Awkwafina is Nora from Queens e a evolução da representatividade televisiva


A televisão é uma plataforma essencial quando se trata de discussões relevantes ao meio social e a naturalização de certos tópicos. É muitas vezes através dos conteúdos televisivos que o imaginário social sobre determinadas questões é construído na esfera coletiva levando à casa do público discussões importantes e os fazendo refletir sobre as mesmas. E nos últimos anos é possível perceber uma evolução em como os programas de TV americanos têm abordado certos tópicos, de forma mais crítica e questionadora. Mas especialmente, podemos notar que houve uma normalização na abordagem de vários temas que até então se encaixavam na ideia de tabu. A nova série do canal Comedy Central, Awkwafina is Nora from Queens, é um exemplo perfeito dessa transformação no ambiente midiático, representando como é importante normalizar vivências que fogem da norma hegemônica. 




A comédia acompanha a vida de Nora, uma jovem sino-americana de 27 anos, vivendo os infortúnios do desemprego e tentando descobrir para que tem vocação enquanto lida com sua vó e seu pai. A série não é necessariamente revolucionária, mas ela apresenta situações dentro do cotidiano da personagem como sua sexualidade e sua herança cultural chinesa sem criar todo um alvoroço em cima dessas questões; são apenas informações que agregam ao conhecimento do público sobre a personagem como o fato de ela morar em Nova York e ter um primo chamado Edmund. Essas características que compõe grupos periféricos não necessitam contexto da mesma maneira que séries sobre pessoas heterossexuais brancas não se preocupam em esclarecer esse traços de seus personagens. A série pode escolher criar um enredo ao redor desses tópicos, mas eles não precisam de explicações, apenas compõe quem a personagem é. 


Mas muito antes que a série dirigida por Natasha Lyonne pudesse normalizar várias situações ainda consideradas tabus, a HBO lançava, no final dos anos 90, uma comédia que para a época foi extremamente pertinente por abordar com naturalidade a sexualidade feminina e afirmar que mulheres, assim como os homens, são sujeitos sexuais que apreciam os prazeres do sexo. Sex and the City se afirmou como relevante ao explorar, em especial através da personagem Samantha, o olhar feminino sobre sexo. A comédia naturalizou várias questões como o orgasmo feminino e bissexualidade, além de falar mais abertamente sobre tópicos feministas. 


Claro que a série não contemplava todas as mulheres já que seu elenco era composto por quatro mulheres brancas de classe média alta, então as questões referentes ao contexto feminino eram bem específicas a elas, mas independentemente disso a série expandiu o caminho para que outras séries protagonizadas por mulheres pudessem falar mais abertamente sobre essas temáticas. Então, embora Sex and the City esteja longe de ser uma marco na representação feminina, a comédia foi importante para mostrar que narrativas sobre mulheres são relevantes ao público e não deveriam ser tachadas apenas como sendo de nicho.




Anos depois, séries como Orange is the New Black, Broad City, Chewing Gum, Better Things e Insecure expandiriam ainda mais essas narrativas, aprofundando-se em questões sociais mais relevantes e trazendo vivências de mulheres mais plurais. Essas séries mais atuais fazem um recorte mais amplo e abordam experiências além da norma branca e heteronormativa. É inegável que a nova comédia estrelada por Awkwafina é um reflexo dessas séries que a antecederam, trazendo em si um humor nonsense mas que não deixa de ser menos crítico por isso. Enquanto vinte anos atrás as escolhas narrativas de séries como Sex and the City eram consideradas audaciosas e precisavam de um certo didatismo em sua abordagem, hoje já estão banalizados e séries como Awkwafina is Nora from Queens não se prendem a regras narrativas para “amaciar” o conteúdo para o público. 


Personagens como Samantha Jones foram importantes por representarem mulheres sexuais de uma maneira não pejorativa, mas mesmo assim a personagem interpretada por Kim Catrall era rodeada por um certo estigma, especialmente se contrastada com suas amigas, sendo sempre caracterizada como uma “devoradora de homens”. Enquanto que em séries mais atuais como Broad City e Girls, mulheres que gostam de sexo não são mais representadas através desse olhar caricato; elas são apenas isso: mulheres que gostam de sexo. Então quando em AINFQ a personagem título pega todo seu acervo de brinquedos sexuais para se masturbar, não existe julgamento sobre o ato. O desejo sexual de Nora é normalizado. O fato da personagem ter uma vida sexual ativa nem sequer configura um enredo, é apenas mais informação sobre a protagonista como o fato dela ser motorista de aplicativo e morar com o pai e avó. Não existe tabu ali.




Um outro ponto importante é a representação de mulheres racializadas. Mulheres brancas são representadas na mídia desde sempre. Claro que muitas dessas representações eram através do olhar masculino que reproduziam uma imagem machista da vivência feminina. Mas como essa representação acontece desde os primórdios da televisão, houve tempo para que a construção da imagem da mulher branca pudesse ser contextualizada e suas pautas entrassem em narrativas mainstream como nas comédias I Love LucyThe Mary Tyler Moore Show e  As Supergatas


Enquanto isso poucas séries davam, de fato, espaço para mulheres não-brancas. Mulheres negras nunca eram protagonistas, e quando eram representadas geralmente eram esposas ou mães, e nunca tinham um enredo próprio. Mulheres asiáticas eram menos representadas ainda, quase nunca tendo papéis relevantes em série alguma, que dirá ser protagonista. Por isso uma série como Awkwafina is Nora from Queens que traz a vivência de uma mulher asiática mostrando o contexto cultural em que ela e sua família estão inseridos é muito importante, pois auxilia a desconstruir estereótipos negativos e racistas sobre pessoas asiáticas, algo que recentemente se mostrou ainda muito presente no imaginário coletivo.


AINFQ não é uma série revolucionária e isso é ótimo, pois ela não precisa ser. Criou-se a ideia de que séries com narrativas que fogem do padrão branco e heteronormativo precisam ser espetaculares e inovadoras para serem consideradas relevantes, enquanto que outras produções não são avaliadas a partir da mesma lógica, então é importante reconsiderar como julgamos determinadas obras audiovisuais. A comédia do Comedy Central apenas cumpre sua proposta de ser uma comédia divertida sobre os males dos 20 e poucos anos, e mostra ao público todo talento que Awkwafina tem pra oferecer.


Título Original: Awkwafina is Nora From Queens


Direção: Natasha Lyonne e outros 

Episódios: 10

Duração: 23 minutos aprox.

Elenco: Awkwafina, Lori Tan Chinn e BD Wong

Sinopse: A série acompanha Nora, uma jovem moradora de Nova Iorque tentando fazer o melhor com o que a vida a oferece.

Trailer:



Não percam essa ótima comédia estrelada por Awkwafina!

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