A Equipe do Blog Comenta: Black Mirror: Bandersnatch (2018, de David Slade)

Lançado no dia 28 de dezembro, como um belo presente de fim de ano, Bandersnatch é um especial interativo da série Black Mirror, criada por Charlie Brooker. Com mais de cinco horas totais de produto final, em Bandersnatch podemos escolher o destino do protagonista, tomando decisões que direcionam para vários finais dentro da trama.

A ideia geral de Bandersnatch é bem simples: interagir com a história. Como isso é feito, no entanto, não é nem um pouco simples. Determinadas ações dos protagonistas são escolhidas por nós, os telespectadores. Cada ação repercute na história, direcionando para outras cenas de escolhas, levando aos mais diferentes finais. Cada usuário terá sua experiência com o filme, possibilitando que você escolha o SEU final, ou mesmo todos os finais. A complexidade de escolhas que levam às outras escolhas é tamanha, que alguns fluxogramas foram feitos para guiar as possibilidades e o resultado colocamos aqui abaixo.

E ainda, lendas circulam na internet de que alguns finais ainda não foram descobertos, alguns tão complicados de se chegar, dada a infinidade de combinações necessárias, que nem a própria equipe de direção conseguiu acessar. Existe a chance de que tal final esteja na cena em que colocamos o telefone da terapeuta, sendo ao todo 252 possibilidades de combinações; uma boa chance de matar o tempo.

Nessa
vasta gama de possibilidades e interpretações, alguns membros da equipe
do MVDC escreveram algumas impressões e opiniões sobre a experiência
que tiveram com o episódio. Tal diversidade dá a necessidade de SPOILERS na crítica, então se ainda não participou desse
“evento Black Mirror“, assista e corra aqui para comparar impressões.
Caso ainda não tenha lido a crítica das quatro temporadas anteriores, clique aqui e aqui para ficar por dentro do universo da série.


Eduarda Souza comenta:
Em meados da década de 80 surgiram livros da coleção “Enrola e Desenrola”, em que, à medida que a história ia avançando o leitor tinha que fazer escolhas que alterariam todo o curso da trama, levando a diferentes finais, conforme a escolha era feita. Ainda conservo um dos exemplares da coleção, A Casa Mal Assombrada, de Edward Packard, que em minha infância me custou algumas noites de sono mal dormidas. A mesma premissa é aplicada ao mais recente lançamento da Netflix, Bandersnatch, do universo de Black Mirror, que já é consagrado como uma das grandes referências da cultura pop por seu conteúdo indigesto e extremamente atual e/ou futurístico. 




Em Bandersnatch precisamos, mais uma vez, exaltar a genialidade de Charlie Brooker, o responsável por criar o universo que tanto amamos. Aqui ele nos presenteia com uma trama interativa, ambientada nos anos 80, recheada de referências ao próprio universo e com uma dura crítica que mesmo incomodando, não nos faz largar aquele ‘jogo’ até que tenhamos descoberto todas as possibilidades que ali estão. 


Se por um lado há grande genialidade e pode-se dizer que este filme é um marco cinematográfico (mesmo que tenhamos coisas parecidas nos games e na literatura, conforme citado acima), precisamos evidenciar que, à medida que vamos caminhando pelas narrativas possíveis, percebemos um desenvolvimento preguiçoso e até raso; obviamente que a história por si só é intrigante num primeiro momento em que se assiste e guarda forte ligação com o episódio White Bear da segunda temporada, mas não sustenta seu patamar ao final de tudo.




Vale destacar, de todo modo, o elenco, que mais uma vez eleva os atores, que mesmo conhecidos de outras obras, como Fionn Whitehead de Dunkirk e Will Poulter de Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada, entregam atuações envolventes que os levarão, com certeza, a patamares maiores, principalmente Whitehead com seu Stefan Butler, ao nos envolver em toda sua loucura e nos tornar íntimos (até demais) de sua paranoia. A trilha sonora deliciosa e a ambientação de uma das melhores décadas da história são, com certeza, um deleite para os apaixonados com esse período e tudo que surgiu após ele.




Assim, Bandersnatch se torna obrigatório para os fãs de Black Mirror e necessário para os amantes da sétima arte, em todas as suas possibilidades, principalmente uma em que a inovação é a palavra de ordem. Mais uma vez a série nos mostra porque é tão Black Mirror.




Igor Motta comenta:


Bandersnatch é inovador em como contar uma história, mas falha na história que conta. Traz uma premissa interessantíssima, vanguarda no mundo do cinema: escolher o destino da história. É impossível não comparar esse ponto com outras formas de narrativa, como romances e novelas. Claro que aqui estamos falando de uma forma anterior, mas efetiva, de tomar escolhas e interagir com a narrativa.





Essa forma tomou as proporções que conhecemos hoje através dos jogos. Nesse formato, controlamos as escolhas dos acontecimentos através da perspectiva de um ou mais personagens. Como já existe toda uma forma de controle e jogabilidade, tais jogos se pautam em uma propriedade específica, que é a história, dando um poder narrativo enorme a esses jogos. Experiências em poder narrativo que me fizeram sentir parte da história e o peso de minhas ações, muita vezes partindo meu coração (Life is Strange, um beijo).

Mas, como parece claro, jogos e filmes são narrativas e formatos de mídia bem diferentes. Embora possamos questionar se assistimos um jogo ou jogamos um filme com esse tipo de estrutura audiovisual, não é impossível fazer comparações
. O ponto que coloco como falha em Bandersnarch vem exatamente do que outras plataformas já trabalhavam antes. Sentimos a todo momento que estamos em um universo controlado, e mesmo que a própria história tente entrar numa metalinguagem, parece mais uma justificativa do que uma construção de roteiro. Oras, em termos de possibilidades, Bandersnatch é até mais inovador do que os jogos aqui citados, mas estes, mesmo às vezes baseando as escolhas nas reações dos NPCs (Non-playable characters, ou, personagens não-jogáveis) e não nos acontecimentos em si, não dão essa sensação reduzida.


O roteiro, história, enredo…, é a mágica que nos distrai de como as coisas fluem, é literalmente o que nos engana, um filtro que nubla a fronteira entre realidade e ficção. Quebrar essa fronteira é um golpe certeiro quando queremos elevar a complexidade da narrativa. Mas Bandersnatch parece um filme sobre a forma em si, em que a ideia das escolhas está acima de todos os outros elementos do filme, como se a história fora construída na perspectiva das escolhas e não o contrário.

 

Ainda, certas coisas fazem Bandersnatch parecer até um pedido de socorro do próprio Charlie Brooker. Vários paralelos com a produção Black Mirror podem ser feitos. A série era feita como um artesanato, temporadas de apenas três episódios, espaçadas em grandes períodos de tempo. Desde a mudança de plataforma, do Channel 4 para a rede streaming, o tamanho das temporadas dobrou e passou a ser uma entrega anual. Há uma grande divergência entre a queda, ou aumento, da qualidade dos episódios, e tendo a concordar em partes com a primeira opção. Fica parecido com a história de Bandersnatch quando comparamos essa ideia da produção do jogo/série como algo que passa a ser entregue à empresa, coisa que pode parecer boa de início, mas se revela como um corte significativo de liberdade.



Liberdade esta que nos leva ao meu atual receio por Black Mirror. A Netflix se envolveu em um recente escândalo de quebra de sigilo, acessando dados confidenciais e até mensagens privadas de usuários do Facebook. Um nada doce sabor de ironia. Qual a mensagem que Black Mirror passa, atualmente? Charlie Brooker, que já disse ser uma pessoa preocupada até com a forma que lidamos com selfies, está de acordo com isso ou ele próprio é o Stefan de uma Tuckersoft chamada Netflix? Isso é um pedido de socorro de o que seu próprio trabalho está se tornando? Aos poucos, isso mata a série, deixa o vazio que aqui pontuei antes. Black Mirror parece cada vez mais uma estrutura inovadora de contar histórias vazias, meu maior desconforto com Bandersnatch.

Pontos positivos ficam na inovação, e apenas. Mas a inovação é, de fato, um ponto grande. A abertura de possibilidades de escolher a própria trilha sonora, os mais variados finais que terminem antes ou depois do tempo estimado do filme, a saga por achar finais escondidos que nos fazem assistir o filme várias e várias vezes, tornam Banderstanch uma experiência divertida. Como protótipo de uma forma de contar histórias cinematográficas me parece um marco, lançador de tendências. Podendo ser o primeiro de muitos, quero ter esperanças de que, nas próximas tentativas, uma maior atenção seja dada ao todo da produção, entregando uma versão final equilibrada. Gostei? Gostei, mas esperava mais.

João França comenta: 

Black Mirror sempre teve um tom genial, percebido por todos os seus telespectadores, mas sem nunca sugerir ao seu telespectador que era incrível e muito além da curva.


Em Bandersnatch, infelizmente, acontece um pouco disso. Ao mesmo tempo que ele te dá o poder de decisão, e que você começa a notar que esta decisão sempre está enviesada, o telefilme começa a dar sinais redundantes, talvez numa tentativa metalinguística de se auto explicar. Desnecessária, por sinal.



Mas, não podemos descartar e muito menos menosprezar a aula de montagem que é Bandersnatch. A cada escolha, independente do caminho escolhido, a montagem segue coesa, ainda que suas escolhas aumentem o tempo de exibição, as cenas jamais soam com desencaixe ou como cenas que sobraram e foram colocadas aleatoriamente.



Yago Tanaka comenta:
Que Black Mirror é um fenômeno mundial da Netflix e que muitos episódios são icônicos, é unanimidade, mas como as histórias são episódicas, a série acaba oscilando entre ótimos episódios e episódios fracos. Black Mirror: Bandersnatch chegou recentemente no catálogo da gigante do streaming e ele fica exatamente no meio, nem bom, nem ruim; nem um episódio de uma série, nem um filme; nem quente, nem frio.

Black Mirror: Bandersnatch atinge o objetivo de dar escolhas ao telespectador, sem deixar que ele realmente controle a situação. É óbvio que, mesmo com as opções que são impostas, o controle nunca seja exatamente de quem assiste e isso eles conseguiram fazer bem. As qualidades (o suspense em certo momento é bem construído, Will Poulter atua incrivelmente bem no pouco tempo que tem, há surpresas nos dois primeiros atos) somem com uma história fraca, amarrada em um roteiro morno e uma atuação inexpressiva de Fionn Whitehead. Fica uma sensação de “é só isso?” assim que acaba e isso não muda com os finais diferentes.

Título Original: Black Mirror: Bandersnatch

Direção: David Slade

Duração: 90 minutos

Elenco: Ffion Whitehead, Will Poulter, Alice Lowe, Craig Parkinson

Sinopse: Em 1984, um jovem programador recebe a oportunidade de sua vida, adaptar o romance Bandersnatch para os video games. Nas dificuldades de lidar com o complexo e infinito emaranhado de possibilidades do jogo, Stephen começa a questionar a própria verdade de seu livre arbítrio e a achar que algo pode estar controlando sua realidade.


Trailer:

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