Crítica: Dark – Terceira Temporada (2020, de Jantse Friese e Baran bo Odar)

E por fim, o início do fim, ou o fim do começo. A terceira e última temporada de Dark acaba de ser lançada na Netflix e já figura entre uma das grandes produções do serviço streaming, até mesmo recebendo títulos e honrarias de “a melhor série da década”, ou “a pérola da Netflix”. Pois bem, dado o sucesso e hype das temporadas anteriores, é de se esperar que o tão aguardado encerramento de um dos enredos televisivos mais desafiadores dos últimos tempos tenha tal repercussão.

Antes de tudo, é necessário dizer que Dark não é uma série suave de acompanhar. Também não é complexa ao ponto de precisar de um tutorial (mentira, precisa sim). O confuso do enredo está nas inúmeras e constantes repetições em looping de determinadas situações, outras inúmeras linhas temporais que nessa temporada também ganham novas versões de outra dimensão, mas aqui digo que a quantidade de nomes (em alemão), rostos e na necessidade de colocá-los todos em uma concatenação genealógica é onde mora a maior dificuldade. Geralmente, enredos de viagem no tempo são centralizados em uma pessoa apenas, ou no máximo um grupo restrito de pessoas, cercando os nós e ramificações dos possíveis paradoxos temporais dentro de segmentos acompanháveis.
Já  Dark, coloca quatro famílias inteiras, e suas gerações, dentro dos paradoxos, e paulatinamente vai inserindo mais personagens de outros tempos, outros espaços. Quando a gama de personagens já parecia um desafio de se acompanhar, a série vai criando relações paradoxais de ascendência e descendência entre todos os, eu repito, todos os personagens vivos ou mortos.

Isso gera algumas dificuldades, não é raro assistir o seriado com uma colinha de quem é quem nas 5 linhas temporais existentes, para não se perder em meio ao mar de rostos e nomes. Mas é aqui que o núcleo criativo de Dark faz jus aos títulos e elogios que a série vem recebendo, pois os showrunners conseguem gerir todos esses elementos e de uma forma coesa, assim como encerrar tais elementos de forma coesa e satisfatória. 

O gênero de “viagens temporais” é recheado de conflitos não propositais, erros não planejados que retiram toda a sequência lógica da história. Não digo somente as produções de menor escalão, que não necessariamente deram uma atenção imensa aos efeitos de espaço tempo na linearidade dos acontecimentos quando uma ação que seja é mudada no passado/presente/futuro. Grandes nomes do gênero caem em falhas desse tipo, e nem por isso deixam de ser grandiosos.


Baran bo Odar e Jantse Friese, nesse ponto, são quase mutantes de quadrinhos. Como showrunners, e consequentemente cabeças da equipe de roteiristas da série, é de se espantar o domínio que possuem sobre o roteiro. Temos a todo momento a prova de que eles sabem o que estão fazendo, sabem os caminhos e destinos de todos os personagens com uma clareza espantosa, mesmo ainda que nós, os telespectadores, estejamos simplesmente perdidos no enredo. Quando achamos que a coisa está desandando, eles provam que tudo não passava, mais uma vez, de um planejamento a longo prazo. Maior prova disso é a forma como todos os pontos da série, todos os loopings e paradoxos, são dispostos e sequenciados em uma forma organizada e concatenada no plot twist final. 

Por isso, Dark é uma série muito acima da média na junção incrível de planejamento e desenvolvimento de roteiro. Temos a sensação de que a produção segue um caminho pré-estipulado antes da primeira temporada, sem aqueles famosos, e decepcionantes, desvios de um ano pra outro; ainda mais com a curta duração, que se mostra na medida cirúrgica de o que era necessário para contar na história. Ouso a dizer que não vejo uma série tão bem estruturada desde Breaking Bad.

É perceptível que Friese e Odar sabem da complexidade do que estão fazendo e trabalhando, então sempre buscam maneiras, mesmo que singelas, de possibilitar a diferenciação dos personagens em suas mais diferentes versões; através de uma cicatriz, um membro perdido, estilos de cabelo, vestimentas, ou mesmo o já meme “estado de necessitar banho” de Jonas. Somado a isso, são mais do que recorrentes os momentos em que os personagens literalmente param para explicar o que está acontecendo (ou mesmo a narração voice over, que inicia e termina os episódios, parando para explicar algo enquanto imagens vão passando e se conectando com o discurso). Isso é um famoso recurso, carinhosamente apelidado na internet de “palestrinha”, massivamente utilizado em diversas obras, não somente do gênero de ficção científica. Em muitos casos, talvez a maioria, não há necessidade, às vezes até beira a ser um insulto à capacidade intelectual do telespectador (eu mesmo não sou muito fã). É preferível, em alguns casos, que aqueles que assistem devam fazer suas próprias conexões entre as imagens, suas próprias interpretações.

Porém, como toda a fama da série já deixa claro, Dark é uma aventura de entendimento, e na necessidade de cativar o público por mais de uma temporada e ainda deixá-lo na expectativa por respostas por mais de um ano, a série até possui a licença poética de usufruir de tais “momentos palestrinha”. Digo mais, não só são úteis como são necessários. Pois devo dizer que mesmo aquele resumo que a Netflix disponibiliza de uma temporada para outra não é o suficiente para contextualizar corretamente a temporada seguinte. Ou seja, só Dark é capaz de explicar Dark de forma correta.

O acompanhamento de atuação é condizente com a necessidade do roteiro. O elenco não necessariamente dá um show de atuação, o que em alguns momentos até não deixa elevar a empatia para com os personagens. 

Talvez seja um problema que nos empurre diretamente de volta ao roteiro, que na preocupação de tecer uma estrutura espaço temporal fidedigna e verossímil, acabe por deixar de lado a construção de diálogos. Talvez ainda o problema esteja na forma como percebemos a atuação alemã. Há diferentes formas de captar o drama, isso pode variar de cada país, de cada região, continente e afins. Nesse sentido, da mesma forma que algumas atuações podem ser naturalmente “exageradas” (o que não é o sinônimo de ruim), as atuações presentes em Dark podem ser naturalmente secas, mais sérias (o que também não é sinônimo de ruim).


O que de fato é ruim dentro da temporada final é o excesso de diálogos repetitivos. A dualidade maniqueísta dente Adam e Eva é uma boa girada no enredo, mas fica relativamente cansativo a recorrente exposição de como um é o lado oposto do outro, ou como um é a luz, e o outro as trevas; um é o bem, o outro é o mal; um quer salvar os mundos, o outro quer destruir… Enfim, alguns momentos é até possível de completar a fala do personagem quando estão falando sobre Adam e Eva.

O reflexo de todas essas questões estruturais aqui apontadas, tanto da temporada final, tanto das duas anteriores, serve como reflexo de como, novamente, é uma produção coesa. A gama de pontos aqui levantada é praticamente a mesma para todas as temporadas. O que resulta em um final incrível, que com habilidade e maestria consegue unir todas as pontas da história e encerrá-las de forma satisfatória. Não há o que reclamar do final, é inegavelmente bom.

Dark encerra sua trajetória com a certeza de que é uma das melhores produções da Netflix. Um respiro de qualidade dentre as recentes, trágicas e pífias produções da empresa. Termina de uma forma incrível, tão boa como a forma que se desenvolveu, tão boa quanto a forma que começou.
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Título Original: Dark



Direção: Jantse Friese e Baran bo Odar


Episódios: 8


Duração: 60 minutos


Elenco:
Louis Hofmann, Lisa Vicari, Karoline Eichhorn, Julika Jenkins e Oliver Masucci.

Sinopse: É 27 de junho de 2020 e o apocalipse está acontecendo. Uma Martha recém-materializada na casa de Jonas leva-o para
o ano de 2019, um mundo estranho e ao
mesmo tempo familiar: é a cidade de Winden, ainda em choque com o
desaparecimento de um jovem chamado Erik Obendorf.

TRAILER:

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