Crítica: O Céu da Meia-Noite (2020, de George Clooney)

 

Uma viagem vazia por um espaço cheio.

A dinâmica de filmes de ficção científica espacial que abordam questões existenciais sofreu uma expressiva popularização durante as duas últimas décadas. Obras como Gravidade, Interestelar, Ad Astra, Lunar e, o melhor dentre todos esses, High Life, moldaram de diferentes maneiras como esse nicho deve e não deve construir suas tensões e formulações. Em 2020, após uma certa saturação de tal gênero, George Clooney surge com uma produção patrocinada pela Netflix que, no melhor dos casos, representa fielmente a exploração exaustiva de uma temática que dá as caras de já ter chegado ao seu limite.

Em O Céu da Meia-Noite, acompanhamos um cientista solitário isolado no polo ártico, em uma estação espacial, por conta de uma mudança climática que devastou a Terra. Paralelamente a isso, um grupo de astronautas com o dever de investigar um possível planeta substituto ao nosso tenta retornar para casa. É em meio a este jogo narrativo de duas perspectivas muito distintas, mas que tendem a se conectar, que Clooney tenta estabelecer a força dramática de sua obra sem muito sucesso.


Isso porque O Céu da Meia-Noite tem um grande problema de construção em relação a toda sua estrutura. Desde o início, acompanhamos a figura do cientista solitário, somos levados a adentrar em sua situação e compreender todos seus detalhes – o que o filme faz muito bem, insinuando de maneira sutil tudo que aconteceu, sem se preocupar em esclarecer tudo. Enquanto trabalha em terreno seguro, Clooney consegue realmente desenhar uma encenação contida, mas que está sempre abrindo espaço ao espetáculo, ainda que vagarosamente e de maneira segura. A problemática aparece no momento de lidar com a articulação das duas narrativas.

Ao decidir, em dado momento, quase abandonar a narrativa A (do cientista) para se embrenhar por tempo desnecessário em meio à B (dos astronautas), Clooney cria um distanciamento entre as duas linhas que, ao invés de produzir uma sensação de aproximação pelo desconhecido, apenas afasta qualquer possibilidade de diálogo entre si. É como se o diretor perdesse o controle por justamente querer dizer mais do que consegue formular. A desconexão aumenta e quem assiste se sente cada vez mais indeterminado em relação a como as tramas se constroem – ou pior, a como conectá-las.


E isso se reflete principalmente na maneira de abordar suas ideias. O filme se propõe a trabalhar com algumas temáticas já bem estabelecidas do gênero, como a solidão, as condições climáticas, as ações humanas e suas consequências, a perseverança nos próprios sonhos, as obsessões etc. O esforço necessário para se debruçar diante de todas essas linhas e construir algo sólido não fica nem ao menos claro, pois praticamente não existe. Por um lado, a ficção científica surge aqui como mero pano de fundo para o jogo catastrófico de Clooney em sua tentativa de abordar esses temas, sem realmente se fundir com os mesmos, criando um descaso entre aquilo que se pretende trabalhar e como trabalhar. Por outro, a bagunça estrutural com as linhas narrativas se reproduz aqui no âmbito temático, tornando impossível para o filme demonstrar alguma espécie de unidade, ou mesmo mísero diálogo entre os discursos. É como se, por fim, fosse uma colcha de retalhos construída sobre um gênero que poderia ser facilmente substituído.


Não há possibilidades concretas de transmissão de algo quando não se sabe como transmitir. O imaginado só se traduz em compreensível através da linguagem. O grande problema é que O Céu da Meia-Noite é tão vazio que mesmo o produto da imaginação não possui qualquer tentativa de dar um passo além do já estabelecido. E isto não seria um problema, caso o próprio filme não demonstrasse querer transgredir tudo. Assim, cria-se situações absurdas como um plot twist tenebroso ao final, sem construção alguma, ou momentos que existem unicamente em função de preencher a carga horária de duas horas. O filme de Clooney tentou respirar através do rastro minguante da ficção científica espacial-existencial, mas acabou por enterrar a si e ao próprio gênero.

Título Original: The Midnight Sky


Direção: George Clooney

Duração: 122 minutos

Elenco: George Clooney, Felicity Jones, Kyle Chandler, David Oyelowo

Sinopse: A saga de Augustine (George Clooney), um cientista solitário no Ártico, que corre para impedir Sully (Felicity Jones) e seus colegas astronautas de voltarem para casa em meio a uma misteriosa catástrofe global.

Trailer:

Se interessou pelo filme? Gosta da temática? Comente o que achou conosco!

Deixe uma resposta