Crítica: Olhos Que Condenam (2019, de Ava DuVernay)



Pensar em quais palavras usar para escrever com propriedade sobre Olhos Que Condenam pode não ser uma tarefa tão fácil, assim como não é fácil assistir a este enternecedor retrato de uma história da vida real. Falo isso pois o que nos é mostrado traz uma carga emocional muito pesada, não no sentindo de apelo, mas no de nos alertar para a crueldade que existe ao nosso redor. Então se você ainda não assistiu, se prepare. 

Com direção da incrível Ava DuVernay — que também dirigiu grandes obras como Selma: Uma Luta Pela Igualdade (2014) e A 13ª Emenda (2016) —, Olhos Que Condenam, produção da Netflix, é uma minissérie de quatro fortes episódios, ou como a própria Ava disse, “um filme dividido em quatro partes” que conta o caso dos “Cinco do Central Park“. A história é real e aconteceu nos Estados Unidos, mais especificamente em Harlem, um bairro de Nova Iorque, em 1989. Cinco adolescentes negros (Antron McCray, Kevin Richardson, Korey Wise, Raymond Santana e Yusef Salaam), com idade entre 13 e 16 anos, vão ao Central Park no intuito de se divertirem, mas o que acaba acontecendo é algo que marca horrivelmente a vida deles.


Trisha Meili, 28 anos, fazia corrida no Central Park quando foi estuprada. Os jovens que estavam perto do local não tiveram nenhum relação com o ocorrido e nem viram o que aconteceu, mas a polícia chega e os leva para a delegacia, onde são acusados e forçados a confessarem o crime. Como isso aconteceu? Saber porque eles foram os escolhidos pelas autoridades é infelizmente o mais óbvio: eram negros, pobres e estavam no local, o que os tornaram alvos fáceis. Mas ver as decisões sendo tomadas para incriminá-los é árduo. Eu particularmente não conhecia esta história e assistir foi uma deplorável surpresa, dito isso, deixo então os detalhes para a minissérie, que trata muito bem dos fatos em seus quatro episódios. 



Na primeira parte, somos introduzidos à vida desses meninos tão jovens, que não faziam ideia do que viria a ocorrer. Logo mais, lá estão eles apavorados na delegacia, sendo interrogados e confusos sobre o que estava acontecendo. Já nessas cenas podemos perceber o nível devastador da história que se segue por mais três partes. O que vemos é apavorante, as cenas de julgamento são tensas, e conhecer um pouco sobre quem eles eram e como sofreram, nos transmite uma sensação de angústia.


A maior parte de Olhos Que Condenam é mostrada dentro de uma fotografia (feita pelo Bradford Young) que se utiliza das cores azul e verde, tons escuros que estabelecem um ar pesado e melancólico. Essas cores são substituídas por outras mais vivas em alguns momentos da minissérie, para representar momentos de conforto ou de uma suposta felicidade. Tudo isso é complementado com uma trilha sonora repleta de hip hop, que descreve muito bem a cultura negra dos EUA na época dos anos 80 e 90.


Todas as atuações são impecáveis. Para cada um dos jovens presos, foram utilizados dois atores, um enquanto eles eram adolescentes e o outro para a fase adulta. Porém há uma exceção para essa regra: o ator Jharrel Jerome interpreta Korey Wise tanto garoto quanto adulto, e entrega a melhor performance da minissérie e uma das melhores (se não a melhor!) do ano. Não é exagero, o quarto e último episódio de Olhos Que Condenam é focado em Korey (pois ele pegou uma pena maior que os outros) e graças a Jharrel Jerome é possível sentir a intensidade de cada cena, é uma atuação que deixa o espectador sem palavras. 


Ava DuVernay com Jharrel Jerome nos bastidores de Olhos Que Condenam

Jharrel é quem fez o jovem Kevin em Moonlight, filme que venceu o Oscar 2017 de Melhor Filme. Se neste seu trabalho ele entregou uma performance maravilhosa, em Olhos Que Condenam ele foi além e se firmou como um dos melhores da atualidade. Tanto que foi indicado ao Emmy Awards 2019 na categoria de melhor ator principal em série limitada.


A segunda melhor atuação da minissérie eu diria que foi a do Asante Blackk, que interpretou Kevin Richardson quando ainda garoto. Um misto de confusão, medo e insegurança podem ser claramente vistos no que o ator entrega. Todos os demais atores garotos, Caleel Harris (Antron McCray), Ethan Herisse (Yusef Salaam) e Marquis Rodriguez (Raymond Santana) se destacam igualmente e dão um belo show. Assim como os atores adultos, Jovan Adepo (Antron McCray), Chris Chalk (Yusef Salaam), Freddy Miyares (Raymond Santana) e Justin Cunningham (Kevin Richardson), que também mostram terem sido ótimas escolhas. 


Asante Blackk como Kevin Richardson


Pegar um papel desses para interpretar alguém que existe na vida real sempre pode causar um certo medo de não conseguir fazer jus à pessoa, mas todos conseguiram se sair mais do que bem e entregaram tudo o que tinham. Inclusive, os atores comentam sobre isso no programa especial da Oprah, intitulado Oprah Winfrey Presents: When They See Us Now ou Oprah Apresenta: Olhos que Condenam, que também é da Netflix e consegue trazer toda a emoção da minissérie numa conversa de 1 hora com os atores, a diretora Ava DuVernay e os “Cinco do Central Park” da vida real, que elogiam Ava e agradecem pelo trabalho que ela teve em fazer o mundo ouvir a história deles. Para quem chorou assistindo Olhos Que Condenam e quer chorar mais, fica aí a dica.



Como se não bastasse as incríveis performances dos protagonistas da história, também temos grandes atuações secundárias como a do Michael K. Williams (que faz o Bobby McCray), a da Marsha Stephanie Blake (Linda McCray), Aunjanue Ellis (Sharonne Salaam) e Niecy Nash (Dolores Wise), que é conhecida por fazer comédia, entregando aqui algo diferente de seus trabalhos anteriores (ela fala sobre isso no especial da Oprah). A minissérie também tem atuação de Vera Farmiga (como Elizabeth Lederer), Kylie Bunbury (Angie Richardon) e Felicity Huffman que faz a “vilã” Linda Fairstein, promotora do caso e uma das responsáveis pelo julgamento injusto dos garotos.


Aunjanue Ellis e Ethan Herisse (Sharonne Salaam e Yusef Salaam) em cena de Olhos Que Condenam


Olhos Que Condenam
vai te destruindo emocionalmente a cada episódio e quando chega ao fim você está sem chão — a trilha sonora ajuda muito também, quando penso na cena final logo lembro da música que a acompanha: 
Moon River na linda versão do Frank Ocean —. Toda a história é muito comovente e a diretora consegue caminhar pelos acontecimentos com muito profissionalismo e vontade de fazer justiça. Em um certo momento da minissérie, há um vídeo (real) de Donald Trump aparecendo na televisão. Trump falava com precisão que os cinco garotos eram culpados e pedia pena de morte. Quando vemos essa cena, somos imediatamente levados a pensar no “agora”, trinta anos após o infame caso dos Cinco de Central Park, o sistema no qual todos fazemos parte chegou a mudar de maneira significante? Aquele Donald Trump que queria cinco adolescentes negros mortos por um crime que não cometeram é atualmente o presidente dos Estados Unidos. 


Como compensar todos os anos que Antron, Raymond, Kevin, Korey e Yusef perderam pagando por um crime que outra pessoa cometeu? Não há como. Eles foram indenizados, o dinheiro ajuda, mas não substitui anos de vida. Sendo presos tão jovens por tanto tempo, o mundo do lado de fora da cadeia se torna estranho e mais difícil de viver. É de extrema importância o trabalho realizado pela Ava DuVernay para contar uma história que nem todo mundo tinha conhecimento. Levar isso ao público é revelar mais uma das hostilidades presentes na sociedade, é tentar prevenir que algo do tipo venha a acontecer no futuro, é utilizar-se de um artefato cultural para alertar e educar, é buscar justiça.




Título Original: When They See Us


Direção: Ava DuVernay


Episódios: 4


Duração: 70 minutos


Elenco: Asante Blackk, Caleel Harris, Ethan Herisse, Jharrel Jerome, Marquis Rodriguez, Jovan Adepo, Chris Chalk, Justin Cunningham, Freddy Miyares, Michael Kenneth Williams, Marsha Stephanie Blake, Kylie Bunbury, Aunjanue Ellis, Vera Farmiga, Felicity Huffman, John Leguizamo, Niecy Nash.

Sinopse: Baseado em uma história real, cinco adolescentes vêem suas vidas sendo desmoronadas ao serem acusados e forçados a responderem por um crime brutal que não cometeram.


Trailer:
Conta pra gente nos comentários o que você achou da minissérie!

2 thoughts on “Crítica: Olhos Que Condenam (2019, de Ava DuVernay)”

  1. Já tinha ouvido falar desta mini-série, mas não com tanta paixão e entusiasmo. Fiquei com imensa vontade de assistir e como tenho Netflix vou começar já. Sei que vou chorar porque detesto injustiças, por isso acredito que deve ser super revoltante assistir…
    Mundo da Fantasia

    1. Muito obrigada pelo feedback, Sónia! Fico feliz que se interessou em assistir. Realmente é uma história revoltante, mas necessária de ver. Espero que você goste! 🙂

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