Uma conversa sobre O Dilema das Redes


Invasão de privacidade não é um assunto que começou a ser discutido ontem. Há 71 anos, George Orwell já debatia a respeito com o lançamento do clássico 1984, no qual o Grande Irmão observava a todos. De lá para cá, nós vimos tudo acontecer – os computadores, a internet e toda a tecnologia que surgiu em meio a isso –, e achamos tudo incrível. É, de fato, impressionante. Podemos conversar em tempo real com pessoas do mundo todo, fazer compras sem sair de casa, aprender coisas sem gastar um centavo sequer. Qualquer um que disser que a internet trouxe apenas malefícios está errado. Contudo, não podemos nos deixar cegar pela luz e esquecer de que há, também, a escuridão.

O Dilema das Redes
 é um documentário da Netflix, dirigido por Jeff Orlowski, e coloca as redes sociais em confronto com o nosso mundo de hoje. Os pontos de vista e as informações apresentadas são trazidas por pessoas que já trabalharam em empresas como grandes no setor de tecnologia, como Google, Firefox, YouTube, Facebook, Instagram, Twitter, etc., e essas visões se intercalam com uma história de ficção que mostra um lado mais extremo do impacto negativo das redes sociais na vida de cidadãos comuns.

Por pouco mais de uma hora e meia, ficamos presos nesse mundo de informações sobre nós mesmos e chocados com o quanto o simples uso das redes sociais tem impactado a vida de bilhões de pessoas, inclusive você e eu. Dessa forma, decidi pincelar alguns pontos que o documentário apresenta e que deveriam ser amplamente discutidos, mas ainda não são, pelo menos não o suficiente.

“Existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de usuários: a de drogas e a de software.”

Redes sociais são viciantes de propósito, isso é um fato inquestionável e um tanto quanto óbvio para a maioria, mas o que poucos sabem é que as coisas funcionam de um jeito ainda mais bizarro do que é esperado. Não é apenas a interface ou as cores que nos fazem passar tanto tempo descendo o
feed infinito. As notificações estão sempre nos apresentando o que achamos que será interessante, as imagens que aparecem são as que nós temos a maior tendência de gostar e, caso você suma, o algoritmo chega a te avisar até por e-mail o que está acontecendo (experimente passar duas semanas sem entrar no Instagram para testar a veracidade desta).

Mais do que isso, é cronometrado o tempo em que nós ficamos em cada postagem para nos recomendarem coisas parecidas, e para quê? Para nós passarmos ainda mais tempo online. Algo precisa nos chamar a atenção, e os algoritmos vão tentar de tudo para você gastar todo o seu tempo nas redes sociais, porque é assim que eles ganham.

Se você não está pagando pelo produto, você é o produto.”


Nada é de graça. Tecnicamente, você não paga para entrar nas redes sociais, mas tudo tem um preço. Anúncios aparecem o tempo todo nas nossas
timelines porque alguém paga por eles – ou melhor, para eles serem mostrados a nós. A partir daí, o dinheiro é feito.


Polarização, bolhas e
fake news


As formas de anúncio e o controle do que nos é apresentado nas redes sociais facilitam a polarização, o surgimento de bolhas e o espalhamento das famigeradas
fake news. A princípio, pode não parecer nada, mas só quando isso começa a mexer com nações inteiras vemos o verdadeiro estrago. Presidentes se elegendo por fake news, grupos terroristas encontrando novos membros, guerras civis ganhando força: tudo por um simples algoritmo que só queria fazer um pouco de dinheiro. E essas nem são todas as consequências.

F.O.M.O., depressão e ansiedade

Quando focamos no indivíduo, percebemos também o quão dependentes as redes sociais nos deixaram. Quem nunca ficou um pouco inquieto ao passar muito tempo fora das redes sociais ou sentiu o celular vibrar e depois viu que não era nada? Esses são alguns dos sintomas que categorizam o F.O.M.O.,
Fear Of Missing Out (em tradução livre, o Medo de Estar Perdendo), uma das consequências psicológicas do uso de redes sociais, assim como a depressão e a ansiedade, que vêm aumentando cada vez mais, principalmente em adolescentes, junto com as taxas de tentativa de suicídio e suicídio efetivo. (Caso você esteja se sentindo muito mal ou tenha pensamentos suicidas, procure ajuda. Ligue 188 ou entre no site do CVV para mais informações.)

Se juntarmos todos esses pontos, podemos ver que essa é uma bola de neve gigantesca que está rolando do penhasco e nos levando junto com ela. Mas o que pode ser feito? O Dilema das Redes apresenta os problemas e também algumas soluções, mas não tantas. A verdade é que, para isso melhorar, todos temos de fazer nossa parte – porque não me parece viável simplesmente abandonar todas as redes sociais, e mudar o algoritmo é algo que não está em nossas mãos.

Sendo assim, minha proposta é: assista ao documentário caso ainda não o tenha feito. De fato, não é a coisa mais incrível do mundo e, no geral, nem chega perto de ser o meu documentário favorito – A 13ª Emenda, para quem está se perguntando –, mas, principalmente agora, acredito que seja crucial nós sabermos o que está acontecendo conosco, ao nosso redor, e tomar providências para que não sejamos apenas massa de manobra.

Particularmente, não gostei muito da história de ficção encaixada em partes específicas do documentário; por mais que elas ilustrem exatamente o que está sendo falado, acredito que poderia ser um pouco menos lunática e mais pé no chão, para que nós pudéssemos nos identificar mais. Além disso, alguns comentários dos especialistas soaram muito forçados – “não há um culpado” ou “não sabíamos o que estávamos fazendo” –, como se estivessem tentando tirar os seus da reta.


Apesar disso, se tem uma coisa que eu posso dizer com certeza é que 

O Dilema das Redes impactou a minha vida de maneira significativa, embora tenha me deixado um pouco paranoica toda vez que eu abro as redes sociais e me dou conta de que eu sou o produto que está sendo vendido. Mas é bom questionar o algoritmo, o que nos é mostrado, e nos conscientizar a respeito disso nos faz, também, tentar sair da bolha na qual estamos. Não é para você mudar de lado ou mudar 100% suas opiniões, mas questioná-las; pensar e repensar os porquês, ser mais flexível e tolerante para com as pessoas, tentar entender pontos de vista diferentes. (Adendo: racismo, homofobia, etc. não é ponto de vista.)

Após apresentar tanta desgraça, o documentário termina com uma visão positiva do que pode ser feito para melhorarmos o uso das redes sociais, mas eu particularmente ainda não sei o que pensar. E enquanto não há uma solução para o mundo, vou tentar ser o início da solução para mim mesma e me policiar mais no uso de toda e qualquer plataforma social que utilizo – triste, porém um pouco mais ciente do que acontece. O Dilema das Redes cumpre seu papel e nos lembra do que está por trás de tudo o que vivemos. Afinal, 71 anos depois, George Orwell não podia estar mais certo: o
 Grande Irmão está de olho em você.


Título Original:
 The Social Dilemma

Direção: 
Jeff Orlowski

Duração: 94 minutos

Elenco: Kara Hayward, Skyler Gisondo, Vincent Kartheiser, entre outros.

Sinopse: O Dilema das Redes nos mostra como os magos da tecnologia possuem o controle sobre a maneira em que pensamos, agimos e vivemos. Frequentadores do Vale do Silício revelam como as plataformas de mídias sociais estão reprogramando a sociedade e sua forma de enxergar a vida.

Trailer:

E você, se mantém positivo ou negativo sobre o uso das redes sociais? Deixe seu comentário e… seria hipócrita pedir para nos acompanhar nas redes sociais?

Deixe uma resposta