Shawn Mendes: In Wonder (2020, de Grant Singer)

 

Assim que você entra no palco, o ego invade. E ele diz: “não estrague tudo, pois você é o cara”. Todos dizem isso. “Não estrague tudo”. Ao pegar o microfone, a primeira nota sempre desafina um pouco. Após uns 30 segundos você pensa: “sou só um cara e amo música”. E seu corpo inteiro relaxa. E eu me acalmo, olho em volta e penso: “faça isso, abandone o ego. Hora de se entregar”.

Através de entrevistas, filmagens de shows, premiações, encontros com fãs, visitas a locais da infância de Shawn e imagens de arquivo, o documentário apresenta, não dois lados de uma mesma pessoa, mas o lado humano por trás do ídolo — aquele que ninguém vê. Confesso que, apesar da mente aberta, fui preparada para ver jogos publicitários e a narrativa de um garoto beirando à perfeição, o que, para minha feliz surpresa, não era o foco principal do longa.

Em dado momento o artista até chega a se questionar se disser ao mundo que é um ser humano normal as pessoas iriam parar de ir aos shows e ouvir sua música e pensa que talvez não devesse contar, mas continuar atuando, fingir mais um pouco que é o Super-Homem. Apesar de parecer algo superficial para alguém de fora, artistas enfrentam constantemente uma enorme pressão para se enquadrarem em um determinado comportamento, aparência e serem impassíveis de erro. Afinal, são vistos como um reflexo idealizado da sociedade.

Shawn, entretanto, resolve expor um lado mais vulnerável no documentário para a Netflix e, preciso dizer, o lado humano é sempre muito mais complexo e interessante de se conhecer; uma pessoa normal vivendo alguns momentos de modo não tão normal assim. Em momentos pontuais é possível perceber a dificuldade em responder, inclusive, certas questões, como quando perguntado sobre a dificuldade de proteger a pureza que deu início a tudo, ao que ele silenciosamente concorda com a cabeça após uma breve reflexão.

O que torna o longa tão diferente do que eu esperava e tão maravilhoso em sua proposta é que, apesar de focar sim na turnê do cantor e inspirações para suas composições, bem como nas pessoas que possibilitam esse sonho para ele, — como o agente que o acompanha desde o início de sua carreira, quando fez sucesso com o cover de Say Something; os pais; a irmã; a namorada e artista Camila Cabello; o amigo de infância Brian Craigen, que se esforça para mantê-lo no mundo real e o conecta com os amigos de casa; a professora de canto, que não hesitou em acreditar nele e não reagiu como muitos outros lhe dizendo que seu sonho era idiota; e até mesmo os amigos de sua cidade, a quem Shawn diz que quer que saibam que o sucesso é tão deles quanto seu — a verdadeira intenção por trás e a mensagem que o cantor canadense passa a todo instante é de uma verdadeira declaração de amor à música.


Envolto em todo o processo, desde ouvir outras músicas e pensar no conceito do próximo álbum a compor, gravar e participar da pós-produção, Shawn Mendes deixa evidente como o processo vai muito além da grandiosidade e “holofotes” que as pessoas imaginam, está na paixão, dedicação e disciplina. Músicas não se compõem sozinhas e de uma só vez, bem como não se trata apenas de entrar no estúdio e gravar, mas testar constantemente para ver o que funciona melhor no produto final.

Como o documentário deixa evidente, é necessário abraçar a imperfeição e lembrar constantemente que não somos invencíveis. Ademais, relembra que o processo artístico, seja em música, teatro ou até mesmo em gravações, está sujeito a diversas repetições que, para o público será a primeira vez, exigindo a mesma dose de verdade e entrega. É bonito, por isso, ver os momentos de concentração antes dos shows tanto quanto, ou até mais, do que as próprias apresentações.


A dificuldade expressa por ele em representar um sentimento em música, justamente por se tratar de algo extremamente íntimo, é compensada pela intimidade com a qual se relaciona com o violão — quase como uma extensão do próprio braço  e o entusiasmo e verdade com que se apresenta, ensaia, aquece e se dedica ao máximo em cada etapa do que faz. Tanto que é interessante notar como a fama para ele ainda é algo a se acostumar e que não toma como garantida. O lado garoto normal X cantor famoso coexistem de modo menos doloroso para ele agora, mais amadurecido; o que é visível em seu novo álbum, Wonder.

A parceria do cantor canadense com a Netflix ainda trouxe o Shawn Mendes: Live in Concert recentemente para a plataforma. De modo geral, o documentário não serve apenas para fãs de Shawn, mas para todos aqueles que tiverem curiosidade de conhecer melhor o meio não tão glamouroso da indústria da música e da arte como um todo. A arte que pulsa, inspira, transborda e se faz necessária a todo momento e em todas as formas. Talvez tenha faltado apenas bancar a escolha do foco que queria dar ao documentário e ir com ela até o fim, não deixando tão “superficial” em alguns detalhes e confuso em outros.

Título Original: Shawn Mendes: In Wonder
Direção: Grant Singer
Elenco: Shawn Mendes, Camila Cabello
Duração: 83 minutos
Sinopse: In Wonder documenta uma turnê mundial do cantor enquanto ele desabafa sobre os últimos anos de seu estrelato, carreira musical e relacionamento.
Trailer:

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