Crítica: Jackie Brown (1997, de Quentin Tarantino)

Jackie Brown é o único filme totalmente dirigido por Quentin Tarantino em que o roteiro é adaptado de um livro. Isso, talvez, influencie em alguns aspectos que remetem à narrativa, pois uma das características mais marcantes do cinema do diretor é, como já dito anteriormente, a construção dos roteiros originais. Tarantino possui, principalmente em seus primeiros filmes, uma habilidade criativa muito prolífica para escrever situações singulares e diálogos pontuais. Não que Jackie Brown possua um argumento ruim, afinal, o cineasta assina o mesmo novamente. Mas desde já podemos notar como afeta a construção orgânica de um filme esta característica peculiar em sua carreira.

O longa acompanha o desenrolar de uma situação ambígua quando Jackie Brown, a protagonista vivida por Pam Grier, após ser presa transportando dinheiro para o traficante de armas Ordell Robbie (Samuel L. Jackson), precisa atuar duplamente para garantir que continue sobrevivendo. Trata-se de uma homenagem de Tarantino ao gênero blaxploitation, popular movimento norte-americano dos anos 70 cujos atores e diretores eram negros, e cujo público majoritário era a população negra.
Tarantino conduz de maneira já característica o longa, através de diálogos pensados para funcionarem dentro da unidade do filme, trazendo-o já uma identidade. O roteiro é funcional e conduz a trama de maneira eficiente. Porém por vezes parece que a não-originalidade é causa inibidora de um motor criativo mais eficiente do diretor. Algumas soluções não são muito bem elaboradas, assim como certos diálogos não funcionam, influenciando na relação entre o espectador e o filme. Dessa forma, o filme de quase 2h40 torna-se inchado em comparação a seu longa anterior, Pulp Fiction, de também grande duração.

Mas alguns elementos funcionam muito bem. A noção do espaço que o diretor possui é algo magistral, refletido pelo domínio da mise-en-scène desde seu primeiro filme. Há uma cena, brilhantemente composta, onde a câmera parte de um ângulo fechado para um distanciamento onde o objeto principal desaparece e reaparece em outro ponto, agora em plano aberto, aliado à construção da narrativa. Outro fator curioso da câmera de Tarantino é um grande enfoque nos detalhes, presentes de maneira pontual e como artifícios do roteiro. A música popular, marca também dos outros filmes do diretor, é aqui utilizada, novamente, com cuidado e como agente condutor da narrativa. É como se ela fizesse parte do filme e criasse o elo entre os acontecimentos e a psicologia das personagens. 

Outro problema, talvez, que contribua para o inchaço do filme seja a forma com que lida com alguns excessos narrativos. Algumas personagens recebem um enfoque longo demais que acaba sendo não tão contributivo para o desenvolvimento do filme, ainda que as atuações sejam muito bem elaboradas, com destaque para Pam Grier – que, no auge de sua carreira, era atriz de filmes blaxploitation.

Salvo esses problemas, são reconhecíveis, ainda que em escala menor, os aspectos que aproximam Jackie Brown de um longa tarantinesco, fazendo com que o longa seja uma vírgula interessante na carreira do diretor. Longe de ser um filme ruim, não possui a organicidade suficiente para ser uma obra-prima, mas é, devidamente, uma exploração de outras formas com que Tarantino consegue criar, principalmente através de um material já produzido – o que é uma ironia com sua carreira, construída sempre sobre as mais diversas referências.


Título original: Jackie Brown

Direção: Quentin Tarantino

Duração: 154 min

Elenco: Pam Grier, Robert Forster, Samuel L. Jackson, Robert De Niro, Bridget Fonda, Michael Keaton

Sinopse: Comissária de bordo (Pam Grier) trafica dinheiro para os Estados Unidos, a mando de um vendedor de armas. Quando dois policiais oferecem um acordo para que ela entregue o bandido, a mulher decide dar a volta em todos os envolvidos, com um olho na liberdade e outro numa mala cheia de dinheiro.

Trailer:

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