Entenda a polêmica: Polanski e o Festival de Veneza

Não é de hoje que Roman Polanski vem causando polêmicas, para dizer o mínimo. Há 40 anos o diretor foi indiciado em Los Angeles, nos Estados Unidos, por estupro com uso de drogas, perversão e sodomia com uma garota de 13 anos. Após passar quarenta e dois dias na cadeia, Polanski foi solto por “comportamento exemplar” — um tanto questionável o conceito de “exemplar” do responsável por sua soltura. Algumas horas antes de ser sentenciado, o diretor fugiu para a França onde reside até hoje, evitando países que possam deportá-lo aos Estados Unidos. 




Mas a história de Polanski com estupros não acaba por aí. Em 2017 a polícia suíça passou a investigar o cineasta por nova acusação de violência sexual. A ex-atriz Renate Langer conta ter sido abusada por Polanski aos 15 anos em sua própria casa. E ela já é a quinta mulher que vem a público contar sobre agressões sexuais cometidas pelo diretor. 

Em 2010, a atriz britânica Charlotte Lewis declarou que Polanski a obrigou a manter relações sexuais com ele, quando esta tinha apenas 16 anos; em 2016 uma moça que preferiu não se identificar relatou agressões sexuais por parte do francês quando ela tinha, também, apenas 16 anos; e a artista Marianne Bernard, em 2017, denunciou Polanski por molestá-la aos 10 anos de idade, o que lhe causa claustrofobia e estresse pós-traumático até hoje, aos 54 anos. É de se espantar, portanto, pensar que esse mesmo homem que estuprou cinco garotas menores de idade, seja pai de uma menina. E mais, que seja amplamente defendido por fãs que defendem “saber separar o homem do diretor”. Mas até que ponto essa separação é possível?

O diretor, que definiu a si próprio como um “gnomo devasso e maligno”, em suas memórias publicadas, já se referiu, inclusive, ao movimento #MeToo contra assédio sexual como “histeria coletiva” e “tudo hipocrisia”. Ademais, deixando um pouco de lado os famosos Bebê de Rosemary e O Pianista, filmes como Repulsa ao Sexo — que retrata uma mulher reprimida sexualmente e com alucinações a despeito de estupros e outras agressões. Sua versão feminina talvez? — ou Lua de Fel — sua parceria mais famosa com a atual esposa, Emmanuelle Seigner, que interpreta uma mulher que sofre constante humilhação do amante abusivo — colocam a mulher em um papel muito complicado. 


Não foi surpresa, portanto, que o diretor fosse expulso da Academia do Oscar, em 2018. Apesar de muitos defenderem uma separação entre obra e autor, fechar os olhos para os feitos dele ao analisar a obra não é só uma nova agressão às vítimas e uma espécie de corroboração do estupro, mas ignorar todo um contexto que permeia a criação dos filmes. Por que homens como Kevin Spacey foram punidos e homens como Polanski ficam, de certo modo, impunes?  De repente assediar homens é errado, mas mulheres tudo bem, por serem objetos de desejo sexual masculino? Seriam as mulheres “menos seres humanos” do que os homens? Qual é a mensagem que passamos ao condenar os atos de Spacey e tentar justificar Polanski?


E mais, por que um filme como Coringa, que contesta o modo como a sociedade marginaliza, agride e invisibiliza uma maioria da população é alvo de tantas críticas, controvérsias e ataques, enquanto no mesmo festival é passado um filme de um estuprador foragido e nenhum questionamento é feito? Quando a presidente do júri do festival e diretora argentina, Lucrecia Martel reconheceu estar incomodada com a presença do cineasta e afirmou que “não assistirei à pré-estreia de Polanski, porque represento muitas mulheres que lutam na Argentina por questões como essa. Não quero me levantar e aplaudir”, onde estavam os comentaristas de Facebook que polemizavam com Coringa? Serem questionados sobre suas opiniões políticas que vitimizam grande parcela da população incomoda, mas aparentemente atos como os de Polanski são facilmente esquecidos.


A solução encontrada foi o diretor franco-polonês não comparecer ao festival e nem dar entrevistas a respeito, contando com a presença apenas de atores e membros da equipe. O filme foi ovacionado e recebeu o Leão de Prata, perdendo o prêmio principal da noite apenas para o Coringa, de Todd Phillips. Durante a coletiva de imprensa, um dos produtores de An Officer and a Spy, Luca Barbareschi, se posicionou dizendo que “este não é um tribunal moral, mas uma maravilhosa exibição de cinema que aprimora a arte livre”, ao que a mulher de Polanski ratificou dizendo que o marido sofre perseguição; “basta ver o que sua vida tem sido até hoje”. Realmente, quarenta e dois dias na cadeia por cinco estupros a menores, incluindo o uso de drogas, a pedofilia e sodomia, três casamentos, três filhos, carreira sem maiores danos e um Oscar — mesmo em meio a todas essas graves acusações, das quais algumas ele mesmo confirma, e com concorrentes de peso como Martin Scorsese e Pedro Almodóvar. Coitado, não é mesmo? 

E você, o que acha da participação de Polanski no Festival? Deixa aqui embaixo nos comentários 😶






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