Crítica: A Mata Negra (2018, de Rodrigo Aragão)


Avaliar um filme de terror feito em território nacional se faz necessário, antes, colocarmos algumas coisas em perspectiva. O gênero não somente fica no segundo plano como temos certa dificuldade de inserção de um filme brasileiro dentro do Brasil. Então, assistir um filme nacional de terror é, no mínimo, gratificante, pois mostra que não estamos somente engessados ao “cinema novo” de Glauber Rocha, mas que incorporamos mais elementos do que somente a estética da fome e, a partir dos anos noventa, no que podemos chamar de cinema de retomada, de que estamos produzindo novos tipos de histórias com as peculiaridades do Brasil. 

Na trama, Clara é uma jovem garota que mora em uma pequena casa na mata com seu pai adotivo, que possui uma pequena venda de medicinas caseiras. Clara
tem o desejo de ir morar na capital. Após um encontro inesperado
com um estranho homem à beira da morte, ela ganha um livro de capa preta
para realizar uma missa negra e salvar a alma do homem, mas com a
condição de queimar o livro em seguida. Na incapacidade de terminar a
tarefa, Clara inicia uma série de acontecimentos que afetam sua vida e a
de todos ao redor para sempre.

A Mata Negra é um filme razoável. Entrega o que promete, misturando de boa forma os elementos das superstições brasileiras sobre sua própria cultura e estrangeiras, usando as lendas de São Cipriano e seu livro de magia, como também a crença cega e desenfreada de igrejas relacionadas ao cristianismo. O jogo de bem e mal aqui deixa tênue quem, de fato, é o vilão e quem é o inocente, colocando um caráter “cinza”, não maniqueísta, nos personagens, deixando-os mais interessantes, imprevisíveis. A umbanda é um elemento que passa pelo filme de forma bem discreta através do pai de Clara (Markus Konka), como um pequeno flerte, mas é bem colocada no contexto, sem cair em clássicas suposições ou estereótipos. É possível construir uma boa história de terror com todos esses materiais.

A direção e roteiro são bem encadeados e ambiciosos. Mostra que o diretor Rodrigo Aragão está de cabeça no projeto e já possui determinada experiência em dirigir e escrever filmes do gênero, colocando A Mata Negra
em um universo de antologias que fica claro ao longo da narrativa que
podem seguir para rumos bem diferentes, bem livremente. Ainda, não tem
medo de inserir sangue nas cenas, algumas vezes até beirando um “gore à
brasileira”, que aqui eu, como fã do gênero, achei uma boa colocação. O
que quebra um pouca essa boa lógica está na série de desventuras da
protagonista Clara (Carol Aragão). Em alguns momentos, a série de
infortúnios da garota parece relativamente exagerada. Alguns elementos,
como a má utilização do livro negro de São Cipriano, poderiam
justificar tal ponto, mas este está inserido durante toda a narrativa,
mesmo antes do contato de Clara com o livro, deixando a sensação de uma
maré de azar piorada com bruxaria.




O plano da câmera é sempre próximo ao dos personagens, dando não somente uma sensação de intimidade com a cena, mas também coloca o universo do filme numa escala imperceptível ao espectador. A mata, o grande cenário do filme, graças ao modo como fora captada pela câmera, acaba ganhando uma grande dimensão, permitindo e fortalecendo a lógica de que todos os ambientes da vida de Clara são e estão na mata.



O que peca no filme são as atuações e a trilha sonora. Os atores parecem não ter muita experiência, ao contrário do diretor, dando determinada sensação de que o elenco e a direção estão em patamares diferentes de complexidade. Visto que Rodrigo Aragão também é o roteirista, nota-se de cara a ambição do projeto, citada anteriormente. Desde um bom encadeamento de enredo e a própria colocação do filme dentro de uma série de antologias. Mas, como dito antes, os atores escalados não parecem seguir o mesmo ritmo, com atuações medianas e, algumas vezes, inexpressivas. A trilha sonora entra em uma questão parecida. Os sons de suspense e terror, para causar agonia, susto e medo, parecem sons prontos, efeitos parecidos com os utilizados em novelas, não dando tanta força ao momento almejado no filme. As cenas de pancada ou mutilação são o exemplo disso, em alguns momentos em que o som é importantíssimo para uma cena que não mostra a morte ou o ferimento, toda a capacidade de choque fica na trilha que não dá a força necessária, situação que mesclada ao “gore à brasileira” acaba por dar um efeito contrário ao desejado.

Mas que fique claro: A Mata Negra está no mesmo nível, ou até mesmo maior, do que muitos filmes de terror produzidos em terras estrangeiras. Saber que o cinema nacional está ganhando força com filmes de gêneros pouco explorados dá um ânimo gigantesco, principalmente vendo as capacidades e pretensões do diretor. É um filme que contém pontos que poderiam ser melhores, mas que representa um caminhar em direção a um horizonte de produções excelentes, salientando uma força que acreditam, principalmente os mais desinformados, não existe no cinema nacional.

Título Original: A Mata Negra

Direção: Rodrigo Aragão

Elenco: Carol Aragão, Markus Konká, Jackson Antunes, Clarissa Pinheiro e Francisco Gaspar

Sinopse: Numa floresta do interior do Brasil, uma garota vê sua vida mudar terrivelmente quando encontra o Livro Perdido
de Cipriano, cuja Magia Sombria, além de outorgar poder e riqueza a
quem o possui, é capaz de libertar uma terrível maldição sobre a terra.

 Trailer: 

 
Gostou do filme? Mais ainda da crítica? Deixe aqui nos comentários o que achou e não deixe de acompanhar a programação do MVDC.

Deixe uma resposta