Meu Pai, dirigido por Florian Zeller, é uma bela surpresa. Desde Amor (2013, de Michael Haneke) não houve filme que representasse tão bem a senilidade despida de romanticismo ou emoções simplórias. É um filme complexo, do início ao fim.
A obra é uma adaptação da homônima e premiada peça teatral que o diretor assina. Florian Zeller é um dramaturgo conhecido que estreia sua primeira direção de cinema. Apesar da pouca experiência, há no filme uma bela condução dos atores principais e uma montagem que, em muito, busca o recurso teatral para se fazer entendida.
A trama do filme é propositalmente confusa. A relação que se forma ao longo da história se dá entre Anthony (Anthony Hopkins), que vive só em seu apartamento em Londres com 81 anos e sua filha Anne (Olivia Colman). Anthony recusa constantemente a ajuda de enfermeiros e cuidadores que Anne tenta inserir em sua vida ele entrega. Na narrativa, lapsos de memória que tanto compadecem a luta da filha quanto nos aproximam da dor e do desejo de independência do pai.
Anne decide se mudar para Paris com seu companheiro e o impasse acerca do futuro se faz presente. Quando Anne volta das compras, seu pai não a reconhece. A narrativa que segue é construída no questionamento da realidade do pai. Há um desconhecido no apartamento dizendo que o apartamento é dele e a pessoa que volta das compras não é mais sua filha. Anne, agora, é interpretada por Olivia Williams.
No entanto, para quem assiste, é difícil definir o gênero do filme. A contradição da realidade se torna o motim central do filme. Meu Pai entrega uma ambiguidade equilibrada. Há espaço para o drama de um pai que pode viver a confusão mental. Cabe também o suspense de uma filha que talvez planeja lhe retirar a casa com a tática do enlouquecimento. Até o desfecho, cabe à interpretação do espectador.
Há uma química majestosa entre sir Anthony Hopkins e Olivia Colman, rainha Elizabeth em The Crown. Hopkins entrega uma das melhores atuações de sua carreira: seu personagem se ausenta de si enquanto o cenário também molda tais ausências físicas. Olivia Colman também entrega solidez na filha que equilibra a resiliência e o desejo de se priorizar. Em cada questionamento da lógica, o espectador duvidoso é convidado a percorrer todo o campo de visão em busca das nuances.
Talvez, o brilhantismo de Meu Pai seja não somente a bela e natural interpretação da velhice, algo comum à grande parte dos humanos – seja o convívio ou a chegada –, mas também a identificação das histórias que, a depender da interpretação, são vistas de modos diferentes.
Os personagens que moldam os arquétipos e que se relacionam levam, ao espectador, uma experiência de assemelhação, ainda que distantes em proporções continentais. Se esquecer também é um modo de lembrar, Meu Pai se consolida na dolorosa delicadeza da memória.