Análise (com spoilers): Coringa (de Todd Philips, 2019) – Parte 2

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Confira a nossa primeira do nosso especial!!!

Imediatamente
o roteiro de Scott Silver e Todd Phillips incita ao espectador que a figura do
Arthur é algo essencialmente trágica e relacionável, então vemos pelo os olhos
do Arthur essa cidade pesada e carregada de angústia, que sedimenta o sentimento
de Arthur de não se sentir encaixado nesse local, onde a única âncora que
estabelece a sanidade dele é a “missão” que sua mãe, Penny Fleck, estabelece:
trazer alegria ao mundo. 


Arthur
tenta transmitir isso no serviço de palhaço de dia e tentando ser comediante à
noite, ambos se mostram frustrantes, pois no emprego é evidente que há um certo
preconceito na figura de Arthur com os seus colegas, já como comediante, como
dissemos aqui, a falta de noção clara do que é engraçado para ele não consegue
estimulá-lo a criar piadas boas que possam fazer sucesso.



Outra âncora que mostra na vida dele é o programa de
Murray Franklin, personagem de Robert De Niro, onde o constante hábito de
acompanhar o programa toda noite, transmite para Arthur uma necessidade de algo
a se espelhar, e até mesmo ser notado pela sociedade.

Na
cena imaginativa onde Arthur se  vê
sendo adorado por Murray e o público,
ela destoa completamente do tom do filme, pois a iluminação na fotografia
demonstra prazer e felicidade, até mesmo no figurino onde Arthur está usando
uma roupa azul, uma cor muito positiva, em contra parte com as de cores pastéis
que ele utiliza a maior parte, até mesmo de cores mais vibrantes quando ele se
torna a figura do Coringa, o tom não denota um aspecto de felicidade para
Arthur.

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Aliás
a presença de Robert De Niro no filme, não é por acaso, muito pelo contrário.
Retomando a questão de influência do cinema de Scorsese, Todd Phillips utiliza como base estrutural para captar a transformação psicológica na formação do Coringa, outro filme do lendário cineasta, que não é tão comentado, mas é igualmente
marcante e influente, o longa de 1982,
O
Rei da Comédia
. Nesta obra, De
Niro interpreta um aspirante a comediante que sonha com o estrelato e deseja
participar do show do seu ídolo, interpretado por Jerry Lewis, e a obsessão por
atingir o seu objetivo leva até mesmo sequestrar o seu ídolo e acabar ganhando
os seus minutos de fama.


Se
observar bem tanto o
Coringa como O
Rei da Comédia
, a notável
semelhança em homenagem, como dessa vez colocar o Robert De Niro  no
lugar do ídolo do protagonista, e até produzindo rimas visuais com ambos os
filmes, onde recria cenas semelhantes do filme de 1982, exemplo disso é a cena de Arthur ensaiando sua participação no programa de Murray, que é igualmente idêntica do filme de Scorsese que o personagem do De Niro ensaia a sua aparição do seu ídolo. 

Essa releitura que
Phillips se propõe deve ser um desejo de chegar perto da intenção de Scorsese em debater com o personagem do De
Niro sobre a necessidade de se encaixar na sociedade por meio da aceitação
social, da prova digna de seu talento com a comédia,  casando com a semelhança na caracterização
psicológica de Arthur que a aceitação por seu ídolo traria um sentido a sua vida,
assim como De Niro no filme do Scorsese, que sempre se sentiu ridicularizado a
vida inteira e estabelece em sua obsessão que a participação daria uma
justificativa da vida medíocre que ele sentiu.


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Coringa/O Rei da Comédia: semelhanças e influência ao mesmo tempo

A
relevância de ser um comediante bem sucedido no filme
Coringa, além de ser uma homenagem ao filme do Scorsese,
puxa muito do outro material fonte que iremos retomar com a obra clássica de
Alan Moore,
A
Piada Mortal
, história que
sedimenta a origem mais conhecida do personagem, apesar de existirem certas
controvérsias por fãs de quadrinhos relacionado a essa história. Mas enfim, a
história conta, por meio de flashbacks, que antes de ser um vilão
psicótico, o Coringa se via como um comediante fracassado que não conquistava
sucesso, por isso se via numa sucessão de desgraças num dia comum, onde no
final, acaba enlouquecendo e se torna o vilão que todos conhecemos.


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A Piada Mortal de Alan Moore e Brian Bolland
Seria
correto dizer que Todd Phillips se apropria dessa história num primeiro momento
como norte para narrar a construção do Coringa, porém se observa que ele ao
mesmo tempo adapta e não adapta a proposta que Moore queria ao retratar no
quadrinho. No texto da história original, vemos uma constante de impactos de
violências psicológicas na narrativas, que eleva o protagonista a um sentimento
angustiante de confusão e desafeto na vida como um todo, referente ao que Arthur
transmite ao longo de sua jornada, tendo a constante afirmação de que nunca
houve um momento de felicidade na sua vida. 

Agora
o que Phillips distancia do material de Moore, é a lógica de que é necessário
“um dia” para enlouquecer como a figura do comediante nos quadrinhos, na
tentativa de se apropriar numa representação realista, o cineasta direciona uma
visão negativa no ambiente que o protagonista se insere e interage com todos
as pessoas, predominantemente negativas e nocivas. Onde logo na primeira cena, em
que Arthur está exercendo a sua profissão de palhaço, detalhe: na rua, ou seja, na sociedade, ele é logo espancado na rua por garotos que só queriam escorraçar
a figura nas quais julgam ridículo pela roupa de palhaço e deixam ele
machucado e sentindo derrotado pela vida.

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Arthur Fleck: o derrotado pela vida

Essa
sensação de deslocamento, ou até mesmo nas palavras do Arthur, de sentir que
não existe no mundo, como se fosse invisível, é que ruma ele no primeiro ato do
filme, tanto na atuação de Joaquim Pheonix sempre demonstrando uma sensação de
estar cabisbaixo e curvado, e o enquadramento sempre alinhando ele como se
fosse a figura central nesse ambiente, funcionando como um elemento que tenta
se enquadrar, encarado pela visão distorcida do que ele enxerga o que é empático,
até o momento que é revelado o elemento crucial que abre espaço para ele se
liberar o seu lado negro: o revólver.



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Ao
ganhar a arma do colega de trabalho, que muito provavelmente deu a arma querendo sabotar o emprego dele, Arthur entra em contato com o elemento de
violência e até mesmo de um certo poder da força que achava que nunca teria, dando um certo destaque para a dança da sala, onde Arthur começa a dançar segurando a arma, deslumbrando uma sensação diferente que ele nunca tinha experimentado e até mesmo disparando a arma, mas todo desengonçado. Importante de se reparar que a dança será um elemento recorrente na jornada de Arthur.

Aonde tudo
isso culminaria na cena tensa do metrô, onde após ser demitido por uma
injustiça por parte de seus colegas, além do erro de levar a arma para um
ambiente infantil que é o hospital cheio de crianças. Retomando a cena do met,
onde ao presenciar uma cena de um possível assédio a uma mulher inocente feito
por três rapazes da elite de Gotham, ele reage com sua condição de ansiedade e
nervosismo, fazendo ele rir, fazendo ele ser espancado de novo, só que dessa vez
ele reage dando tiros e matando os dois indivíduos por defesa no metro, até o
momento que o terceiro que tenta fugir, acaba matando por maldade, debruçando do poder da arma que ele ganhou.


Claro
que se revela um estado de choque inicial, fazendo ele fugir e se isolar num
banheiro público, aqui pode-se dizer que temos o primeiro grande degrau da descida
para se tornar o Coringa, onde ao finalmente revidar algo que ele não
conseguia antes, ele se vê num momento de encontrar-se em sociedade e até mesmo
se sentir que pode ser algo  mais do que
ele mesmo enxerga, representado isso na hora da dança solitária, onde ao executá-la,
a tonalidade de luz piscante no ambiente, denota uma sensação lúdica e
fantasiosa, engrandecida na música composta por Hildur Guðnadóttir, cuja a
compositora demonstra ao longo do filme o uso do violoncelo, sempre num teor
baixo e grave que se mostra sempre crescente, que ao mesmo tempo denota a
melancolia e demonstra um lado trágico na figura de Arthur, mostrando que
mesmo sendo uma jornada trágica, ele acaba crescendo dentro de si, por mais negativo
que possa parecer.




(Continua…)
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Aqui encerramos mais uma parte do nosso especial analisando o filme do palhaço mais temido dos quadrinhos, retornaremos semana que vem para mais detalhes das nossas observações sobre este grande filme!

O que está achando da nossa análise? O que você considera fascinante no filme do Coringa?
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