Crítica: The Act (2019, de Nick Antosca e Michelle Dean)




The Act é a nova série do serviço de streaming da Hulu, forte concorrente da Netflix e Amazon, que já se firmou com The Handmaid’s Tale e Killing Eve, e que continua numa crescente incrível. Em The Act, o formato é antológico, ou seja, a cada temporada seremos imersos em uma nova trama e um novo crime,  com um novo elenco e personagens. Nesta primeira empreitada, conhecemos a assustadora trama verídica de Dee Dee Blanchard, uma mãe perturbada que além de super protetora, mente e forja várias doenças na sua filha Gypsy, para manter a menina sempre sob seus cuidados. Mas conforme a menina cresce, começa a ter noções de algumas coisas estranhas e começa a sentir a necessidade de ter amigos e relacionamentos amorosos, então os atritos entre elas surgem.

Tudo se complica quando, às escondidas, a moça conhece um rapaz também problemático em um site de “relacionamento cristão” (o pior lugar possível) e os dois começam a planejar um crime brutal. Com os três protagonistas (mãe, filha e namorado), além de alguns poucos coadjuvantes, o time de diretores e roteiristas conseguem criar algo incrível. Em tempos onde algumas grandes séries subestimam e desperdiçam o elenco em mãos, isso não ocorre aqui. Com um roteiro intrigante, onde gradativamente vai ficando mais pesado, explora-se ao máximo as interpretações dos protagonistas. 



Como todos os três possuem algum tipo de transtorno psicológico e trauma, algumas situações são levadas ao extremo. Mas é interessante o tratamento ambíguo que o roteiro dá às personagens, muitas vezes fazendo-nos sentir empatia pelas dores de ambas as partes.  Note como que, apesar de todos os atritos, mãe e filha se amam. Ou como o jovem casal é sonhador e romantiza os acontecimentos com uma certa ingenuidade. 

Patricia Arquette, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Boyhood, entrega aqui outra grande atuação, com uma complexidade repleta de camadas, ela vai da amável mãe, à uma assustadora controladora, que usa sua posição dentro de casa para aprisionar a filha. Mas algumas de suas características e atitudes revelam que ela também é vítima de algumas situações, como transtornos psicológicos. 



Joey King não fica atrás. A menina até então tinha protagonizado papéis fracos em filmes como A Barraca do Beijo e Slender Man (sem contar seus papéis mirins como em Invocação do Mal). Aqui ela se prova uma grande atriz. Com seu jeito de menina frágil e indefesa, ela vai demonstrando força ao passar dos episódios, até mesmo executando momentos sensuais ao descobrir sua sexualidade, assim como traçar um macabro plano. Mas sempre com uma visão um tanto lúdica da situação, romantizando os fatos e perseguindo seus sonhos. É notável o trabalho corporal de Joey King, ela realmente aparenta estar doente, magra e debilitada, assim como aparenta certa imaturidade e desconhecimento da vida. Mas aos poucos, vemos que não é bem assim.



E completando uma bela trindade em atuação, Calum Worthy entra na metade final da trama trazendo outro desempenho sólido. O assustador personagem Nick possui uma segunda identidade autoassumida como vampírica, ele introduz a menina no mundo do sadomasoquismo web e sexo virtual – isso através do tal site cristão – fazendo-nos ter nojo e receio dele de início, pois sua psicopatia é evidente. Mas novamente, o ótimo roteiro nos mostra que não é bem assim, existe um lado do rapaz que é humanizado, ele ama de fato Gypsy e também sonha de forma lúdica com a menina. Devido o seu claro problema psiquiátrico, Nick tem dificuldades de manter o emprego, se socializar e tais desafios faz-nos sentir certa pena do rapaz. A atuação dele é ótima e causa uma mistura de empatia com aversão. 



E assim o roteiro vai brincando com a ambiguidade dos personagens. A direção de arte, fotografia, figurino, toda mise en scène e a parte técnica visual e sonora, embora simples, fazem um bom trabalho em ajudar a compor a atmosfera cênica do momento em questão. Note como quando a trama está focada no interior da casa de Gypsy, tudo é rosa ou azul claro, bastante lúdico e um tanto “cores de bebê”, mas isso se dá de forma que causa estranhamento, pois é uma mãe aprisionando sua filha, não aceitando que ela está crescendo. Ou quando Gypsy e Nick traçam seus planos, a iluminação e todo visual absorvem características obscuras, causando uma sensação de desconforto. Assim como quando a segunda personalidade vampírica de Nick se apresenta, a fotografia e iluminação adquirem tons vermelho sangue e preto, causando uma sensação de terror.



A direção é competente, não chegando a fazer algo revolucionário, mas boa o suficiente para manter todos os 8 episódios de uma hora bastante ágeis e intensos. Intensidade auxiliada pelas grandes atuações, que são o maior acerto da obra. Um pequeno ponto a se criticar, talvez seja que o tal “ato” em si que o título sugere, é pouco mostrado, assim como o último capítulo talvez soe anticlimático e diferente dos anteriores, embora ainda interessante. Se por um lado não vemos “o ato” em si, o trunfo da obra é desenvolver muito bem as motivações que levaram à ele.



The Act dialoga diretamente como um alerta às famílias que possuem membros com determinados transtornos emocionais, que tais pessoas precisam estar rodeadas de amor, apoio e compreensão. Ainda mais, mostra-se que nem todo crime frio e calculado é elaborado por pura maldade, mas que uma série de problemas familiares e emocionais, levados à exaustão, podem resultar em tragédia. Ainda serve de alerta para que os pais não sufoquem a liberdade dos filhos conforme eles forem crescendo, isso pode custar a identidade e boas oportunidades para eles. Por fim, ainda fica a reflexão que por trás de muitos crimes bárbaros, o que vai a público no jornal é só a ponta do iceberg e que muitas vezes, podem existir muitas nuances e camadas de uma mesma situação. Camadas presentes na complexidade da mente e dos relacionamentos humanos, seja lá quais forem. 

The Act vale ser conferida, aguardando desde já a nova trama da segunda temporada (qual será o bizarro caso dessa vez?) e aguardando o lançamento do serviço da Hulu no Brasil, que deve ocorrer em 2020 pelas mãos da Disney, detentora dos direitos do serviço. 

Gypsy e Dee Dee na vida real. 


Título Original: The Act



Direção: Nick Antosca e Michelle Dean



Episódios: 8


Duração: 50 minutos



Elenco: Patricia Arquette, Joey King, Chloë Sevigny, AnnaSophia Robb, Calum Worthy.



Sinopse: O relacionamento entre Dee Dee Blanchard e sua filha Gypsy, que acreditou ter uma grave doença durante toda a vida por causa da mãe extremamente controladora e insegura. Em busca de independência para viver um amor proibido, Gypsy decide então orquestrar um assassinato.



Trailer:



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