Crítica: Marianne (2019, de Samuel Bodin)



O que você faria se descobrisse que a bruxa com a qual você tem pesadelos há mais de quinze anos, tendo te atormentado menos quando começou a escrever sobre ela, é mais real do que você imagina? É essa a premissa apresentada em Marianne, a mais nova série original da Netflix



Levando em conta que o terror lida com nossos medos mais intrínsecos, – sendo o do desconhecido o maior de todos – o gênero apresenta uma necessidade contínua de ser repensado, refinado e atualizado. A famosa técnica do jump scare, amplamente utilizada nos filmes de horror, quando bem colocada, funciona bem em um primeiro momento; no entanto, é impossível continuar obtendo as mesmas reações ao longo da narrativa. O mesmo é passível de acontecer com qualquer outro recurso em excesso, e o risco do esgotamento da credibilidade e envolvimento do público com a história se torna ainda maior em uma série que se propõe a trabalhar o terror. A exigência do espectador é maior do que com um longametragem, por exemplo.


Samuel Bodin, diretor da série, parece perceber essa necessidade de conquistar o público desde o primeiro instante, com a sequência inicial intrigando e dando o tom da história logo de cara. É possível perceber um ambiente muito escuro, denso, com diversos livros da autora Emma Larsimon nas estantes bagunçadas, uma entrevista de rádio ao fundo com a autora contando sobre o fim de sua saga e nos dando a informação de que já escreve sobre a personagem há 10 anos. Nesse momento entra em cena a amiga de infância de Emma, Caroline (Aurore Broutin), em estado deplorável, quase doentio, e claramente perturbada procurando a mãe (Mireille Herbstmeyer) que … surpresa: parece uma clara encarnação de tudo que imaginamos da amedrontadora Marianne, com direito a olhares macabros, sorrisos perturbadores e atitudes de gelar o sangue dos espectadores mais sensíveis! E o corvo na gaiola só completa a atmosfera, com sua figura tão conhecida por sua representação de mau presságio.


É preciso concordar aqui com a crítica Laísa Trojaike quando diz que Mireille é o grande trunfo da série, sendo assustadora apenas com sua atuação – sem precisar do respaldo de trilha sonora, jump scares ou efeitos. O terror, a atmosfera gélida e perturbadora estão contidas em seus olhos e sorriso deformado – lembrando Bill Skarsgård em sua versão do palhaço Pennywise.


Marianne faz alusão, inclusive, a diversos clássicos do gênero como O Bebê de Rosemary, Invocação do Mal, A Freira, O Exorcista e filmes de horror japonês. Até a animação A Viagem de Chihiro parece ter sido reverenciada, na forma final que Marianne toma – apesar de o efeito não ter agradado muito por pecar na qualidade. Trata-se aqui de uma bruxa que precisa encontrar um corpo para habitar e que parece determinada a não deixar Emma se esquecer dela tão cedo; e apesar de a figura da bruxa ter sido amplamente explorada, a série consegue inovar no modo de tratar o tema. O clima de mistério sobre o porquê Emma se recusa tão veementemente a voltar à sua cidade natal, o que houve anos atrás, quais as intenções de Marianne e como detê-la prendem a atenção quase como um verdadeiro feitiço.



A ambientação escolhida não poderia ser mais perfeita, bem como a direção de fotografia que coroa o trabalho da direção artística tão perfeitamente que cada frame poderia ser emoldurado como um quadro, de tão impecável. O maior erro da produção foi reduzir a presença de atuações marcantes como a de Mireille e a intérprete de Camile, Lucie Boujenah, ao longo da trama, bem como contar apenas com Emma como protagonista – que não conseguiu bancar os oito episódios sozinha e poderia ter se saído melhor dividindo o protagonismo com os amigos.


De modo geral, a série surpreende com seu terror psicológico, tentando galgar espaço no gosto do público que ainda apresenta resistência em enxergar no terror justamente aquilo que lhe é mais intrínseco: a possibilidade de expurgar nossos medos mais profundos e demônios internos, enfrentar o desconhecido e levantar questionamento a respeito de coisas básicas – como o último filme de Jordan Peele, Nós, com sua crítica tão lindamente construída e, ainda sim, ignorado pelo Oscar, provando o preconceito ainda existente de levar o terror a sério. 



Título Original: Marianne


Direção: Samuel Bodin


Episódios: 8


Duração: 50 minutos por episódio


Elenco: Victoire Du Bois, Lucie Boujenah, Tiphaine Daviot, Alban Lenoir, Mehdi Meskar, Ralph Amoussou, Pierre Aussedat, Patrick d’Assumçao, Bellamine Abdelmalek, Corine Valancogne, Aurore Broutin e Mireille Herbstmeyer


Sinopse: Emma (Victoire Du Bois) é uma escritora atormentada desde sua adolescênciapor pesadelos com uma bruxa chamada Marianne . A autora então decide usar seus livros como tentativa de manter a criatura maligna longe, mas percebe que os personagens estão ganhando vida, sendo obrigada a voltar para casa e descobrir o motivo.



Trailer:
E vocês, o que acharam da nova aposta da Netflix? Alguém ansiosa para uma segunda temporada? Compartilha com a gente 😉

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