Crítica: A Despedida (2019, de Lulu Wang)

Conflitos entre gerações,
culturas e tradição familiar sempre geraram o que falar em todos os aspectos
artísticos porque, no fim das contas, é nossa relação com quem nos cerca que
define nossa posição no mundo, individual e coletivamente. Tal debate faz de A
Despedida
um dos filmes mais interessantes de 2019, pois, numa
contemporaneidade globalizada, os embates culturais ficam cada vez mais densos,
ferozes ou, como no caso aqui citado, delicados e complexos.


No filme dirigido e
roteirizado por Lulu Wang, essa discussão é apenas um dos diversos assuntos
trabalhados durante a película. A trama, afinal, acompanha a aspirante a
escritora Billi (
Awkwafina), uma jovem sino-americana que recebe o diagnóstico de que
sua avó, Nai Nai (
Zhao Shuzhen), é portadora de câncer, sendo sempre uma pessoa muito
próxima a ela, apesar de morarem em continentes diferentes. Não bastando viver
um luto antecipado, a família de Billi decide não contar a Nai Nai sobre seu
estado terminal, como é de praxe na China. Billi então precisa lidar com a dor
da perda e o fardo emocional de carregar a responsabilidade de saber o destino
final de sua amada avó, sendo pressionada pela família a sustentar essa mentira.


O longa é rodeado de
interpretações singelas, balanceando bem um drama com toque de comédia, que
nunca chega a ser hilário, mas também não cai num melodrama forçado. Pelo
contrário, 
Awkwafina aqui está completamente honesta. A atriz, que atuou em Podres de Ricos (2018, de Jon M. Chu), comédia
que também trabalha conflito geracional e diferenças de cultura, constrói sua
personagem a partir de gestos sutis, que eclodem num belíssimo monólogo. Uma
indicação ao Oscar seria mais que merecida.


Não obstante, temos também Nai
Nai, interpretada pela graciosa
Zhao
Shuzhen,
à
qual ingenuidade facilmente nos apegamos, fazendo-nos entender tamanho apreço
de Billi pela ente. O restante do elenco, apesar de bem composto, segue sendo
subaproveitado em diversas sequências. O mais importante, claro, são as duas
figuras principais, que estão brilhantes e comoventes. No entanto adoraria
entender um pouco mais das personagens de Diana Lin e Li Xiang. Destaco, em
contrapartida, a adorável Aoi Mizuhara; ainda que praticamente não tenha falas, a
atriz consegue entregar uma atuação cativante para
sua Aiko, apesar de apagada.


Não
só as atuações, como também o roteiro exerce a função de dialogar sobre
assuntos complexos e, ao mesmo tempo, ser uma jornada divertida, mas também um
tanto dolorosa. Esse enfoque especial sustenta grande parte de todo o enredo,
mas que, em alguns pontos, esgota-se por si só, sendo autocontido a ponto de
talvez, ter deixado algumas coisas, como o fato de Billie ser escritora, de
fora, questão que poderia muito bem dialogar melhor com a ancestralidade com a
qual o longa se baseia. E sendo assim, talvez não seja necessariamente um
defeito, e sim um filme propositalmente enxuto. Em todo caso, funciona em sua
grande parte.


Vale
ressaltar também que algumas das situações implicadas pelo roteiro poderiam
facilmente parecer piegas, não fosse pela direção de Wang. A diretora e
roteirista sabe quando e como conduzir tais situações de modo sincero e delicado.
Além disso, a atmosfera criada pela fotografia e direção de arte também contribuem
para isso, mostrando-nos a China e seus costumes, culinária e arquitetura.


A
Despedida
é sobre respeitar o passado e, ao mesmo tempo, saber dizer adeus. É
sobre perda e legado, país e origem, orgulho e responsabilidade. É sobre pensar
em alguém a ponto de mentir para o seu próprio bem. Em tempos de se unir apesar
das diferenças, essa pérola do cinema independente nos revela que, acima de
tudo, quem esteve do seu lado a vida toda, é quem merece estar até o final.




Título Original: The Farewell

Direção: Lulu Wang

Duração: 98 minutos

Elenco: Awkwafina, Tzi Ma, Diana Lin, Zhao Shuzhen, Lu Hong, Jiang Yongbo, Gil Perez-Abraham, Ines Laimins, Jim Liu, X Mayo, Aoi Mizuhara, Han Chen

Sinopse: Quando a família de uma doce senhora descobre que ela possui apenas mais algumas semanas de vida, eles decidem não informá-la a respeito do diagnóstico. Em vez disso, seus filhos e netos tentam arranjar um casamento de última hora para que todos os parentes mais distantes possam vê-la por uma última vez sem que ninguém saiba o que está acontecendo de verdade.

Trailer:

Gostou do post? Comenta, curte e compartilhe!

Deixe uma resposta