Crítica: El silencio del cazador (2019, de Martín Desalvo)

Início tépido para os longas-metragens estrangeiros no Festival de Gramado

Nesta sexta-feira (17/09) teve início oficialmente o Festival de Gramado, um dos maiores festivais de cinema do país, que esse ano está sendo transmitido virtualmente pelo streaming do Canal Brasil ou pelo próprio na televisão. Sucedendo o brasileiro Por Que Você não Chora?, dirigido por Cibele Amaral, o filme argentino El Silencio del Cazador abriu a mostra de longas-metragens internacionais com uma obra que esboça uma tensão interessante, mas não deixa de ser, em última instância, morna.

O filme acompanha três personagens que se conectam: um guarda florestal de uma reserva em seu obsessivo trabalho, esposo de uma médica que atua em aldeias indígenas, que tem como ex-marido um fazendeiro caçador, personificado como uma espécie de antagonista do primeiro personagem. Após o aparecimento de um suposto tigre na mata, as relações entre os três voltam a se acender, intensificando um passado cercado de inimizades e aproximações.

De certa forma, o longa de Martín Desalvo remete à literatura do escritor uruguaio Horacio Quiroga: a tensão que se passa na mata, a violência entre os indivíduos que perpassa as relações coloniais existentes no local, ou mesmo a possibilidade de uma sensibilidade quase mitológica em relação a certas figuras que personifica problemáticas sociais e culturais já enraizadas nas comunidades (como a figura do tigre). Ao mesmo tempo, existe também um pouco de Mal dos Trópicos, obra-prima de Apichatpong Weerasethakul e um dos grandes filmes dos anos 2000, principalmente nessa relação mágica dos sujeitos com o ambiente. O problema é que Desalvo, emulando estes e outros autores na construção de uma espécie de “faroeste” das matas da América do Sul, perde-se totalmente em meio a uma relação dramática mal estabelecida em símbolos.


Até mais ou menos a primeira metade do filme, enquanto este está interessado em elaborar justamente uma tensão originária das disputas desconhecidas e sutilmente sugestionadas entre os dois homens, a dimensão narrativa do filme funciona muito bem. A câmera na mão introduz o espectador em meio ao caos da selva que se reflete no interior bruto de ambos personagens, mediados pela sensibilidade da figura feminina, o que soa, de certa forma, interessante, ainda que seja uma construção um pouco óbvia demais e bem estereotipada. Ou seja, enquanto o diretor está interessado em explorar essa tensão dos corpos e sua relação com o espaço e os resquícios colonizatórios, o filme se sai bem: a mata até personifica, de certa forma, a prisão caótica em que se encontra o vazio intelectual daqueles dois indivíduos.


Mas ao decidir adentrar o plano daquele passado, explorando as relações dramáticas após, por exemplo, o primeiro grande momento de tensão, toda a sutileza é abandonada pela direção para caminhar através de simbologias e sugestões baratas. O ciúme e o desejo surgem como intensificadores dessa relação sombria desenvolvida no passado, mas ambos não se sustentam de maneira suficiente para levar a cabo a ideia do faroeste. Assim, o filme se perde através da elaboração de um drama pouco consistente, muito sugestionado e sustentado em cima de símbolos capengas pois bebem de generalizações formulaicas que não adicionam tanto para a narrativa. Além de relegar, por exemplo, as figuras femininas e as figuras nativas a encaixes com função de unicamente movimentar a trama, todo o embate construído entre as duas figuras masculinas é morno por depender de relações desse passado que nunca são verdadeiramente encenadas. É como se faltasse coragem para admitir a violência que existe ali – em contraposição à exposição gráfica do filme, que está presente.

Ao fim, sobra um banal thriller de caça entre dois indivíduos que se sustentam sobre egoísmos que não são apenas tolos, mas são tolamente apresentados na narrativa. Portanto, fracos. Por mais que haja uma espécie de redenção ao final do filme, não há nada que transponha esses limites e traga a coragem necessária. El Silencio del Cazador abre a mostra de longas estrangeiros no Festival de Gramado de uma forma morna, medíocre, sem trazer uma pimenta interessante para dar o fôlego inicial.

Título Original: El silencio del cazador

Direção: Martín Desalvo

Duração: 99 minutos

Elenco: Pablo Echarri, Alberto Ammann, Mora Recalde

Sinopse: El Silencio del cazador acompanha Ismael Guzmán, um guarda florestal que patrulha a selva diariamente buscando caçadores ilegais. Sua esposa, Sara, é uma média rural apaixonada pelo que faz. Venneck é um dono de uma fazenda da região e caçador, além de já ter se envolvido romanticamente com Sara. Quando um jaguar mítico aparece, uma antiga rivalidade resurgirá entre Guzmán e Venneck.

Trailer:

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