Crítica: A Câmera de Claire (2017, de Hong Sang-soo)

Hong Sang-soo e seu olhar curioso sobre a câmera como dispositivo de transformação do real.

A filmografia de Hong Sang-soo lida, comumente, com personagens diante da angústia de perceber a própria existência e associar isto com o sentido – ou a falta dele. Filmes como O Dia Depois (2017) ou O Hotel Às Margens do Rio (2018) trabalham com essa ideia em sua composição, seja na utilização do preto e branco, que reforça a melancolia, e dos planos estáticos e intrusos, ou seja no próprio texto que desenha o discurso de maneira bem explícita. Saindo um pouco dessa linha, A Câmera de Claire, filmado por Sang-soo enquanto participava do Festival de Cannes, destoa do terreno habitual do diretor nas imagens e na forma de expressar o texto, agora de maneira muito mais sutil.
Explorando a relação entre duas mulheres que, ocasionalmente, encontram-se participando do Festival, o filme se utiliza de uma leveza quase desconexa para compor um ágil olhar sobre a câmera enquanto dispositivo e seus desdobramentos. Isso se evidencia na personagem de Claire – e aqui o título não cria muitas possibilidades outras -, interpretada por Isabelle Huppert, uma professora parisiense que gosta de registrar o ambiente ao seu redor com a câmera. Perfilando pelas ruas de Cannes, ela fotografa, captura o momento das pessoas que conhece e, como afirma a própria personagem, modifica seu ser. A câmera surge como elemento de transformação do real em imagem e, simultaneamente, de eternização do presente. O que é reforçado pela personagem de Kim Min-hee, a recém-demitida produtora Manhee, que após ser dispensada sem uma explicação evidente, vaga desprovida de sentido até encontrar Claire.


Sang-soo filma, como de costume, através de planos pouco interativos, que se preocupam mais em observar e capturar o momento do que, de certa forma, desenhar um virtuosismo técnico. O real aqui está expresso na própria interpretação e a câmera serve como elemento de captação e transformação. Essa composição entra totalmente em consonância com a ideia do dispositivo-câmera metamorfoseado em Claire. É como se o autor estivesse mais interessado em perceber como este instrumento opera de maneira a externalizar o sentimento do que jogar um olhar sobre a plasticidade da imagem em si. A imagem reflete o real e isto, para o longa, é o discurso do cinema.

Há problemas, porém, na maneira desconexa de lidar com as partes. Não necessariamente no sentido de uma linearidade ou verossimilhança dos fatos, mas sim na confluência da expressividade das cenas em si. A leveza no trato com a imagem – algo que se reflete pela luz e o clima de Cannes, ou mesmo pelas interpretações sutis das atrizes, que não externalizam os sentimentos – por vezes se extrapola e distancia o espectador de uma possibilidade de relação emocional com o material. A identificação se poda quase na raiz e a distância é tão grande que dificulta o diálogo com a obra.


Parte disso tudo se dá na proposta de um “filme de atrizes”. Huppert e Min-hee são o núcleo estético e discursivo do filme e toda a encenação converge em seus corpos, suas silhuetas e sua dramaticidade. Mas há uma contradição nesta ideia e na montagem do filme – não falo, particularmente, da edição. Se Sang-soo interpreta a câmera como dispositivo de potencialização do real, de deslocamento simbólico, de externalização emocional do indivíduo, isso tampouco se reflete em seu próprio jogo cênico. Soa um pouco paradoxal, porém é isso mesmo: o sucesso na própria reflexão de seu próprio filmar e a falência na transmissão da ideia de forma coesa. Ainda assim, um filme que tem algo a ser extraído e que suscita boas discussões.


Título Original: Lá caméra de Claire

Direção: Hong Sang-soo

Duração: 69 minutos

Elenco: Isabelle Huppert, Kim Min-hee, Chang Mi-hee, Jung Jin-young

Sinopse: Manhee (Kim Min-hee) é agente de filmes e foi demitida por sua chefe sem explicações. Claire (Isabelle Huppert) é uma professora de música apaixonada por eternizar momentos com sua polaroid. As duas se encontram por acaso durante o Festival de Cannes e desenvolvem uma amizade quase instantânea. Através das fotografias de Claire, pequenos detalhes sobre a vida de ambas começam a ser revelados.
Trailer:

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