Crítica: Anne With An E – 1ª temporada (2017, Amanda Tapping e outros)

“Minha vida é um perfeito cemitério de esperanças enterradas.”

Uma poesia em forma audiovisual, é isso que Anne With An E é. A série canadense é baseada no livro Anne de Green Gables, da escritora Lucy Maud Montgomery, e foi publicado há bastante tempo, em 1908. Ao assistirmos à obra, damos de cara com um cenário belíssimo e cores pastéis, que dão vigor à série de época. Além, é claro, da linda abertura que chama a atenção e é muito bem feita.

Mostrando animais, árvores, frases, folhas, a abertura de Anne With An E é uma entrada para o mundo da protagonista, é como se fosse sua imaginação. Com todos seus detalhes, é perceptível o nível de criatividade. E isso é notável em Anne Shirley (Amybeth McNulty), quando conhecemos a personagem vemos que ela possui uma mente inovadora, o que a faz nunca parar de sonhar.


Para quem não sabe, o nome da música é Ahead By A Century da banda The Tragically Hip. Essa abertura, partindo de uma relação com a natureza, foi criada por meio de pinturas, o vídeo abaixo mostra como foi feito. Note que cada detalhe foi bem pensado no intuito de dizer alguma coisa, como a escolha de mostrar uma raposa e uma coruja, que representam qualidades da personagem Anne:

O primeiro episódio é maior que os outros, o único com mais de uma hora de duração. Ele serve para mostrar quem é a órfã Anne e quem são as pessoas que a adotam, suas qualidades e seus defeitos. Anne é simplesmente encantadora,  gosta de ler e contar histórias, fala com paixão sobre a vida, ela é incomum em relação àqueles ao seu redor, pensa diferente deles e muitas vezes é incompreendida. Marilla (Geraldine James) e Matthew Cuthbert (R.H. Thomson) são irmãos e possuem uma fazenda (chamada Green Gables), eles desejam adotar um menino para ajudar nas tarefas “pesadas”, mas por um engano Anne é quem acaba chegando em suas vidas. A simpatia que sentimos por Matthew é instantânea, ele é um senhor calmo e compreensível, um verdadeiro “amor de pessoa”, para ele foi mais fácil aceitar Anne. Já com Marilla as coisas são mais difíceis, ela não gosta de ter que adotar uma menina em vez de um menino e complica a situação, deixando Anne triste, que a princípio estava extasiada por ter uma família pela primeira vez.

É a partir disso que notamos a importância da série. Anne questiona o então fato de ser apenas meninos que podem ajudar na fazenda, ela se impõe e diz que uma menina pode fazer tudo! Isso mostra seu feminismo nato, mesmo na sociedade machista da época (muito mais que agora), ela, com razão, não consegue entender as diferenças sociais de gênero impostas e expõe que mulheres possuem capacidade para atuarem no mundo e não apenas para serem boas esposas.


O que chama a atenção na série é sua dualidade, como temas complexos são tratados com tamanha simplicidade. Há um perfeito equilíbrio entre o difícil e o agradável. Os flashbacks de Anne mostram a vida pesada de injustiças que ela passou em seus 13 anos de idade e mesmo depois de tudo, ela ainda possui um otimismo admirável. Isso transmite que a dualidade não existe apenas na forma de contar a história, na narrativa, como também nos próprios personagens. Nas falas de Anne e em seus olhares, podemos perceber que ao mesmo tempo em que ela é uma garota feliz, agradecida e determinada, ela é insegura, não gosta de seus cabelos vermelhos ou de suas sardas e não se acha bonita. Sua maior característica é a sensibilidade, ela sente tudo demais, o que a afeta de uma maneira que a coloca entre dois extremos. E isso é importante, pois torna Anne uma personagem que nos alcança, cativa e nos torna sensíveis.

A construção dos personagens é exemplar, a da Marilla é uma das mais notáveis. No começo não dá para saber ao certo se ela vai ser realmente uma pessoa querida, já que ela se mostra com um coração duro, mas aos poucos podemos ver que ela vai se rendendo e abrindo espaço para as emoções. Anne é a razão disso tudo, ela transforma Marilla e com o tempo vamos conhecendo quem está por trás daquele rosto que aparenta esconder o que sente.

É emocionante ver como Anne, que antes não tinha amigos, agora cultivou uma amizade dos sonhos com Diana Barry (Dalila Bela), que sempre está ao seu lado mesmo em meio aos desafios pelos quais elas passam. É encantador acompanhar Anne em sua jornada por mais triste que fique às vezes. Vemos ela indo para escola e sofrendo bullying, além de testemunharmos sua primeira menstruação (que ela achou que fosse morrer) e como isso era tão tabu a ponto de ser um assunto proibido. Anne, como sempre, não consegue assimilar que algo natural do corpo de uma mulher seja considerado errado, e isso traz debates para o nosso dia a dia, afinal ainda há regiões no mundo em que a menstruação é um tabu, até mesmo para algumas pessoas de nosso convívio. 

A série também traz um personagem muito fofo e que claramente tem uma queda pela nossa protagonista desde o momento em que aparece pela primeira vez. Gilbert Blythe (Lucas Jade Zumann) é o garoto que Anne conhece em seu caminho para a escola, ele a defende de outro menino e mostra ter ficado instigado com ela. Esse pequeno romance é mostrado ao longo da temporada por meio de olhares, gestos e palavras indiretas, é realmente muito bonitinho. 


Por falar em fofura, outro personagem que encanta é o Jerry (Aymeric Jett Montaz), ele trabalha na fazenda e acaba ganhando mais destaque no último episódio da temporada. Antes de fechar o ciclo dos personagens, é preciso falar também da Josephine Barry (Deborah Grover), tia de Diana. Uma série que trata de tantos assuntos necessários e não comuns para a época, como emancipação feminina e menstruação, não poderia deixar de falar sobre sexualidade. Josephine é uma personagem lésbica, e isso pode não ter ficado muito claro para alguns nessa primeira temporada pois eles tratam o tema de uma forma bem sutil, mas se prestar atenção nas falas e interpretações, se torna algo óbvio. O assunto é mostrado com delicadeza por meio de conversas entre Josephine e Anne, e é belo ver que mesmo com uma grande diferença de idade, as duas se entendem muito bem.

Todas as atuações de Anne With An E são fenomenais (há uma entrega incrível, principalmente da protagonista), você se sente transportado para outra época com todo o trabalho dos atores, além da narrativa, enquadramentos, fotografia, direção de arte, é uma série muito bem feita. A temporada tem poucos episódios e não há tempo para enrolação, os problemas aparecem e a resolução não demora tanto para acontecer, o que é bom. Apenas no último episódio que algo fica em aberto, nele aparece um novo problema que é deixado como ponto de partida para a 2ª temporada.


Sempre expondo dois lados, a série trabalha na temporada inicial as perdas de oportunidades dos adultos e o mundo de possibilidades dos pré-adolescentes. E como os seres humanos erram, se arrependem e querem voltar atrás não importa a idade. A obra também não é voltada para um público de determinada faixa etária, e sim para toda família. A cada episódio há uma lição que serve para qualquer pessoa e traz discussões importantes, talvez a maior de todas seja como ver beleza e ser gentil em um mundo com tanta crueldade.






Título Original: Anne With An E


Direção: Amanda Tapping, Paul Fox, Sandra Goldbacher, Patricia Rozema, Helen Shaver,  Niki Caro e David Evans.


Episódios: 7


Duração: 44 minutos


Elenco: Amybeth McNulty, Geraldine James, R.H. Thomson, Dalila Bela, Lucas Jade Zumann, Aymeric Jett Montaz, Corrine Koslo e outros.


Sinopse: Baseada em obra literária, a série mostra como a vida dos irmãos Matthew e Marilla Cuthbert se torna diferente quando eles adotam por engano a encantadora e falante Anne, que não passa despercebida pela população da cidade de Avonlea.


Trailer:


O que vocês acham da 1ª temporada de Anne With An E? Se encantaram logo de cara? Deixem seus comentários!

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