLivesMatter” –, atitudes como essas às vezes podem servir de uma forma que não ajuda, de fato, a causa. Elas acabam por esvaziar o propósito do movimento, porque algumas pessoas, querendo ou não, só postam por todos estarem postando. Ninguém quer se sentir de fora. Ninguém quer não se posicionar. Ninguém quer ser chamado de racista por não ter postado uma simples imagem. Mas as pessoas que o fizeram sabiam, de fato, o que estavam fazendo?

E isso não é tudo. Muitos que postaram as fotos vazias, pretas, em “luto”, usaram as hashtags #BlackLivesMatter, #BLM, #VidasNegrasImportam, #VidasPretasImportam e tantas outras que atrapalharam o compartilhamento de informações necessárias para que o movimento continue. É por essas hashtags que as pessoas se organizam: veem onde serão as manifestações e notícias a respeito da violência policial e do racismo. De certa forma, chega a ser irresponsável fazer as coisas por moda, pois nós, sem querer, atrapalhamos o que está em jogo aqui. Nós atrapalhamos a real causa disso tudo. Como as outras coisas, tudo passa a se resumir em curtidas fúteis nas publicações.

Outro motivo que gerou revolta em diversas pessoas nessa Terça do Apagão – inclusive eu – foi o fato de imagens pretas não dizerem nada. Em vez de postarem fotos pretas, vazias, sem significado, as pessoas podiam ter tirado o dia para dar voz àqueles que nunca são ouvidos, fosse postando sobre artistas negros – cantores, atores, diretores, escritores, etc. –, sobre a história negra, as lutas raciais, notícias sobre a causa ou qualquer coisa que realmente levasse informação às pessoas. Em vez disso, o que tivemos foram telas escuras que não nos diziam nada. Uma verdadeira perda para a comunidade que tanto luta por sua voz.

Mas o que tem o Brasil a ver com isso?


Protesto do Vidas Negras Importam no Rio de Janeiro essa semana.

Bom, a brutalidade policial não é exclusiva dos EUA – caso você não se lembre, o Brasil também teve muitos anos de escravidão, um fantasma que nos persegue até hoje –, e nós registramos casos como esse quase todos os dias, principalmente no Rio de Janeiro. Já tivemos muitos casos famosos, como o do garoto baleado porque o policial confundiu um saco de pipoca com drogas, o do policial que pensou que o guarda-chuva era um fuzil e o do homem que levou 80 tiros por nada, dentro de seu carro. E agora temos o de João Pedro, um garoto de 14 anos que foi morto dentro de sua própria casa em uma operação em conjunto com a PF. O que João Pedro fez? Nasceu negro e periférico. Para a polícia no Brasil, isso já é mais do que motivo para você morrer. A cor da sua pele diz se você deve ou não levar três tiros de advertência nas costas sem ter feito nada. A sua existência é um risco.

Se não fosse pela morte filmada de George Floyd, talvez a maioria já tivesse esquecido o caso de João Pedro, assim como esquecemos os vários outros que ocorreram e têm ocorrido por aqui. Tem vezes que eu acho que brasileiro gosta mesmo é de se escorar nos EUA. Aquela básica síndrome do vira-lata. O racismo incomoda lá, então ele também incomoda aqui, mas só quando a gente vai subir uma hashtag para mostrar que apoia. Na hora de fazer piada racista ou silenciar o seu amigo negro, ninguém se importa. Ninguém está aqui. E eu sou mimizenta.

Mas o caso é que George Floyd morreu, as manifestações continuam, a violência policial existe, o racismo continua presente e todo mundo decidiu dar seu alô. Eu tentei ignorar algumas coisas que vi, mas não consegui e quase tive um surto. Foi assim que chegamos até aqui. Mas isso não é tudo.

Nossa posição


O Minha Visão do Cinema é um site que fala sobre a sétima arte, e eu não vim aqui para falar de outra coisa, porque, querendo ou não, esse não é o meu blog pessoal e eu também não estou em um veículo de notícias quaisqueres. Eu sou uma mulher negra que aconteceu de ser uma das contribuintes do site, e estando nessa posição, achei importante me manifestar. É como disse Desmond Tutu, o primeiro arcebispo negro da Igreja Anglicana na África do Sul: “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” E já deixo claro: o MVDC é contra qualquer tipo de discriminação, ideias fascistas ou que simpatizem com a ditadura. Citando Léo Oliveira Costa, “Quem ameaça a liberdade não pode ter liberdade para propagar suas ideologias obscuras”.

A negritude e o cinema


Steve Martin e Chris Rock no Oscar de 2020.

Não é de hoje que vemos reclamações a respeito da falta de representatividade negra no cinema, seja ele nacional ou internacional. Quando assistimos a novelas, por exemplo, é explícito o lugar onde o negro é colocado (se ele aparece): em posições mais baixas, como de empregados ou faxineiros, sempre nas periferias, pobres, nunca em lugares de poder. Isso é algo que vêm me incomodando mais e mais. Alguns dizem que agora é obrigatório ter negro porque, se não tiver, nós caímos matando, mas a verdade é que a maior parte da população brasileira é negra, e nunca dão lugar para nós na mídia.

O problema do negro no cinema é que ele não tem como crescer. Eles nos escolhem para papéis que é necessário que uma pessoa negra interprete, afinal, quanto público eles não vão perder por colocarem escravos brancos? Porque, se pudessem, até isso fariam. A verdade é que as pessoas de cor quase nunca são inseridas em novelas, filmes, e séries, portanto essas mesmas pessoas não ganham espaço na indústria cinematográfica, e assim a arte continua sendo sempre branca e elitizada.

Entendendo isso, chegamos à assustadora palavra representatividade, vista com maus olhos por muitos até hoje, como se ela estivesse ameaçando a cultura como ela costumava ser – e tomara que esteja mesmo. De uns anos para cá, alguns diretores e produtores começaram a se importar mais com a representatividade presente no cinema. Isso quer dizer que o mundo está mudando e as pessoas estão se tornando menos racistas? Não. Quer dizer que representatividade tem dado lucro. Mas, querendo ou não, a simples presença de artistas negros nesse meio, ganhando visibilidade, já é um avanço.

Se pararmos para analisar as listas do Oscar de todos os anos, podemos contar nos dedos quantas pessoas negras foram indicadas em cada categoria. Não à toa surgiu o movimento Oscars So White (em tradução livre, Oscar Tão Branco), que veio com o objetivo de apontar essa “falha” – também conhecida como racismo – na indústria. Não podemos dizer que tem funcionado do jeito que a gente queria, porque a cada dois passos para frente parece ser um para trás, mas nós temos tentado. Parafraseando Chris Rock na última cerimônia, no ano em que o Oscar foi criado, nenhum negro havia sido indicado; esse ano (2020), nós já evoluímos bastante: temos dois.


A importância da representatividade


Cena da animação A Princesa e o Sapo (2009), de John Musker e Ron Clements.

“Mas, Karol”, você me pergunta, “por que é tão importante ter representatividade no cinema?” Para além do fato de que negros também podem querer trabalhar nessa indústria – caso não tenha passado pela sua cabeça, alguns de nós também têm talento para isso –, todos gostam de se ver representados. Nós nos formamos com base no que vemos, almejamos ser o que assistimos e nos conectamos com o que é parecido conosco, isso no nosso crescimento e ao longo de nossa vida.

Pode não parecer, mas há uma enorme diferença entre você ser negra e crescer com referências brancas e ser negra e crescer também com referências negras. É importante a criança se ver em algo, ver que ela também é capaz de conquistar o mundo, e não apenas ser sujeita a ele. Acima de tudo, é de extrema importância de as crianças negras aprendam a se amar como elas são, porque só uma pessoa negra sabe o que é ter desejado ser branca só para se encaixar e parecer digna de alguma coisa. Eu não espero que pessoas que não passaram por esse tipo de problema entendam de cara, mas eu espero que se esforcem para entender.

Apesar de tudo, nem sempre quando há um negro na história ele está sendo bem representado. Aliás, nem sempre quando a história é sobre um negro, ela realmente é sobre um negro. Achou confuso? Acredite em mim, sempre pode piorar.

O branco salvador


Muitas narrativas trazem como protagonistas personagens negras, e a maioria delas, querendo ou não, são sobre a escravidão. Mas é aquela velha história da princesa Isabel: o negro sofre, o branco vai lá e o “salva” – como se fosse o bonzinho, até porque está lutando contra sua própria raça para libertar o outro –, o branco é visto como herói e fim da história feliz. Quantos filmes você conhece com essa mesma trama? Porque eu posso citar alguns.


Por melhor que seja, Histórias Cruzadas é um dos exemplos para esse complexo. A trama, que se baseia na luta de empregadas negras no Mississipi nos anos de 1960, acaba por ser a história de como a personagem de Emma Stone, uma aspirante a escritora que faz parte da elite branca, vira o jogo para as mulheres negras. É um filme incrível, com atuações impecáveis de Viola Davis e Octavia Spencer, mas que falha nesse quesito. Ainda assim, vale muito a pena assistir.


Em Estrelas Além do Tempo, temos novamente a atriz Octavia Spencer, dessa vez dividindo os holofotes com Taraji P. Henson e Janelle Monáe, protagonizando a história das três mulheres negras que fizeram o impossível durante a corrida espacial dos Estados Unidos em meio à segregação racial. O que há de errado? A cena em que um homem branco “salva” todo mundo da segregação ao chutar uma placa que separava brancos e negros. Uau, super. Salvou o dia. De qualquer forma, esse filme ainda é muito bom e eu recomendo de olhos fechados.



O ganhador do prêmio de Melhor Filme do Oscar de 2019 também salva o negro, mas não a si mesmo. Green Book – O Guia me irritou do começo ao fim. Um homem branco arrogante e racista que se acha o maioral – mesmo sendo um nada – é contratado pela personagem de Mahershala Ali para dirigir o carro dele durante sua turnê musical. O filme também se passa na época da segregação racial nos Estados Unidos, e é mostrado no filme os perrengues que os dois passam por causa disso. O meu caso com esse filme, além de ele ter ganhado o maior prêmio do Oscar sem ter merecido, na minha opinião, é que ele não é apenas desinteressante, ele é um desfavor para a comunidade negra. Para dizer o mínimo, antes mesmo de eu assisti-lo ele estava envolvido em polêmicas racistas devido à sua produção. Depois disso, o filme se vendeu como um filme sobre negritude (onde?) e não foi nada disso. No fim, não foi apenas uma história sobre o branco salvador, mas também sobre o negro mágico – aquele que, com seus poderes de negro, transforma o branco malvado em bonzinho. Até agora, eu não consigo achar um ponto bom nesse filme que não seja a escalação do Mahershala Ali, embora seu papel seja horrível.


Filmes e séries que abordam a negritude


Por mais que se diga tanto que a representatividade negra no cinema está em falta, felizmente temos alguns filmes e séries que nos permitem contar nossa história e também nos fazer aprender com eles. Boa parte dessas narrativas trazem o racismo como tema, e acredito que isso ocorre porque nós não podemos seguir em frente sem que os problemas que enfrentamos todos os dias tenham sido resolvidos. Não podemos ter apenas histórias de amor enquanto pessoas de cor estão sendo mortas apenas por estarem aqui. A vida imita a arte e a arte imita a vida, e, querendo ou não, arte também é uma forma legítima de protesto e acusação do que há de errado na sociedade.


Lançada em 2017 pela Netflix, Cara Gente Branca deu o que falar antes mesmo de chegar à plataforma. O nome polêmico para algumas pessoas sugeria a ideia de que a série era contra os brancos, e muitos caucasianos ameaçaram parar de assinar a plataforma de streaming. Todo o bafafá parou, contudo, após a série ser lançada – e me pergunto se alguns dos que reclamaram de fato se deram ao trabalho de assistir.

A série segue Samantha White, uma garota negra que frequenta a Universidade de Winchester. Por ser uma universidade majoritariamente branca e elitista, os alunos negros se reúnem para discutir pautas que os convêm, mas por terem visões diferentes sobre certos assuntos, mesmo unidos eles se dividem em subgrupos. Sam é a protagonista por ser a voz de seu grupo através de seu programa na rádio universitária, chamado Cara Gente Branca, onde ela explicita os racismos diários que vive e vê ao redor do campus.
Apesar disso, a história não gira apenas ao redor de Sam. Nós podemos observar o cotidiano de vários alunos negros e do que eles passam no dia a dia, desde a homofobia presente na própria comunidade até a brutalidade policial. A série é baseada no filme de mesmo nome, lançado em 2014, e está caminhando para a sua 4ª e última temporada.




O Ódio que Você Semeia é um filme de 2018 cuja distribuidora – 20th Century Studios – fez questão de não distribuir nas salas de cinema brasileira. Baseado no livro de mesmo nome da escritora norte-americana Angie Thomas, o filme conta a história de Starr, uma menina negra que presencia seu melhor amigo de infância sendo morto com três tiros após ser parado pela polícia quando estava dirigindo. O motivo dos tiros? Ele pegou um pente de cabelo e o policial pensou que fosse uma arma. Após o ocorrido, Starr precisa decidir entre ficar quieta e prestar queixa. É um retrato do momento que estamos vivendo e explica muito sobre a brutalidade policial e o Black Lives Matter.



Dirigido por Carlos Lópes Estrada, um mexicano de apenas 31 anos, Ponto Cego é um filme que também aborda a violência policial de uma forma bem densa. Estrelado por Daveed Diggs, astro do musical Hamilton e que participou da série Unbreakable Kimmy Schmidt, a trama segue Collin, um homem negro em seus últimos dias de liberdade condicional que tem a infelicidade de presenciar o assassinato de outro negro por policiais brancos. O longa também traz a tona discussões como racismo e desigualdade social, e como uma pessoa de cor, ao contrário de um caucasiano, precisa pensar em cada passo que dá para continuar vivo.


A 13ª Emenda é um documentário de 2016 dirigido por Ava DuVernay e lançado pela Netflix. A diretora fala sobre a constituição dos Estados Unidos e como o racismo sempre foi justificado por ela desde o princípio, mesmo que nas entrelinhas. Trazendo estudiosos, ativistas e políticos, ela nos explica a ligação entre a escravidão e o encarceramento de negros ao longo da história do país, o que nos ajuda a entender o que está acontecendo até hoje.



Antes de assisti-lo, eu pensava que Se a Rua Beale Falasse era apenas um filme de romance, mas ele é muito mais do que isso. Embora não seja a minha primeira escolha no que diz respeito a histórias de amor, o final do longa me convenceu a recomendá-lo quando falamos de injustiça social e racismo no sistema penitenciário, pois a narrativa está na medida certa. Mesmo não querendo revê-lo diversas vezes, vale a pena conferir ao menos uma para tentar entender o que é estar na pele negra.



Moonlight: Sob a Luz do Luar, famoso por ter levado o prêmio de Melhor Filme no Oscar em cima de La La Land, narra a história de um menino negro em três fases: sua infância, sua juventude e sua vida adulta. Podemos perceber a evolução do protagonista ao longo do filme e contrapor o seu crescimento com o de personagens secundárias, de forma que percebamos como as suas escolhas influenciam o que você se torna, mas também como quem você é e o ambiente que você vive não facilitam as coisas para você. Um filme sobre negritude que contém questões LGBT.


Inspirado no livro homônimo, Infiltrado na Klan conta a história real de um policial negro que conseguiu se infiltrar no grupo extremista de supremacia branca Ku Klux Klan. Dirigido por ninguém mais, ninguém menos que Spike Lee, ele ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado em 2019, mas perdeu o de Melhor Filme para Green Book – O Guia. Importante para entender o racismo através dos olhos de um policial que se envolve tanto no KKK quanto em grupos de movimentos negros, o final do longa ainda choca com imagens atuais de grupos de extrema-direita fascistas pregando as suas crenças através da violência e de passeatas.
Admito que não me lembro muito bem do filme Quanto Vale ou É por Quilo? por tê-lo visto apenas uma vez há cinco anos, para uma aula de história. O filme brasileiro de 2005, dirigido por Sérgio Bianchi, faz uma crítica a ONGs ao mesmo tempo em que aborda o tráfico de escravos no século XVII. A cena que mais me marcou nesse filme foi uma que mostra instrumentos utilizados na tortura escravos; são imagens que acredito que nunca mais vou me esquecer. Faz bem para nos lembrarmos onde tudo começou e entendermos como chegamos até aqui. Só assim poderemos nos desconstruir.


12 Anos de Escravidão rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante à Lupita Nyong’o e ainda recebeu o de Melhor Filme. Mesmo assim, demorou um tempo até eu tomar coragem para assisti-lo pela primeira vez. O longa é baseado na história real de Solomon Northup, um homem negro de Nova York que, embora livre, foi sequestrado em Washington em 1841, feito de escravo e resgatado apenas 12 anos depois, em Louisiana.



Dirigido por Quentin Tarantino, Django Livre conta a história de Django, um ex-escravo que faz uma aliança com um caçador de recompensas e procura resgatar a sua esposa de um fazendeiro escravista. Divertido e intrigante como Tarantino consegue ser, o filme consegue caminhar muito bem entre a ficção e a realidade, sendo ao mesmo tempo absurdo e verossímil em seu contexto próprio.


O primeiro longa de Jordan Peele não poderia ficar fora da lista. Corra! segue Chris, um homem negro que namora uma mulher branca e, quando vai conhecer a família dela, percebe que há coisas muito estranhas acontecendo por lá ao redor das poucas pessoas negras que frequentam a casa. Apesar de ser uma ficção, o filme conversa bastante com questões raciais que ainda se perpetuam em nossa sociedade, principalmente no que diz respeito aos estereótipos.



Jordan Peele também dirigiu Nós, que embora não seja um filme explicitamente sobre raça, gerou certa polêmica após ele dar uma declaração dizendo que os protagonistas de seus filmes seriam sempre negros. Sua justificativa foi que, visto que a indústria cinematográfica os exclui, era sua obrigação como homem negro dar oportunidades a seus semelhantes. Errado ele não está.




A Gente Se Vê Ontem é uma produção Netflix. Lançado em 2019, o filme foi dirigido por Stefon Bristol e contou com a produção de Spike Lee. Ele narra a história de amigos negros que estão tentando criar uma máquina do tempo para seu projeto de Ciências. Quando o irmão da protagonista é morto por um policial branco, a garota tenta com seu amigo a qualquer custo fazer a máquina do tempo funcionar e trazer seu irmão de volta. O fim do longa, por ser para alguns “inconclusivo”, mostra claramente a realidade por trás da violência policial contra as famílias negras. Mesmo sendo um filme mais adolescente, ele fica em questões importantes e é muito útil para a reflexão até mesmo sobre as famílias que vivem esse tipo de pesadelo.


Lançado em 2018, Pantera Negra fez história ao ser o primeiro filme de heróis negros lançados no cinema. Na época, foi uma grande vitória para a representatividade que tanto buscamos e, para além disso, é um filme excelente – na minha opinião, o melhor da Marvel. Tanto os heróis quanto os vilões têm motivos claros para abraçar suas causas dentro de Wakanda, e o melhor é que tudo isso dialoga muito bem com questões de raça. É muito mais do que só um filme de ação.



Por fim, Felicidade Por Um Fio é uma comédia romântica baseada no primeiro livro da série Nappily Ever After, de Trisha Thomas, lançado em 2000. Sua adaptação aconteceu 18 anos depois. O filme conta a história de Venus, uma mulher que tem passado altos perrengues por causa de seu cabelo, e até mesmo sofrido por amor por causa dele. Ela não só o alisava o tempo todo; se preocupava tanto com ele que não se permitia fazer as coisas mais básicas da vida com medo de os seus verdadeiros cachos aparecerem e estragarem o seu visual. E depois de tanto lutar contra os fios, em um momento de surto, a mulher raspa a sua cabeça e vê, por esse ato, sua vida virar de cabeça para baixo em um sentido bom. Me identifiquei muito com o longa e recomendo para todos, pois essa é a história de uma mulher que precisou passar por uma transição capilar para ver sua vida seguir nos eixos, e nisso ela vai contra todos que estão ao seu redor, mas é a única forma de ela fazer as pazes consigo mesma.


Outros filmes e séries sobre negritude e/ou com protagonismo negro

Cena do filme Guava Island (2015), de Hiro Murai, “inspirado” na música This is America, de Childish Gambino.
Como a vida é corrida, eu não tive tempo de ver todos os filmes e séries que abordam a negritude, mas isso não significa que eu não posso listá-los para vocês. Acredito que é importante vermos, pelo menos às vezes, além do que são as nossas vidas para tentarmos entender o que é estar na pele do outro. Por mais que eu seja negra, tenho o privilégio de não ter crescido cercada por violências brutais contra a minha raça, e só fui ter o conhecimento de que essas coisas aconteciam após começar a ver o jornal e, eventualmente, sair para o mundo. O racismo sempre fez parte da minha vida, mas o que vai além de uma “piada” era algo que eu não conseguia entender. Hoje eu consigo.

Séries como Um Maluco no Pedaço e As Visões da Raven, por mais que não sejam sobre racismo e serem super divertidas, têm alguns episódios focados no assunto. Vale a pena pesquisar e conferir – aliás, não é só sobre a morte dos negros que queremos falar, mas da visibilidade que eles precisam ter, e essas duas séries são protagonizadas por famílias negras.

Como achei que apenas colocar um monte de nomes de filmes e séries desperdício de tempo e espaço, criei uma lista no Filmow compilando tudo, e você pode conferi-la clicando aqui. Para mais sugestões, deixa um comentário aqui ou na própria lista que eu adiciono sua indicação lá.

Para além dos posts


A mensagem que fica – ou que, no caso, deveria ficar – depois de todos esses acontecimentos é: valorizem pessoas negras. Nós já somos subjugados todos os dias nos mais diversos aspectos de nossas vidas. Em vez de deixar tudo ainda mais vazio e sem significado postando uma foto preta, tire um tempo e reflita. Você tem visto filmes feitos por pessoas negras? Ouvido músicas de pessoas negras? Lido livros de escritores negros? O mundo é feito por mais do que uma cor. Vidas negras importam. Compartilhe com o seu grupo social obras feitas por pessoas de cor para dar uma variada. Valorize artistas negros. Só assim nós podemos alcançar mais e mais pessoas.

Não deixe o movimento Black Lives Matter se apagar. Se você é anti-racismo, seja antirracista todos os dias. Não propague “piadas” que discriminam pessoas pretas e enfrente seus amigos quando eles fizerem alguma. A mudança do mundo precisa ser feita por cada um de nós. Você não precisa ser negro para lutar contra o racismo. Estude a nossa história e compartilhe nossas causas. Há muito mais que você pode fazer do que só postar uma hashtag que não vai mudar nada e nem ninguém.

Leia a matéria Especial Dia da Consciência Negra de 2017, 2018 e 2019.
Ufa! Espero que tenham gostado da postagem e sigam o Minha Visão do cinema nas redes sociais 🙂

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