Antes do Amanhecer – Uma noite para toda uma vida (1995, de Richard Linklater)

 

Escrita pelo colaborador Luis Schuh Bocatios


Antes do Amanhecer foi lançado em 1995 e, pensado inicialmente como um filme único, se tornou, com o lançamento de Antes do Pôr do Sol em 2004, e Antes da Meia Noite, em 2013, a primeira parte daquela que ficou conhecida como Trilogia Before – três filmes dirigidos por Richard Linklater e estrelados por Ethan Hawke e Julie Delpy, que contam a história de um casal, formado por Jesse (Hawke) e Céline (Delpy).

O primeiro filme, objeto de discussão deste texto, se passa ao decorrer de algumas horas, quando Jesse e Céline se conhecem em um trem que vai a Vienna – ele vai pegar um avião de volta para os Estados Unidos na manhã seguinte; ela, um trem com destino a Paris – e decidem passear juntos pela capital austríaca ao deixar a embarcação. É uma história comum e familiar, que, para alguns pode remeter ao trabalho de diretores como Eric Rohmer e Woody Allen, mas Linklater a eleva a algo totalmente único.

Á altura do lançamento do filme, Richard Linklater já tinha uma certa reputação entre aqueles que acompanhavam o cinema independente dos Estados Unidos, devida, principalmente, ao sucesso que dois filmes anteriores do diretor tiveram nesse nicho – Slacker, de 1990, e Jovens, Loucos e Rebeldes de 1993. Em Antes do Amanhecer, Linklater atingiu o ponto mais alto de sua carreira até então, e, 26 anos e mais de 10 filmes depois, o filme continua sendo um de seus trabalhos mais cultuados, além de ter se tornado um clássico do cinema independente, e, frequentemente, figurar em listas dos melhores romances da história do cinema. O filme arrecadou 5 milhões e 500 mil dólares na bilheteria – mais do que o dobro de seu custo – e tem 100% de aprovação no Rotten Tomatoes.

O filme consiste, basicamente, em vários planos longos do casal principal conversando e passeando por Vienna. Esses planos longos – junto com uma fotografia quente, que captura as imagens como se fizessem parte de um sonho – ajudam na imersão do público na história, fazendo com que, às vezes, esqueçamos de que estamos vendo um filme. O diretor emprega uma característica um tanto “felliniesque” ao filme por meio da escolha dos figurantes, que conferem uma excentricidade, novamente, digna de sonho ao filme, como a vidente, o poeta, a dançarina e o dono do bar.

Em alguns momentos, o diretor faz o público sentir como se o público estivesse na pele dos personagens, como quando os dois estão na loja de discos e sentimos a imensa ansiedade de ambos, ou na cena do primeiro beijo deles, aonde é difícil não sentir o frio na barriga que ambos os personagens certamente estão sentindo.

Ethan Hawke e Julie Delpy entregam interpretações extremamente naturais, e conseguem construir a relação do casal por meio de pequenos gestos, como quando, no ônibus, Jesse tenta mexer no cabelo de Céline, que mexe a cabeça de modo com que ele não possa tocá-la. Minutos depois, ele tenta de novo, e, dessa vez, ela permite. A química entre os dois é forte como pode ser visto em pouquíssimos outros filmes.

Na época do lançamento do filme, é de se imaginar que o impulso dos críticos era de compará-lo com o trabalho do Woody Allen, basicamente pelo filme ser construído em cima de diálogos, planos longos e um homem e uma mulher conversando. Apesar de todas essas semelhanças serem verdadeiras, Antes do Amanhecer é totalmente diferente de qualquer filme dirigido por Allen. Essa diferença é, basicamente, a diferença entre Allen e Linklater. 

Enquanto o primeiro é um nova-iorquino com uma bagagem cultural imensa, o segundo é apenas um texano cheio de talento, sagacidade e curiosidade. Enquanto Allen dá as respostas, Linklater faz as perguntas. A bagagem literária do nova-iorquino, que vai de Freud à Hemingway, passando por Shakespeare e Fitzgerald, lhe dá estofo para fazer comentários filosóficos e existencialistas sobre a natureza humana, enquanto o texano constrói os momentos mais interessantes de seu roteiro em cima de perguntas e de observações absolutamente mundanas, e as vezes até óbvias (“nós já ouvimos todas as nossas próprias histórias!”), mas que sempre trazem uma reflexão interessante. São dois enormes artistas emprestando suas maneiras extremamente particulares de ver o mundo a quem se interessar por seus trabalhos.

Anos depois, Linklater veio a completar a trilogia, mas o final de Antes do Amanhecer é perfeito. Ao nos fazer revisitar os lugares pelos quais o casal passou, em um contexto diferente, vemos que aquele momento se acabou, e outras pessoas já tomaram os lugares que, por um momento, pareciam ser para sempre de Jesse e Céline. Mas também que aquela tarde/noite foi um momento absolutamente inesquecível para os personagens, que lembrarão para sempre daquilo com um carinho incrível, além de deixar uma ambiguidade no ar: é fácil dizer que os dois deveriam se encontrar mais vezes e construir uma relação, mas talvez aquela noite tenha sido tão perfeita que nada a alcançará, e, se os personagens ficam tristes após o fim dessa noite, eles deveriam ficar felizes por ter vivenciado um momento tão especial.

E alguns trocariam tudo que tem por uma noite como essa…

Título Original: Before Sunrise

Direção: Richard Linklater

Duração: 100 minutos

Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy, Hanno Pöschl, Hans Weingartner.

Sinopse: Ontem estranhos, hoje, inseparáveis almas gêmeas. Mas eles terão que se separar em poucas horas. Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy), dois jovens nos seus vinte e poucos anos, se encontram num trem na Europa, se identificam imediatamente e decidem explorar Viena juntos. As pessoas, lugares e os atraentes mistérios da cidade tornam-se seu novo itinerário. O amor é o seu destino. No caminho, eles compartilham suas esperanças, piadas, sonhos, preocupações e admiração. É um dia para durar em suas memórias. E uma homenagem aos amores eternos.

Trailer:

E você, é fã desse filme? Viu as continuações? 

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