Quem Você Seria em Quero Ser John Malkovich? (1999, de Spike Jonze)

O texto a seguir contém spoilers


Lançado em 1999, Quero Ser John Malkovich foi o primeiro filme da carreira do talentoso Spike Jonze, que futuramente nos entregaria Adaptação e o sensacional Ela. Aqui, Jonze e o roteirista Charlie Kaufman (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças) entregam o que fazem de melhor, narrar uma elaborada e complexa trama, com críticas ao comportamento humano. 



Na trama, um homem recém contratado num excêntrico emprego, encontra uma passagem secreta para dentro da mente do ator John Malkovich (sim, é ele mesmo). Quem entra por este “caminho” pode, portanto, viver na pele do ator por 15 minutos. 





Mesclando drama, ficção científica, comédia, suspense e até romance, o roteiro de Kaufman foge das conveniências narrativas desses gêneros. Todos eles coexistem ao mesmo tempo, de forma que alguns clichês típicos são desfragmentados em prol do frescor da trama. Personagens cínicas que poderiam facilmente cair nos trejeitos de vilões, são humanizadas diante a bizarra situação, enquanto que o protagonista – um típico sujeito fracassado que deseja dar a volta por cima na vida – na verdade toma atitudes incorretas. Assim, os personagens são brilhantemente trabalhados como ambíguos, indo bem além do batido “bem vs o mal”. 


Apesar do baixo orçamento, isso em nada atrapalha a experiência do longa, pois Spike Jonze mantém o total controle de sua obra. Sua direção segura do caminho que quer cruzar, aliada ao roteiro original de Kaufman, garantem que a estranheza presente no filme inteiro te mantenha atento, tentando decifrar o que vem a seguir. A direção de arte e fotografia são simples, mas boas o suficientes para a construção de uma atmosfera que passa a tal estranheza, mesmo que no nosso “mundo real”. 





Os geralmente fracos (pelo menos hoje em dia) John Cusack e Cameron Diaz entregam papéis eficientes, enquanto que Catherine Keener brilha na sua coadjuvante, assim como o sempre sensacional John Malkovich, claro. Ainda temos boas e hilárias participações de Charlie Sheen, Sean Penn, Dustin Hoffman, Brad Pitt, Winona Ryder, David Fincher, o próprio Spike Jonze e Octavia Spencer; alguns deles interpretando a si mesmos. Assim, o filme exerce uma metalinguagem em cima de si mesmo e da indústria de Hollywood. Tais características foram repetidas no filme seguinte do diretor, Adaptação, que funciona como uma espécie de spin-off desse aqui. 





Além das sarcásticas críticas sociais sobre como a sociedade forma o “eu”, o longa também adota uma postura filosófica. Vivemos em um mundo onde somos criados pela sociedade para ocupar-nos de determinadas posições, posturas, empregos, ter família, filhos, dinheiro, etc. A busca por isso torna-se algo robótica e muitas vezes sem sentido. Isso é agravado para aqueles que pensam “fora da caixinha” e não se adequam ao que a sociedade naturalmente prega. Mas pior ainda é aqueles que não conseguem alcançar tais objetivos, como ter filhos e muito dinheiro. Tais pessoas sentem a pressão de serem “mais”, de certa forma, “alguém melhor”, quando comparadas com pessoas bem-sucedidas. 





Quero Ser John Malkovich explora essa busca cega e robotizada de tentar ser alguém “bem-sucedido”. Vai além de ter inveja, é muito mais complexo do que isso. Envolve não conseguir enxergar as boas coisas que se tem, como alguém do seu lado ou um talento artístico, pois você está sendo levado pelas conveniências da sociedade de que você pode mais, assim como “tal pessoa famosa”. O “eu” já não é o bastante, já que você passa a querer ser o “outro”, algo que não é cabível na teoria, já que cada ser tem sua própria carga e história; mas que novamente, a sociedade teima em querer padronizar e fazer comparações. 


Cabe aqui tecer um paralelo com a profissão do personagem de John Cusack, que é ventríloquo. Ele tem um dom nato para isso, mas não tem sucesso comercial. Ao ver a chance de ser ventríloquo de pessoas reais e experimentar o sucesso, é interessante notar como o próprio torna-se um “boneco” controlado por outros e pelas circunstâncias, ou seja, torna-se mais uma vítima do ventriloquismo da vida padronizada e preestabelecida por outros que ditam as regras. Em contraponto, sua esposa (Cameron Diaz) outrora deixada de lado, encontra nessa jornada sua libertação, se descobrindo e se livrando de amarras.





Se você pudesse ser outra pessoa e experimentar o sucesso e os prazeres dela, nem que seja por 15 minutos, quem você seria? Você, caro leitor que ama cinema e é fã de alguns artistas, quem você escolheria ser? Quem seria você em Quero Ser John Malkovich? Quem você é na vida? Alguém que se contenta consigo mesmo e aquilo de bom e ruim que tem? Ou deixa a sociedade te impor a sempre ter mais, ser mais, explorar mais e se perder de si mesmo cada vez mais? Porquê na busca do outro e do que não é seu, você perde-se de si mesmo e perde aquilo que conquistou até então. 


Quero Ser John Malkovich é um excelente exercício de crítica social, com uma ideia original e atual. Um filme altamente recomendado, mas fica aqui uma nota: eu não sou John Malkovich, tampouco poderia sê-lo. Sou aquele cinéfilo que carinhosamente vos escreve esta crítica. E você, quem realmente é? 

Título Original: Being John Malkovich

Direção: Spike Jonze

Duração: 112 minutos

Elenco: John Cusack, Cameron Diaz, John Malkovich, Catherine Keener, Mary Kay Place, Orson Bean, Charlie Sheen, Sean Penn, Dustin Hoffman, Brad Pitt, Winona Ryder, David Fincher, Spike Jonze, Octavia Spencer.

Sinopse: Um homem (John Cusack) consegue um novo emprego no 7º e meio andar de um edifício comercial, onde todos os funcionários devem andar curvados. Lá encontra uma porta, escondida, que leva quem ultrapassá-la até a mente do ator John Malkovich, onde pode permanecer durante 15 minutos, até ser cuspido numa estrada na saída de Nova Jersey. Impressionado com a descoberta, resolve alugar a passagem para outras pessoas, dentre elas o próprio John Malkovich.

Trailer:


Já assistiu a esse filme genial? O que achou? Quem você é ou gostaria de ser?

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