Crítica: A Vastidão da Noite (2020, de Andrew Patterson)

Por muitos críticos de cinema, A Vastidão da Noite tem sido considerado um dos melhores lançamentos de 2020. Com um orçamento baixíssimo, Andrew Patterson não só dirigiu o filme como também o roteirizou, editou e produziu – porém, nos créditos, colocou diferentes pseudônimos para seu nome não aparecer em tudo. O que para alguns pode parecer loucura, já que se tudo desse errado cairia em cima dele, para Patterson foi um tiro de sorte. Dentre os diversos festivais nos quais seu longa de estreia esteve presente no ano passado, foi premiado em três: Hamptons International Film Festival, Slamdance Film Festival e The Overlook Film Festival. Agora, chega ao público geral pela Amazon Prime e, pelo que se vê no Rotten Tomatoes, divide opiniões. Enquanto a pontuação da crítica especializada está em 92%, a da audiência está em 65%, deixando claro que esse filme não é do tipo que vai agradar a todos.
O filme segue Fay Crocker e Everett, dois jovens amigos que têm o rádio como uma paixão em comum. Fay acabou de comprar um gravador, e Everett, que trabalha como radialista, ajuda a garota a estrear o aparelho através de curtas e aleatórias entrevistas com as pessoas que estão chegando na escola deles para assistir ao aguardado jogo de basquete. Por ser uma cidade pequena, boa parte da população local vai para o jogo, mas os dois acabam saindo do lugar porque Everett precisa ir para a rádio e Fay, para seu trabalho como telefonista. Depois que eles se separam, Fay começa a perceber acontecimentos estranhos – cortes nas ligações e ruídos no rádio –, e se junta a Everett para descobrir o que está acontecendo ao longo daquela noite.
No começo, é quase impossível entender o que está acontecendo. O espectador é jogado no começo da noite daquelas pessoas e, por vários minutos, apenas encara diálogos corridos e pessoas passando para lá e para cá sem ser situado de forma direta. Aqui, não há um narrador para pegar na sua mão e te dizer quem é quem e o que está acontecendo, muito pelo contrário. Patterson se utiliza muito do princípio “mostre, não conte” e o faz de uma maneira excepcional, com caminhos inteligentes para entendermos o que está acontecendo e sem preguiça na hora de criar a história.
Embora todos os componentes da obra sejam importantes, o diálogo é a chave da narrativa, e é através dele que conhecemos as personagens – suas relações, seus gostos, suas opiniões –, os cenários – cidade pequena, jogo de basquete como um evento importante –, o presente e o passado. Sendo assim, tudo o que a princípio pode parecer desnecessário, não é, é tudo parte da construção daquele mundo. Aliás, em algumas cenas ao longo do filme, a tela chega a ficar toda preta, apenas uma voz falando em nossos ouvidos, como se tivesse nos ligado para conversar, e quem cria as cenas visuais é a nossa própria mente; uma forma muito interessante de se contar a história de um livro e que eu, particularmente, ainda não conhecia, mas que nesse filme caiu como uma luva.
Ainda a respeito do áudio, a trilha sonora se faz muito presente e é importantíssima na hora de ditar o clima da trama; é ela que te situa na história e que controla os seus sentimentos. Os efeitos sonoros também são bastante vívidos e ajudam na imersão do espectador.
Desde o começo do filme, percebe-se que muitas cenas são compostas por planos longos ou planos-sequência, às vezes com cortes imperceptíveis no estilo Birdman, o que é incrível, ainda mais para um filme independente. Em alguns momentos, esses planos sem cortes são usados até mesmo para criar tensão, e vão de um ponto a outro da cidade passando apenas pelas ruas vazias iluminadas pelos postes, apenas trilha sonora de Erick Alexander e Jared Bulmer aos nossos ouvidos. E assim a aflição é instaurada, porque você não faz ideia do que pode acontecer a seguir. E não posso me esquecer de dar também os devidos créditos aos atores, principalmente a Sierra McCormick e Jake Horowitz, que se adaptaram perfeitamente ao estilo proposto por Andrew Patterson. 
Outra parte da obra que se destaca é o design de produção, que não peca em retratar o filme com detalhes da década de 1950, principalmente no quesito eletrônicos. Do gravador portátil de Fay até a central de telefonia e seu funcionamento, não há nada do que eu possa reclamar. Obviamente, eu não estava viva naquela época, então não faço a menor ideia de como os eletrônicos funcionavam, mas a maneira como tudo foi planejado me convenceu de que era real, e isso já me parece o suficiente.
A fotografia e o figurino também são muito apropriados para a ambientação e não deixam a desejar de forma alguma. Muitas críticas disseram que o filme tem claras inspirações e faz diversas homenagens, a maior delas a The Twilight Zone – uma série que sempre tive curiosidade de ver, mas nunca assisti –; todavia, minha bagagem para ficção científica é pouca para que eu encontre similaridades com qualquer coisa que vá além de Spielberg. Dessa forma, não tenho com o que fazer comparações e nem consigo apontar referências, e, nessa crítica, vou ficar devendo isso para vocês.
Apesar de tudo, não creio que essa seja uma obra para todo mundo. Por ser um estilo que foge do blockbuster e do que temos visto no cinema recentemente, muitos podem achar chato, entediante e sem pé nem cabeça, até porque o final é aberto e isso pode desagradar aos que preferem ver uma ação que se dá no plano real e não no psicológico. Embora eu tenha adorado a experiência, não acho que a sensação que se tem assistindo ao filme perdure por muito tempo. Achei, sim, uma criação maravilhosa, mas ela é definitivamente melhor no momento em que você está assistindo do que algumas semanas depois.
Ainda assim, posso dizer que esse filme é completo em todos os quesitos. Não tem algo que se veja nele e pense que não cabe na narrativa, porque o filme em si próprio encontra sentido. Essa não é uma ficção científica sobre seres estranhos que encontram a Terra, tampouco acredito que seja sobre amizade, amor, família ou preconceitos. Todos esses temas estão aí, beirando a história de uma maneira ou de outra, mas esse filme não narra uma história, e sim um sentimento. A Vastidão da Noite é eletrizante e estende aquela sensação pré-susto por uma hora e meia. Quando você entra no filme, só sai quando ele realmente acaba. Andrew Patterson criou um longa que mexe com o espectador de uma forma mais impressionante do que a história em si, e para mim, isso é digno de aplausos.

Título Original: The Vast of Night
Direção: Thomas Kail
Duração: 91 minutos
Elenco: Sierra McCormick, Jake Horowitz, Gail Cronauer, Lynn Blackburn, Mollie Milligan, Nicolette Doke, Bruce Davis, Nika Sage McKenna, Shelley Kaehr, entre outros.
Sinopse: No período da Guerra Fria, enquanto acontece a corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética, dois adolescentes de uma cidadezinha americana são obcecados pelo rádio. Quando eles descobrem uma estranha frequência de ondas aéreas, suas vidas e o mundo inteiro podem estar prestes a mudar drasticamente.

Trailer:

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