Crítica: Raiva (2018, de Sérgio Tréfaut)



O diretor Sérgio Tréfaut é filho de um jornalista português e nasceu no Brasil durante o exílio político de seu pai. Viveu por aqui até os dez anos de idade, até que seu irmão mais velho foi agredido brutalmente por soldados na época de ditadura militar. A família do diretor foi então para a França, país natal de sua mãe, onde ficou até os 23 anos e se formou em filosofia. Depois voltou para Portugal, para começar sua carreira no cinema. 

É importante contextualizar a vida do diretor, para entendermos a importância de seu filme, que retrata uma família durante a ditadura militar portuguesa pós Segunda Guerra Mundial e toda a pobreza que existia na região sul de Alentejo (local de nascimento de seu pai). 

O filme conta a história de uma família que é assolada por uma tragédia. Tudo começa quando Antônio Palma, o protagonista da trama, é obrigado a assumir a função de proteger sua família e garantir seu sustento, após seu pai cometer suicídio. Palma vira um contrabandista que faz negócios na fronteira de Portugal com a Espanha, e durante toda a jornada, vamos conhecendo mais a fundo o personagem que o ator Hugo Bentes dá vida. 

Sérgio Tréfaut, diretor do longa. Sua carreira se baseia em ficções e não-ficções 
que buscam a problemática das ditaduras
Em relação aos aspectos técnicos, a primeira coisa que chama atenção é a montagem. O realizador escolhe começar sua obra nos contando a resolução da trama, como acontece em Beleza Americana, por exemplo. Cria-se a expectativa de que a história que será contada para chegar até aquele final, indique algo surpreendente; algo inesperado na história, ou até mesmo um bom suspense, já que ao colocar quem assiste a par dos acontecimentos, antes dos personagens, a intenção esperada é que ao menos uma vantagem o espectador terá em relação àqueles personagens. 

Mas logo percebemos que a história não é, e nem se propõe ser, mirabolante. Não acontece nenhuma virada notável e o espectador, que já sabia o destino daquela família, não recebeu qualquer recompensa do roteiro durante o filme. No fim, abrir a história com a conclusão da trama parece apenas uma decisão infeliz na hora da edição. O que quebra com a morosidade da película, é muito mais uma questão subjetiva do personagem principal, do motivo de suas escolhas e a relação que este tem com o ambiente e situações à sua volta. 



Outro aspecto técnico questionável, é a fotografia. Se vocês repararem no trailer (que está ao fim dessa postagem), vocês podem notar que a obra se pauta nos belos cenários amplos, e a escolha pelo preto e branco ajuda a enfatizar a emoção dos personagens, explicitando o que eles estão sentindo. Mas, no geral, as movimentações e técnicas como os excessivos zoom ins e zoom outs da obra, deixam tudo com uma cara muito novelesca, e os atores masculinos com um ar extremamente falastrão. A intencionalidade por trás do falastronismo também não se realiza, não há nenhuma retomada ao western estilizado em Raiva, como os filmes do começo da carreira de Clint Eastwood. Porém, as escolhas dadas aqui, deixa os personagens parecendo mais vindos de um seriado noir, com detetives anti-heróis soturnos e de poucas palavras. 

Ou seja, não existe nada estilístico, que traga a obra para o século XXI. Tirando a óbvia qualidade da imagem, nada proposto no filme foge do óbvio, que já foi apresentado no cinema nos anos 50 ou 60. O filme é uma rasa homenagem a seguimentos da época, mas apenas isso. Pois, o mínimo que se espera ao não trazer nenhuma inovação é que se beire ao impecável tecnicamente, já que há centenas de obras do mesmo estilo para se espelhar. Mas Raiva passa bem longe dessa perfeição. 

Entretanto, para falar de pontos positivos, quando o roteiro busca a sutileza para nos mostrar o sentimento do personagem principal, faz isso sempre com muito esmero. A raiva que dá o título ao filme trata do que o homem sente por ter noção de sua realidade. Todos ali sabem que são pobres, e que morrerão pobres e sentem vergonha por isso. Já Palma, tem uma postura menos passiva diante de tudo isso, e mesmo com suas fraquezas, ele quer mudar a realidade de sua família em um sentido estrutural. Para ele, é mais importante recuperar as terras da família, do que conseguir dois pães para impedir a fome na sua família a curto prazo, por exemplo. Palma ultrapassa inclusive a cobrança moral da sociedade diante dele, agravada pela condição de seu filho mais novo que exige cuidados especiais.

É na quebra do silêncio dos momentos mais pacatos do filme, sempre associados aos olhos fixos do protagonista na tela, que conseguimos entrar na mente dele apenas pelo seu olhar, e enxergamos ainda mais claro o contraponto de sua raiva em relação à vergonha que os pobres sentem por serem pobres.



A história de Raiva é recheada de significados e fala de uma forma muito sutil sobre a negligência dos governos para com as questões sociais de seus povos, que marginaliza a população periférica, para então prendê-los ou matá-los com o respaldo da lei. 


Porém, a escolha de estilo que o diretor empregou no projeto, tira um pouco da força da história e da profundidade do roteiro.

“Rico é rico, nasce rico e morre rico. Pobre é pobre, nasce pobre e morre pobre.”




Título Original: Raiva

Direção: Sérgio Tréfaut

Duração: 100 minutos

Elenco: Isabel Ruth, Leonor Silveira, Hugo Bentes


Sinopse: Nos remotos campos do Baixo Alentejo, no sul de Portugal, a miséria e a fome assolam a população. Quando dois violentos assassinatos acontecem em uma só noite, um mistério toma o lugar: qual poderia ser a origem desses crimes?

Trailer:

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