Um Oscar para Mank e a celebração de Cidadão Kane?


Chamar Cidadão Kane (1941) de clássico seria um enorme eufemismo, assim como qualquer tentativa de explicá-lo por completo em palavras seria falha. Talvez por este motivo David Fincher, dando continuidade ao projeto com o pai — falecido em 2003 , Jack Fincher, tenha resolvido revisitar o enigma mais famoso da história do cinema da melhor forma possível — o próprio cinema.

Com a Hollywood da década de 1930 como pano de fundo, a história segue o roteirista Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman) em seu processo de escrita do que viria a ser a primeira versão do roteiro de um dos filmes responsáveis por moldar a história do cinema, Cidadão Kane. Mank, para tanto, evoca a estrutura de quebra temporal que Cidadão Kane lança mão ao fluir entre passado e presente  neste caso entre o momento da escrita da obra e suas relações com as figuras importantes que viriam a inspirar futuramente a obra, como é o caso da atriz Marion Davies (Amanda Seyfried).

Se algumas críticas apontavam o longa como mais uma aposta da Netflix de conquistar a estatueta de Melhor Filme — seguindo a fórmula de Roma e O Irlandês de contratar um diretor de renome e lhes dar liberdade criativa para realizar projetos que não conseguiriam facilmente fora da plataforma, principalmente quando levado em conta a escolha pela fotografia em preto e branco em todas as obras —, Fincher subverte essas expectativas entregando o projeto mais pessoal de sua aclamada carreira, marcada por sucessos como Se7en (1995) e Clube da Luta (1999).


Isso porque Mank não pode ser reduzido a um filme sobre a controversa criação de Cidadão Kane, visto que, além de uma homenagem ao próprio pai — que nunca conseguiu finalizar ou ver finalizado o longa que idealizou com o filho , aborda de forma crítica a política em Hollywood e os jogos de poder que ajudaram a forjar essa indústria cinematográfica. Ainda que o filme não se proponha a tomar partido sobre quem merece os créditos pela obra, não é irônico pensar que o próprio roteirista acabe por ser vítima desta mesma indústria ao não receber crédito pelo grande trabalho de sua vida.

O espectador é envolto, tal qual o protagonista, em uma atmosfera que rememora constantemente a pequenez humana frente às colossais engrenagens capitalistas que visam a ascensão ilimitada de poder e fortuna enquanto oprimem e escancaram cada vez mais as dinâmicas de classe, que transcendem a indústria cinematográfica e até mesmo a própria ideia fantasiosa e inebriante de um “american way of life“. 

Para tanto, nenhuma escolha visual na obra de Fincher é mero apreço estético ou gosto pessoal. Da profundidade de campo — que questiona o tamanho psíquico humano enquanto emancipa o cinema da estética do proscênio teatral  à fotografia e às técnicas de transição de cena que marcaram o cinema de Orson Welles, Fincher consegue se apropriar com maestria da linguagem marcante do diretor, enquanto transmite similar reflexão sobre o fim da inocência dada pela decepção com o sonho americano. Em uma de suas cenas mais emblemáticas, no auge desse rompimento com a inocência, Mank reproduz a cena de rosebud ao se embebedar profundamente na produção de seu roteiro, trazendo à tona mais uma vez a discussão de como a indústria pode ser nociva e trazer a morte não apenas no sentido físico-literal, mas poético e psíquico.

O protagonista consegue, neste momento, trazer à tona não apenas a essência que Welles exprimiu em sua representação de Kane como também o ápice do comportamento autodestrutivo que perpassa as personagens de Fincher em um único gesto. A ideia de um filme para agradar a Academia, em suma, parece absurda, principalmente ao levar em conta as incontáveis décadas de dedicação de Fincher e seu pai ao projeto, que já ganhava corpo muito antes de a plataforma de streaming sequer sonhar existir. Trata-se do projeto de uma, ou duas vidas, como o diretor comentou em entrevistas, ao explicar a influência de seu pai em seu apreço por cinema e pelo próprio clássico Cidadão Kane.


Com seis indicações ao Globo de Ouro e nenhuma vitória nas categorias em que foi indicado, o filme divide opiniões de críticos e público sobre o que esperar da obra no Oscar este próximo domingo (25). Mesmo não sendo um bom parâmetro de avaliação, por apresentar um olhar diferente em relação às obras, o Globo de Ouro premiou o ainda favorito à categoria principal, Nomadland, levando muitos a crer não haver muitas surpresas ou divergências quanto à escolha neste fim de semana. Em destaque, com 35 indicações ao Oscar, a Netflix conta com 10 somente de Mank — liderando em primeiro lugar —; resta apenas esperar para ver em que parcela da crítica a Academia se encontra.

Título Original: Mank


Direção: David Fincher

Duração: 132 minutos

Elenco: Gary Oldman, Amanda Seyfried, Lily Collins, Tuppence Middleton, Tom Burke, Charles Dance e Tom Pelphrey

Sinopse: “Você não consegue capturar a vida de um homem em duas horas. Tudo o que você pode esperar é que consiga deixar uma marca”. Mank não é um filme sobre o aclamado diretor do clássico Cidadão Kane, nem mesmo apenas sobre o roteirista responsável por sua criação, Herman Mankiewicz (Gary Oldman), mas um ode ao cinema em sua visita ao passado de Hollywood e os bastidores de produção da época.

Trailer:

Qual sua opinião sobre o filme? Tem chances de levar alguma estatueta para casa? Quais seus favoritos em cada categoria? Deixa aqui embaixo nos comentários e até domingo 🏆

5 thoughts on “Um Oscar para Mank e a celebração de Cidadão Kane?”

  1. Amanda, todas as vezes que leio seus critica/comentários sobre filmes, oassa tanta clareza e aguça nossa vontade de assistir. Você sem dúvida é muita boa nisso

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