Crítica: Durante a Tormenta (2018, de Oriol Paulo)

Após grandes sucessos de público como A Casa de Papel e filmes muito bem produzidos como O Guardião Invisível e Um Conto Chinês, o serviço de streaming da Netflix vem atualizando seu catálogo com produções espanholas que valem e muito seu tempo. A mais recente aquisição é o filme Durante a Tormenta, que traz um roteiro ousado se pararmos para pensar em todas as histórias que se mesclam aqui. Temos um quebra cabeça muito bem bolado e com um enredo que te prende desde o primeiro momento. Vou me aprofundar a seguir, se quiser saber mais sobre esse belíssimo filme, continue lendo!

Vera (Adriana Ugarte) é uma mulher feliz, casada
com David (Álvaro Morte, A Casa de Papel) e que tem uma filha pequena, chamada
Glória (Luna Fulgencio). Todos mudaram recentemente para uma casa em que, sem
saberem, foi o centro de uma morte. Após o jantar com seu vizinho e amigo, eles
ficam sabendo que Nico, o garoto que morava nessa casa, descobre que seu vizinho matou a
esposa e ao fugir, acaba sendo atropelado. Uma verdadeira tragédia. Mesmo sendo
uma história forte para ser contada em um jantar, acontecem algumas coisas que,
no momento, não entendemos ao certo, mas que são explicadas ao seu tempo. 

Graças à morte de Nico, seu vizinho Ángel (Javier Gutiérrez) confessa não só o assassinato da esposa, como o que ele pretendia fazer para sumir com o corpo. 

Porém,
algo inesperado acontece: após o jantar, Vera e David estão arrumando algumas
caixas e encontram dentro de um armário uma televisão antiga, junto com uma câmera
e fitas. Ao assisti-las, eles percebem que a gravação foi feita no mesmo dia,
só que em 1989, pasmem quando eles descobrem que o garoto na filmagem é o mesmo
da história contada no jantar. O engraçado é que, 25 anos depois, está
acontecendo uma tempestade igual ao dia fatídico, o que nos leva a pensar que,
ela possa ter sido o catalisador de tudo.



Nessa
mesma noite, Vera escuta a TV e percebe que tem algo de estranho acontecendo.
Ela é capaz de ver e interagir com o garoto que, supostamente, está morto. Em
um momento de desespero, ela diz a ele para não ir ao vizinho e nem sair de
casa. Para fazê-lo acreditar nela, ela diz o que irá acontecer um dia depois,
criando assim, a segunda vertente dessa história.

 

É
impossível não notar semelhanças com filmes como Efeito Borboleta e até mesmo no
complexo Donnie Darko. Uma vez que mexemos com o passado é óbvio que mudamos o
futuro. Viagens no tempo sempre trazem consequências drásticas às vidas dos envolvidos e Vera mal sabia o que lhe aguardava. 

A partir daqui vou tentar dar o mínimo de
detalhes possível para evitar spoilers, mas uma coisa é certa, o clima de
suspense é envolvente, assim como a personagem de Adriana Ugarte, que está
ótima. Ao acordar, ela começa a perceber com pesar que, toda a sua vida está do
avesso. Tudo o que ela lembrava nunca aconteceu de fato e o pior, ela não tem
uma filha nessa linha do tempo, motivo pelo qual ela busca de todas as maneiras
provar que ela não perdeu a razão, tentando desesperadamente “arrumar” essa
bagunça em que se meteu. 

Acaba conhecendo o Inspetor Leyra (Chino Darín), que a princípio parece receoso com a história mas que, com o tempo, parece comprar o que a mulher lhe diz. Começando a ajudá-la e recriando tudo o que ela lhe contava. Apesar das provas serem poucas e um tanto delirantes, ela aos poucos vai descobrindo coisas que, mesmo sem saber, não haviam mudado tanto assim. 




Ao longo de duas horas, descobrimos nos mínimos detalhes o que realmente aconteceu na noite da tempestade, e com muitas reviravoltas, sabemos quem eram os verdadeiros “vilões” da história. Claro que a direção usa e abusa dos acontecimentos para estabelecer as linhas temporais, e uma dica que eu lhes dou é: não perca os diálogos. Está quase tudo nas entrelinhas. No fim, tudo se encaixa como uma luva. Lá para o terceiro ato, o filme começa a ficar um tanto quanto arrastado, mas mesmo cansativo, a história continua nos prendendo, somos capazes de ligar alguns pontos sozinhos e mesmo ficando óbvias algumas coisas, não faz perder a vontade de terminar o filme.

A história cheia de segredos é o que a torna interessante e apesar de algumas poucas falhas, é um filme bem atrativo. Não é algo inovador no gênero, porém consegue nos manter firmes até o final. A fotografia é impactante pois é como se acompanhasse o humor da personagem principal, quanto mais perdida e desnorteada ela parece ficar, mais assustadora a tempestade se mostra ou o clima ao escurecer. Os momentos que o diretor usa como reviravolta são tensos e envolventes, e caso você tenha mente aberta, não deixa furos no final.

Bom, se por acaso você não viu o filme ou não terminou, eu diria para parar a leitura por aqui. Vou falar sobre algumas dúvidas que possam ter surgido durante as três linhas temporais criadas no filme, então é por sua conta e risco ler os spoilers!

Na primeira linha do tempo, da qual tecnicamente é a correta, somos apresentados a família perfeita de Vera, onde o ponto catalisador da história que a fez lembrar e não esquecer sua vida, foi a filha Glória. Ao avisar Nico que ele corria perigo, Vera mudou radicalmente a sucessão de fatos a seguir. Nico nunca foi atropelado, o vizinho nunca se entregou a polícia e assim, ele conseguiu ser feliz com sua amante até os dias atuais.

O que corrobora com a segunda linha do tempo, onde, a partir do fato de Nico nunca ter entregado o vizinho à polícia, a vida de Vera tomou outros rumos, ela conseguiu se formar e ser médica, nunca conheceu David como seu marido e nunca teve uma filha. O que não sabemos até então é que ela conhece Nico, ou melhor, Nico nunca esqueceu a mulher do futuro que apareceu em sua TV, mas agora ele aparece como o Inspetor Leyra. Mesmo tentando provar que o vizinho era um assassino, ele nunca foi capaz de tal coisa e ainda por cima, duvidaram de suas faculdades mentais na época. Com a ajuda de Vera, eles descobrem o lugar onde o corpo estava e então conseguimos ligar os pontos.

Uma coisa interessante a se dizer é sobre o diálogo no primeiro ato do filme, onde não sabíamos que a mulher que estava à mesa, no jantar na casa de Vera, era a mesma que matou a esposa do seu amante. Depois de descobrir isso, a sua reação à história contada sobre Nico faz muito mais sentido, ela fica extremamente nervosa e quase ofendida com o relato, o que não é para menos, perdeu o amor de sua vida que, se entregou, ao ver o que acontecerá a Nico, provavelmente por culpa, já que nunca foi seu intuito matar a esposa, ele queria contar a verdade e se separar. Mas enfim, assistam, foi um belo desfecho.

Voltando a segunda linha temporal, uma vez que o Inspetor Leyra consegue provar sua história depois de anos, ele deixa Vera descobrir a verdade sobre ele e então percebemos que a segunda linha temporal juntou Nico e Vera. Mas o fato dela nunca ter conseguido esquecer a filha, faz com que ela tome medidas drásticas para tentar consertar a linha do tempo. Ela deixa a cargo de Nico ligar a TV e conversar com o garoto do outro lado, se jogando do prédio a seguir.

Sem saber o que fazer, Nico (adulto), fala consigo mesmo, porém criança e lhe dá algumas tarefas a cumprir. Não sabemos o que ele fala para si quando criança, então tecnicamente, podemos deduzir que há uma nova linha temporal criada, já que os fatos do passado muito provavelmente foram alterados a partir do que ele disse aquela noite. Lembrem-se que, quando Nico (adulto), fala consigo mesmo ainda criança, ele já tinha conversado com Vera, ou seja, o crime já havia ocorrido e ele continuava vivo. Pode ser que ele tenha dito para Nico nunca ir ao vizinho tal dia ou deixar essa história de lado, ou disse para ele nunca ir em determinada estação de trem ou até mesmo para ele quebrar a TV. Mas acredito que, o que quer que se tenha dito esse dia, foi o causador da “amnésia” do Inspetor Leyra ao ver Vera pela primeira vez.

Ah mas porque Vera lembra de tudo? Provavelmente porque ela deve se lembrar de ter avisado Nico pela TV e duas coisas que nunca mudaram nas linhas temporais foram: o assassinato e o amor de Vera pela filha. Provavelmente isso deve ter segurado suas lembranças ou foi só uma jogada da direção para dar sentido ao final da história.

Espero que tenha ajudado a tirar algumas dúvidas que surgiram ao final do filme. 



Título Original: Durante la
Tormenta

Direção: Oriol Paulo

Duração: 128 minutos

Elenco: Adriana Ugarte,
Álvaro Morte, Chino Darín, Javier Gutierréz, Belén Rueda, Luna Fulgencio

Sinopse: 
A interferência entre dois planos paralelos, 1989 e o presente, faz com que
Vera, uma mãe feliz e casada, salve a vida de um menino que viveu a 25 anos
atrás. Mas as consequências de sua boa ação provocam uma reação em cadeia que a
faz acordar em uma nova realidade, onde sua filha nunca nasceu.

Trailer:
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