Crítica: Oitava Série (2018, de Bo Burnham)




**Contém Spoilers

Por conta das várias indicações que Oitava Série recebeu em 2018, estava com bastante expectativa para assisti-lo, algo que pode facilmente arruinar uma experiência cinematográfica. Nesse caso, não houve frustração, mas sim surpresa. Assistir ao filme provocou, contraditoriamente, um misto de sensações tão aconchegantes e, ao mesmo tempo, tão desconfortáveis que eu não queria que acabasse! É o primeiro longa-metragem do diretor Bo Burnham, que iniciou sua carreira originalmente como um YouTuber em 2006, cantando e tocando músicas do seu quarto na casa dos pais (algo semelhante à protagonista de Oitava Série) desde então, apresentou alguns stand-ups de comédia lançados pela Netflix e trabalhou também como músico e ator, esporadicamente. 
Apesar de ter dedicado vários anos de sua carreira ao humor e de ter experiência com diversas mídias como televisão, YouTube e apresentações ao vivo, o trabalho de dirigir um longa-metragem deve ter sido uma tarefa imensa e totalmente nova para Bo Burnham, que tinha 50/50 chance de dar certo ou errado. Primeiramente, Oitava Série foi lançado pela produtora norte-americana A24, reconhecida por seus filmes excepcionais, estando sempre na vanguarda de temas relevantes e trazendo narrativas inventivas, como por exemplo nos filmes The Witch, Moonlight, Lady Bird, Mid90s, Hereditário, só para citar os mais famosos, mas, a lista só tende a crescer!



Além disso, a tendência é pensar que um homem branco de vinte e poucos anos não teria a bagagem nem as vivências necessárias para contar uma história sobre uma menina de 14 anos, mas, surpreendentemente, a narrativa se desenvolve de uma forma extremamente empática e sincera em relação à protagonista, Kayla Day. Sem usar de piadas baratas ou estereótipos batidos sobre o mundo adolescente, ao invés disso, aposta na singularidade da menina, mostrando vários aspectos do seu universo enquanto uma adolescente tímida que deseja pertencer a um grupo e receber reconhecimento de seus pares.

A atuação de Elsie Fisher como Kayla Day é um dos grandes destaques da obra, a atriz já conta com vários créditos em sua carreira, tendo sido a voz de Agnes nos dois primeiros filmes de animação da franquia Meu Malvado Favorito, e, fico empolgada de anunciar que seu próximo filme, atualmente em processo de pré-produção, The Shaggs, vai ser uma cinebiografia dessa banda homônima, um sucesso alternativo da década de 1960. Elsie Fisher já declarou em entrevistas que sua personalidade é o oposto da de Kayla Day, o que só acrescenta à qualidade de sua performance, que provoca identificação em quem assiste, por seu carisma e profundidade. Difícil imaginar o espectador não se identificar com Kayla em algum momento do filme, afinal, todos já foram adolescentes e já vivenciaram situações na qual se sentiram deslocados ou estranhos.
Há tantos outros filmes além de Oitava Série que também refletem sobre amadurecimento e a passagem por essa fase conturbada que é a adolescência, mas, o diferencial desta obra são os temas que debate: a vida digital, a ansiedade social, o descobrimento de interesses amorosos, a desigualdade de gênero e relações familiares, além disso, acredito que apesar de tratar de assuntos problemáticos, aborda-os de forma que, ao final, saímos acolhidos e com a sensação de que, tudo vai ficar bem. A sensação que nutri após o filme foi de reconforto, pois traz uma importante mensagem para (principalmente) meninas jovens – a todo momento bombardeadas com padrões inatingíveis de beleza e pressionadas à sexualização precoce – a ideia de que está tudo bem ser você mesma e de que a sua singularidade, por mais que não se encaixe no que a maioria pensa, importa!
É justamente esse momento de transição vivido por Kayla que me lembra muito uma frase dita por uma personagem do livro As Virgens Suicidas, de Jeffrey Eugenides. Ao ser questionada do porquê tinha tentado se suicidar cortando os pulsos, Cecilia Lisbon responde “obviamente, doutor, você nunca foi uma menina de treze anos”. Essa frase diz da experiência intensa que é a adolescência, um período pelo qual se vivencia o luto do corpo, dos pais e da mentalidade que se tinha na infância, ao mesmo tempo em que é necessário encontrar referências fora de casa com as quais se identificar para poder se tornar, então, sua própria pessoa. 
O filme faz um recorte muito específico da adolescência, certamente não é universal no sentido de que o contexto é o de uma família norte-americana de classe média alta, logo, pode-se pensar que nem todos os jovens tem o privilégio de ter uma adolescência, quanto mais dessa forma. A ambientação de Oitava Série envolve, na maior parte, o quarto de Kayla, o refúgio perfeito para uma jovem introvertida, no qual ela monta um espaço destinado a ser um estúdio para seus vídeos como YouTuber. O universo criado pelo filme é marcado por cores quentes e tons vívidos, tanto dos cenários quanto das roupas da protagonista, que indicam a inocência da idade, ainda reminiscentes da infância aos poucos deixada para trás.
O recurso digital é bastante utilizado durante o filme, as interações são mostradas diretamente da tela do celular e as gravações dos vídeos de Kayla também, como se estivéssemos vendo Kayla como qualquer outra pessoa vê suas fotos e vídeos dentro do filme, tudo isso para ressaltar a importância que as redes sociais e a personalidade criada para o meio digital tem na vida das pessoas, adolescentes sobretudo, hoje. Existe uma pressão para seguir um certo modelo de ser mulher, melhor ilustrado pelas “digital influencers” do Instagram, sempre exalando felicidade, roupas caras e rotinas de beleza, mas, o que acontece do outro lado da tela ninguém fala: a sensação de ser/estar sempre insuficiente.
Minha cena favorita do filme acontece quando Kayla procura fazer uma nova amizade com o menino que encontrou na festa de aniversário de uma garota popular da escola, Gabe. De cara já percebemos que ele não está tão preocupado quanto Kayla com o que outros vão pensar de sua aparência, tanto que ele emerge da água usando uma máscara de mergulho incompatível com o status de “garoto legal”, bem como ele é o único que começa a conversar com ela de forma espontânea e sincera. Em um primeiro momento, Kayla rechaça a clara identificação entre eles, tentando evitá-lo, mas, após algumas experiências quase traumáticas e um processo de amadurecimento natural, ela tem uma conversa importante com seu pai, que diz amá-la do jeito que ela é, parece clichê mas para uma menina de quatorze anos, é uma mensagem potente e libertadora. A partir disso, ela decide procurar Gabe e abrir a possibilidade de uma amizade baseada em gostos afins e em identificação, o que indica um processo de autoaceitação, bem diferente das amizades que tentava forçar na escola, baseada no ideal de ser exatamente como aquelas meninas populares.
Dessa forma, recomendo fortemente este filme, o que a obra conseguiu alcançar foi criar um universo extremamente realista, com um humor perspicaz, ora leve ora pesado, e que reassegura valores importantes referentes à saúde mental de adolescentes. Não há generalizações possíveis em relação ao que é certo ou errado dentro de uma adolescência dita “normal”, mas, justamente apostar no singular e no que faz bem para cada pessoa, dentro do processo de amadurecimento de cada um parece ser o suficiente. Aguardemos as próximas produções da A24 e do diretor Bo Burnham, pois elas prometem.

Título Original: Eighth Grade
Direção: Bo Burnham
Duração: 93 minutos
Elenco: Elsie Fisher, Josh Hamilton, Emily Robinson, Jake Ryan, Daniel Zolghadri, Fred Hechinger, Imani Lewis, Luke Prael, Catherine Oliviere.
Sinopse: Kayla (Elsie Fisher), de 13 anos, como toda jovem do subúrbio americano, sofre na última semana do ensino fundamental – o fim de seu até agora desastroso ano da oitava série/nono ano – antes de começar a frequentar uma escola nova no ensino médio.

Trailer:

O que você pensou sobre o filme? Deixe seu comentário abaixo!

Deixe uma resposta