Crítica: Um Dia de Fúria (1993, de Joel Schumacher)

Um Dia de Fúria é um filme que possui muitos aspectos curiosos, se vistos de um ponto de vista totalizante. Aspectos que remetem tanto a uma questão cinematográfica e de construção de narrativa, como a coisas banais como seu título e a tradução que teve no Brasil. “Um dia de fúria” certamente é uma expressão que transmite um dos espectros que o longa busca transmitir em seu todo e é, claro, uma tradução mais literal do que é montado em imagens. 


Agora, é apenas seu título em inglês, “Falling Down”, que consegue realmente capturar toda a dimensão passada através da narrativa de uma forma mais profunda e completa, refletindo não apenas a “queda” de um homem perante as falências de sua vida e suas expectativas destruídas por um capitalismo desenfreado, mas também uma sociedade inteira que está próxima de ruir por conta da forma que anda o mundo.

Trata-se de um longa do já estabelecido Joel Schumacher, que até então já havia dirigido o icônico Garotos Perdidos e que viria, em seguida, a realizar filmes marcados como Batman Eternamente Tempo de Matar. E logo de princípio, é interessante notar como o diretor compõe o visual do filme através de uma estética e de uma câmera que, por mais que possuidoras de aspectos interessantes para a quebra do comum, conseguem ser extremamente datadas. Um Dia de Fúria é, visivelmente, um filme dos anos 90.


Seguimos duas linhas narrativas durante o filme: a principal, de William Foster (Michael Douglas), um homem desiludido com a forma com que sua vida vem sendo conduzida e que certo dia, preso no trânsito, esgota-se e decide sair pela cidade em uma louca obsessão para chegar ao aniversário da filha, enfrentando pelo caminho momentos de extremo descontrole que o fazem provar a paciência e a forma com que enxerga o mundo. 


Paralelamente, temos uma narrativa cômico-detetivesca através do policial Prendergast (Robert Duvall) que, próximo à aposentadoria, encontra-se vazio perante toda a carreira que construiu e deslocado em meio ao ambiente policial, mas que decide ir atrás das pistas sobre William que estão surgindo pela cidade.

É interessante notar, a princípio, a construção das personagens e como elas criam uma relação diametralmente oposta, porém com um ponto de convergência. Ao passo que William encarna todo um cansaço e stress com uma sociedade doente e sem sentido, fruto de um capitalismo extremamente avançado, e perde a cabeça com isso indo ao extremo, Prendergast reflete justamente uma angústia de uma vida não realmente aproveitada, um policial que cedo desistiu de atuar nas ruas e que sempre esteve às custas de uma relação conturbada com sua esposa. 


A convergência construída pelo roteiro de Ebbe Roe Smith encontra-se justamente no fato de que os dois possuem algo que os impõe nesse estado (ambos têm uma relação complexa com a paternidade), mas que é encarado de maneiras diferentes. Enquanto Prendergast possui uma serenidade digna de uma pessoa mais velha e uma aceitação passiva, William é uma bomba a ponto de explodir acoplando toda a loucura do não-sentido dessa sociedade em suas atitudes repentinas, violentas e não pensadas. E Michael Douglas é competente o suficiente para reproduzir este papel com uma atuação física (principalmente pelo olhar) e verbal muito bem construída. Estamos de frente a alguém que não possui mais impedimentos e que consegue ser frio e quente em questão de segundos.


Nesse sentido, há um comentário social muito óbvio esboçado tanto pelo roteiro, quanto pela composição visual de Schumacher. Ao passo que as personagens e as situações transmitem esse questionamento desta sociedade doentia, o diretor insiste em reforçar isso em diversos momentos, filmando mendigos, estrangeiros em situações complexas e todas as contradições resultantes de uma civilização automatizada, que se sustenta à base de um lucro colocado de uma forma contemporânea e cujos “personagens secundários” que compõem o aspecto “feio” estão por todos os lados demonstrando a falência de algo que prometia ser, contrariamente, um sucesso. É curiosamente aqui que há o sucesso e também o problema do filme. Isso porque, por mais interessante que seja o comentário e a crítica criados, a insistência de Schumacher em repetir essa mensagem constantemente enfraquece o poder emocional do longa e prejudica o engajamento de seu final. Mas isso apenas no sentido crítico, pois na construção sentimental particular da personagem, há a criação de um envolvimento com o espectador. Podemos sentir William, toda sua confusão mental e suas conclusões.

Tudo isso torna-se um problema de construção, porém a diversificação do tom ao longo do filme é muito bem realizada por Schumacher, transitando entre a comédia e o drama com facilidade. O filme possui momentos realmente engraçados, ao passo que consegue pesar com a mensagem. Ainda assim, como dito antes, a utilização de certas técnicas, movimentos de câmera, composições artísticas e aspectos fotográficos acaba por datar o filme, impedindo-o de criar uma característica transcendental que poderia validar ainda mais sua crítica. Mas, como a sociedade atual ainda é regida por esse capitalismo tardio, podemos nos conectar com a mensagem do filme sem problemas maiores.

Em suma, Um Dia de Fúria é um filme sobre a decadência e a queda. Há um homem em decadência com o que é “ser americano” nos anos 90 e como isso se relaciona com o sistema em que vive, simultaneamente a uma sociedade em decadência por conta destes mesmos fatores. Algo que pode ser relacionado, de certa forma, com outro filme dos anos 90 que permeia temas similares, O Ódio. Ainda que possua suas obviedades e seu visual certamente datado, o longa consegue transmitir seguramente a mensagem através de um roteiro bem escrito, personagens com conflitos interessantes e uma crítica que continua, infelizmente, viva e atual como nunca.


Título Original: Falling Down

Direção: Joel Schumacher

Duração: 113 minutos

Elenco: Michael Douglas, Robert Duvall, Barbara Hershey, Rachel Ticotin

Sinopse: Prendergast (Robert Duvall), um policial em seu último dia de trabalho pois vai se aposentar, arrisca sua vida para tentar deter William Foster (Michael Douglas), um homem emocionalmente perturbado que perdeu seu emprego e vai ao encontro de Beth (Barbara Hershey), sua ex-mulher, e da filha, sem requer reconhecer que o seu casamento já acabou há muito tempo. Em seu caminho, William vai eliminando quem cruza seu destino.

Trailer:
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