Crítica: Black Is King (2020, de Beyoncé Knowles e outros)

Causando furor na internet, Beyoncé, uma das artistas pop com maior visibilidade a nível mundial, lançou na sexta feira, 31 de julho, o seu mais novo longa: Black Is King. De cara, o filme levantou interessantíssimos debates acerca do seu conteúdo declaradamente antirracista, bandeira que a cantora fez questão de levantar em seus últimos trabalhos, tendo seu maior nível de impacto no famoso álbum Lemonade. Mas para além de suas lutas e das questões que Beyoncé traz à tona, a qualidade de suas produções também se destaca: orçamentos multimilionários e projetos audiovisuais com cinematografia impecável, elevado nível de coreografia, pós produção cuidadosa e cenografia caprichada. Em Black Is King, todos esses elementos estão presentes e, com produção da Disney, compram do espectador um encantamento imediato. 

Sendo uma releitura da narrativa de O Rei Leão de 2019 (que por sua vez, é uma reciclagem do longa de 1994, o qual é uma releitura da peça Hamlet, de Shakespeare), Beyoncé reconta a história de Simba, que não mais sendo um leão, é agora um jovem negro em sua jornada de autodescoberta, confronto com o mundo e conexão com suas raízes. As origens desse garoto, é claro, residem na África, sempre mostrada no longa sob a ótima religiosa, glamorizada e quase mística. Dessa forma, a película reafirma sua narrativa como uma celebração à ancestralidade e às diferentes etnias que o vasto continente africano tem a oferecer. Assim, a tão batida e pouco criativa ascensão de Simba ganha um grosso caldo ritualístico de representatividade e senso coletivo do povo negro, que não apenas fortalece o significado do longa, como também é capaz de entreter e encantar a partir da empatia que criamos pelo protagonista, de modo certeiro.

E talvez esse seja o maior trunfo de Black Is King: a enorme habilidade de Beyoncé em entregar um conteúdo que alia um ótimo entretenimento com a capacidade que suas criações têm de levar a público questões contemporâneas relevantes. Com isso, o debate é sim levantado, mas o filme têm bem mais a oferecer. Sua já citada narrativa é na verdade contada em elipses, pois, dentre alguns e outros fragmentos da história, há exuberantes performances musicais das canções presentes no álbum The Gift (trilha sonora original do Rei Leão de 2019). Através das letras, a cantora e performer se coloca como narradora, mas sua forte presença desvia nossa atenção da história e mergulhamos de cabeça nos números mirabolantes. 

Com grande apuro técnico, vemos Beyoncé cantar e dançar nas mais deslumbrantes locações (filmadas em sua maioria, em países africanos), ao lado de grandes convidados como Burna Boy, Pharrel Willians, Jay Z, Lupita Nyong’o e outros tantos, com destaque para adorável Blue Ivy Carter em Black Skin Girl. Além disso, o número que celebra deuses do passado, Find Your Way Back conta com belos figurinos e CGI de primeira, o afrofuturismo em Ja Ara E tem seu charme próprio, Bigger, em todo o seu significado conta com uma brilhante fotografia alegórica e Spirit encerra com chave de ouro. Esta última, aliás, ganha o destaque e a grandiosidade que merece apenas nesse filme, já que no longa de 2019 não passou de uma performance frustrante e mal orquestrada. E por falar nele, Childish Gambino, que interpretou o Simba adulto em Rei Leão faz falta. Sua voz está; sua presença, não. No mais, ainda que estejam longe de serem as melhores músicas da discografia de Beyoncé, sua execução não deixa nada a desejar. 

E como em todos os trabalhos da popstar, há, é claro, as polêmicas. A iniciar pelo nome, uma alusão ao empoderamento negro (Negro/Preto é Rei), que causou controvérsias entre os mais conservadores. A maior polêmica, entretanto, está intrínseca à performance de Mood4Eva, na qual Beyoncé e sua família estão em sua mansão colonial europeia sendo servidos por mordomos brancos, numa inversão de papéis que a cantora inteligentemente usa para evidenciar o quão estranho isso soa, visto que infelizmente, o contrário costuma, ou costumava acontecer. Concordando ou discordando da postura e das escolhas estéticas que a cantora usa para evidenciar a pauta antirracista, o fato mais importante é que, com o debate levantado, temos material para a discussão acontecer. E ela deve, sim, acontecer.

E por isso problematizar, debater e denunciar cada camada das convenções sociais se mostram importantes e necessárias, das maneiras menos ou mais subversivas. E assim, Black Is King atinge seu potencial com enorme sucesso. Aliado à sua relevância dialética, o longa é um grande acerto da cantora que se mostra extremamente eficiente em somar a isso elementos estéticos primorosos, uma direção eficiente e uma narrativa que, mesmo sendo o elo mais fraco, consegue ressignificar a jornada de O Rei Leão dentro da história do movimento negro, de suas lutas e conceitos, raízes e origens. E talvez seja isso o que tenha faltado no longa de 2019: ambição e atualização de conceitos. Felizmente, para quem não se engajou com a obra lançada ano passado, há Black Is King que, com certeza, não deixará o espectador indiferente, para o bem ou para o mal. 
Direção: Beyoncé Knowles, Blitz Bazawule, Dikayl Rimmasch, Jenn Nkiru, Jake Nava, Pierre Debusschere, Ibra Ake, Emmanuel Adjei, Julian Klincewicz, Dafe Oboro, Kwasi Fordjour.

Duração: 85 minutos

Elenco: Beyoncé Knowles, Adut Akech, Naomi Campbell,  Blue Ivy Carter, Connie Chiume, Lupita Nyong’o, Kelly Rowland, Moonchild Sanelly, Nandi Madida, Nyaniso Dzedze, Jay-Z, Pharrel Willians, Tina Knowles, Aweng Ade-Chuol, Folajomi Akinmurele, Jessie Reyez, Shatta Wale

Sinopse: As viagens das famílias negras, ao longo do tempo, são honradas em um conto sobre a jornada transcendente de um jovem rei através de traição, amor e auto-identidade. Seus antepassados ​​ajudam a guiá-lo em direção ao seu destino e, com os ensinamentos e a orientação de seu pai do amor infantil, ele ganha as virtudes necessárias para recuperar seu lar e trono. Essas lições atemporais são reveladas e refletidas pelas vozes negras de hoje, agora em seu próprio poder. ‘Black Is King’ é uma afirmação de um grande objetivo, com visuais exuberantes que celebram a resiliência e a cultura dos negros. O filme destaca a beleza da tradição e da excelência negra.


Trailer:

 

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