A Equipe Comenta: Deve ser Horrível Dormir sem Mim (2020, de Manu Gavassi)

    



    O tão aguardado lançamento do clipe que uniu a cantora e ex-BBB Manu Gavassi – e seu alter-ego Malu Gabatti – à cantora pop Glória Groove deu muito o comentar nas redes sociais e já alcançou, no dia seguinte a seu lançamento, a marca de mais de 2 milhões de visualizações no YouTube. Em tons pastéis e citações, a jovem cantora e também diretora do clipe apresenta um metacomentário sobre sua própria vida e sobre o mundo pop em que luta para se inserir a partir de sua carreira musical. Por isso, este A Equipe Comenta será dedicado a avaliar a maneira em que Manu Gavassi realiza sua crítica, e o que ela pode trazer de implicações para nosso cenário musical pandêmico.

Rodrigo Zanateli:


    Se MGMT, no nono dia do segundo mês do ano de 2018, iniciou a Little Dark Age, aqui em Deve Ser Horrível Dormir sem Mim a gente se aprofunda ainda mais nessa era das trevas em pleno século XXI. A era da esquizofrenia como produto. 

    Logo no começo da obra, sofremos com a total ausência, ao menos em persona jungiana, de Manu Gavassi, a suposta estrela da fita y a maior antítese futebolista desde a seleção suíça na copa de 2006. No lugar da ex-BBB que redefiniu os valores do que é ser patricinha no último quinquênio, vemos Malu Gabatti, filha de diretores que recusaram a realização do aclamado Cidade de Deus para cuidar de seus projetos pessoais – entre os projetos, a criação de uma pequena gênio que viria revolucionar o universo dos videoclipes depois de quase de 37 anos na mesmice, isto é, desde o lançamento de Thriller de Michael Jackson. E aqui deixo uma observação: já é cedo demais para chamar o astro de Manu Gavassi dos velhos?

    Em sua master piece, vale reforçar, Malu demonstra, tanto na parte inicial de seu script quanto em seu long-shot-flawless-filmed sua soberba involuntária/voluntária e, assim como a capa do Atom Heart Mother, da banda Pink Floyd, recria o conceito de desconceito. 

    Glória Groove e os outros desconhecidos atores coadjuvantes são os ingredientes perfeitos que faltavam para essa paella audiovisual. A icônica drag queen é o pêndulo moral da surtada protagonista, fazendo o papel do espectador de, ao mesmo tempo, aguentá-la – pelo respeito que ela impõe – e às vezes dar vazão – com a língua de fora e balançando a cabeça enquanto revira os olhos – o sentimento inconsciente que temos ao não conseguir compreender a magnitude da obra, só nos restando aproximá-la ao brega e ao infantiloide. 

    Featuring! Nudez! Boy gato! Um Carro! e Dança que Viraliza no Tik-Tok são acessórios que servem para camuflar a genialidade da película digital, reforçando o estereótipo trazido pelo próprio Pink Floyd no álbum da vaquinha, já citado anteriormente. 

    A música, que desliza generosamente em nossos ouvidos por pouco mais de 2 minutos, serve como a cereja do bolo desse deleite audiovisual, assim como o meikinof funciona como aquela coca-cola morna sem gás que vai por cima do sabor de chocolate. 

    Este clipe, de fato, nunca aconteceria em Nova York. 

    “O que precisa  para fazer o videoclipe pop perfeito?” A resposta são estes belos 600 segundos de genialidade.

    Só lamento o fato de usarem baralho Lenormand e terem dito que é Tarot, mas tudo bem, o diretor de arte foi demitido!



Igor Motta:


    O novo clipe da mais nova ex-BBB Manu Gavassi (feat Gloria Groove) está fazendo um grande sucesso na internet. Eu, como uma pessoa alheia ao universo da música e produções musicais como um todo, resolvi deixar meu comentário apenas como forma de aventura ao criticar, por assim dizer, novos ares.


    O clipe possui uma ideia interessante, de introduzir uma espécie de alter-ego de Manu, Malu Gabatti, uma cineasta egocêntrica e arrogante, enquanto a produção do clipe em que assistimos está em execução. É interessante perceber como a artista sabe, com leveza e humor, deixar o ambiente metalinguístico: o clipe que ocorre no clipe falando sobre o clipe é produzido. Há um contexto muito bem inserido para as imagens acontecerem, dando o tom de humor, ironia e estética daquilo que regerá todo o universo da música.

    O que eu quero dizer? Que Manu Gavassi e Glória Groove exploram corretamente o que querem de sua parceria e como a querem exibida; o tom delimita o público e acho que elas sabem muito bem que tipo de público acertar visto os (não tão) leves conflitos em grupos de Facebook, Instagram e Twitter sobre suas genialidades ou cafonices.

    No final das contas, até encontramos uma música  no vídeo, narrada imageticamente com todos os elementos de um clipe contemporâneo, enumerados anteriormente pela introdução. Ou seja, a música fica em segundo plano e não é necessariamente o que lembramos quando acaba, mas o fato de lembrarmos de algo, ou que a produção deixa resquícios suficientes para comentarmos em qualquer lugar em seguida, é um bom sinal para a então ex-BBB em busca de seu próprio holofote.




Vítor Ribeiro:

    Tendo visto poucos filmes de herói na vida, posso estar cometendo algum erro no que vou dizer: creio que existe uma grande necessidade de qualquer herói desdobrar sua vida em dois para que se torne funcional. Isso significa que, aquém do sobrenatural ou do absurdo que faz com que o herói seja um indivíduo diferente, é necessário que ele apresente uma vida cotidiana, tenha família, emprego, sentimentos que inclusive influenciem suas aventuras e as direcionem. Esta relação entre normal e absurdo traz consigo diversas finalidades, como a identificação do público ao herói “humano” e marcação do sobrenatural a partir da repetição dos limites do normal.

    Mas o que ocorreria caso o herói fosse apenas um herói? Talvez seja nessa situação difícil em que nos encontremos no clipe de Manu Gavassi. A criação de um alter-ego que se parece excessivamente consigo ou que faz exatamente aquilo que você, por meio dele, está criticando torna difícil a compreensão sobre o alvo da crítica. Digamos, numa primeira hipótese, que a cultura pop seja o alvo, por seus elementos de futilidade ou maleabilidade que são comentados ao longo do clipe: então, o vídeo acaba por criticar e reiterar simultaneamente a mesma coisa, enfim. Mas digamos que se trate de uma autocrítica da cantora, numa segunda hipótese: e então a música – razão de ser do clipe – deixaria de fazer sentido imediatamente, já que reitera uma posição de superioridade moral daquela que enuncia e repete que ninguém deveria dormir sem ela. Não funcionando de ambos os lados, o discurso giraria apenas no vazio.

    (Talvez os heterônimos de Fernando Pessoa, por exemplo – heróis a seu modo – só funcionem tão bem porque tenham um verdadeiro estilo, e por que Pessoa não os tenha tratado como uma piada, mas como seres reais, independentes, vivos. Caso contrário estaríamos diante de algo como o par Edson/Pelé cujo discurso soa como uma paródia de si mesmo, retórica evasiva.)

    Muito além de citação erudita, 1984 de George Orwell parece então bater o martelo sobre as intenções de Manu. O livro, que ao criticar a sociedade de vigilância inspirou um programa que a tematiza e glamouriza (vejam só), é um queridinho tanto da esquerda quanto da direita até os dias atuais. De lado a lado, seu discurso excessivamente genérico encontra fundo em teorias da conspiração, delírios paranoicos e arremedos ao establishment por aqueles que não cansam de dele fazer parte. 1984 é uma crítica sem fundo histórico a “isso que está aí”, não encontrando vazão em absolutamente nada que o norteie. Sua presença é sintomática em Deve ser Horrível…, portanto, mas ao menos com mérito de não ser construído minuciosamente em tons pastéis.

    Sem fundo claro, sem engajamento, o discurso se esvazia, a crítica se estetiza e se fecha em si, o herói perde ou mostra que não tem superpoderes. A não ser que, na verdade, tenha sido uma pessoa normal o tempo todo, mesmo que afirmasse ser um herói. (Toda ironia cansada torna-se apenas cinismo.)



Título original: Deve ser Horrível Dormir sem Mim

Direção: Manu Gavassi

Duração: 10 minutos

Elenco: Manu Gavassi, Glória Groove, Chay Suede, Laura Neiva

Sinopse: Diante do sumiço da estrela de seu clipe, Manu Gavassi, a experiente e renomada diretora Malu Gabatti precisa lidar com o desafio de estrelar o próprio clipe que está a dirigir. Assim, Malu precisa se confrontar com seus anseios, medos e convicções para conseguir submeter-se ao tortuoso mundo da cultura pop, impiedoso em suas imposições. 

Trailer:



O que achou da metacrítica de Manu Gavassi? Entendeu tudo? Deixe nos comentários sua opinião!

Deixe uma resposta