Crítica: Corra! (Get Out, 2017, de Jordan Peele)



Embora o gênero do terror esteja um tanto saturado, devido o excesso de filmes similares e genéricos, o mesmo vive um momento interessante. Recentemente, começou-se a cuidar melhor de questões como roteiro, atuações, “originalidade” e críticas sociais. Mesmo que não tão assustadores quanto um clássico, o gênero do terror ganhou formas mais simbólicas, psicológicas e provocantes. Enquanto que diversas obras de grande orçamento abraçam o clichê e afundam o gênero (como os excessivos Atividade Paranormal, O Chamado 3 e afins), outras produções de menor orçamento e melhores ideias vem chamando a atenção. Mesmo que desconhecidas do grande público, esses longas vem ganhando elogios da crítica, dos cinéfilos mais exigentes e dos amantes do terror, virando verdadeiros hits. O Segredo da Cabana (2011), The Babadook (2014), Corrente do Mal (2015), A Bruxa (2016), O Homem nas Trevas (2016), O Convite (2016) e vários outros, ganharam destaque pela sua construção sólida e às vezes simbólica e metafórica. E é neste quadro que Corra! (Get Out no original) se encaixa.


A trama mostra Chris – um jovem negro – indo conhecer a família branca de sua namorada. O primeiro acerto já começa no roteiro. Não vou falar muito dos mistérios em si, pois poderia ser um spoiler e tirar as surpresas da trama. Mas é louvável como se insere um tom de humor negro e ácido nos diálogos, tornando a obra quase uma “comédia de costumes”, criticando algumas questões sociais e preconceituosas da sociedade. As piadas funcionam e são inseridas não apenas como um alívio cômico (o que já seria certeiro), mas também injetam “cutucadas” nos conflitos psicológicos e sociais das personagens. Outro acerto é a direção de Jordan Peele, comediante americano e que agora arrisca como diretor. Ele usa seu humor típico a favor da trama terrível que se tem aqui, sempre dosando bem o ritmo, os diálogos, o posicionamento das personagens e a direção de arte. Apesar de simples e de baixo orçamento, tudo é bem filmado, indicando um cuidado técnico, algo que é bem importante em filmes de horror, mas normalmente deixado de lado. A edição e a montagem são ótimas, com boas tomadas e cortes. Ao contrário de sustos fáceis e cortes bruscos (como O Chamado 3 tem, por exemplo), Get Out tem toda uma construção narrativa mais lenta, com uma aura de mistério e tensão bem climática e atmosférica, se tornando gradativamente mais opressiva. Aqui, a lentidão ocorre de maneira correta, construindo as personagens e a situação em si. 




A atuação do protagonista Chris (Daniel Kaluuya) é ótima, estruturada quase toda em maneirismos do personagem e um olhar desconfiado. Mas há cenas dramáticas que exigem entrega do rapaz, e o ator manda bem. O time de coadjuvantes está muito bem, especialmente a “sogra” Catherine Keener, que entrega uma interpretação cênica sutilmente assustadora. E outro de destaque é o engraçado amigo de Chris, Rod (Lil Rel Howery), que é o grande alívio cômico da trama. Porém, suas piadinhas são carregadas de críticas sociais, debochando de estereótipos e sendo fundamental para a narrativa de teor racial. A trilha sonora é outro deleite. Além de bem pontuada, a mesma ironicamente remete a cantos da cultura africana, especialmente aos dos escravos americanos. 


Sim, existem mínimos detalhes do roteiro que podem ser considerados falhas, assim como os exageros típicos do gênero (afinal, é um terror) e uma leve falta de força no final. Mas Corra! é todo elaborado para te fazer refletir, pensar no horror que foi a escravidão e como hoje os negros continuam sofrendo preconceitos e sendo rebaixados a cargos e posições sociais menos importantes que os brancos. Corajosamente cutuca a hipocrisia da sociedade, ao mesmo tempo em que toma liberdades “poéticas” ao adentrar no terror, numa trama quase de ficção científica. Pungente e inflamável, Get Out representa para o terror o que Moonlight (vencedor do Oscar 2017) representa para o drama, defendendo quem sofre algum tipo de opressão e discriminação social. Foi uma resposta e afronta ao Nascimento de Uma Nação (o clássico filme racista de 1915) muito mais bem elaborada e eficiente do que o Nascimento de Uma Nação de 2016 (com boa ideia e má execução). Com uma aprovação inacreditável de 99% da crítica especializada e considerado o melhor filme de terror do ano até agora, uma coisa é certa: é uma obra indispensável. Não há nada mais assustador do que o preconceito. 





Título Original: Get Out


Direção: Jordan Peele


Elenco: Daniel Kaluuya, Allison Williams, Catherine Keener, Bradley Whitford, Caleb Landry Jones, Lil Rel Howery.


Sinopse: Chris (Daniel Kaluuya) é jovem negro que está prestes a conhecer a família de sua namorada caucasiana Rose (Allison Williams). A princípio, ele acredita que o comportamento excessivamente amoroso por parte da família dela é uma tentativa de lidar com o relacionamento de Rose com um rapaz negro, mas, com o tempo, Chris percebe que a família esconde algo muito mais perturbador.


Trailer: 







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