Crítica: Até o Limite da Honra (1997, de Ridley Scott)

Não é novidade para ninguém a exclusão das mulheres de certos ambientes por conta do machismo, principalmente em lugares como Exército, Marinha e Aeronáutica. Homens costumam ver as mulheres como o sexo frágil e não importa o que elas façam ao longo do tempo para provar o contrário, esse rótulo é muito difícil de ser arrancado dos cérebros masculinos, tornando, assim, muito difícil a inclusão das mulheres nesses determinados ambientes, visto que, quase numa totalidade absurda, são comandados por homens. 

A Senadora Lilian DeHaven (Anne Bancroft) mostra um suposto incômodo com a falta de respeito e espaço para as mulheres nesses ambientes militares, e diz que só aprovará a candidatura do futuro ministro da Marinha caso ele faça alguma coisa para mudar esse cenário. Contra a sua vontade, ele acaba cedendo ao pedido da senadora, mas com uma única condição: uma mulher será enviada para fazer o mais difícil treinamento militar, com a duração de três meses. Se ela aguentar até o fim, mulheres terão espaço na Marinha, caso não aguente, essa ideia deve ser esquecida. O futuro ministro só sugere essa condição porque acredita que uma mulher, independente de quem fosse, não aguentaria uma semana no treinamento. 


Nesse contexto, Até o Limite da Honra vai contar a história de uma mulher, a Tenente Jordan O’Neill (Demi Moore), que por conta de um jogo político da senadora, acaba sendo enviada para um centro de treinamento militar para fazer o mais intenso programa de seleção especial militar, cujo seu desempenho vai decidir o futuro das mulheres na Marinha. O’Neill, animada que algo tão grande e significativo dependa dela, adentra sua missão preparada para tudo que lhe espera.


Assim que ela chega no centro já começa a sofrer os mais diversos tipos de rebaixamento e assédio, e ao invés de se sentir inferiorizada ou com medo, ela usa desses abusos para se fortificar cada vez mais. Quanto mais a hostilizam, mas ela sente vontade de se mostrar capaz! Conforme o treinamento vai passando ela percebe que os oficiais estão lhe tratando de forma diferenciada só por ser mulher, e ela não gosta nem um pouco disso e não esconde a sua insatisfação, deixando claro que não quer tratamento especial por conta de seu sexo, quer ser tratada como qualquer homem nesse treinamento é tratado.

Durante o filme, com todo o discurso e atitudes de O’Neill, fica muito clara a mensagem que ela quer passar. O lugar de uma pessoa, independente se for homem ou mulher, é onde ela quer estar e não onde a sociedade acha que ela deveria estar. Assim como muitos homens sonham em servir seu país, muitas mulheres partilham desse mesmo sonho, e não são os seios grandes e músculos menores que as tornam incapazes ou frágeis de exercerem as mesmas atividades. 


Outro ponto bastante relevante que merece ser mencionado aqui, é o pensamento inconsciente de que a vida das mulheres é mais preciosa que a dos homens. É nítido perceber isso em uma discussão que a recruta tem com o seu superior, que tenta sabotar o treinamento porque não acha que mulheres devem passar por essas coisas; porque acha inaceitável um pai de família receber o corpo de sua filha num saco preto ou, muitas vezes, nem chegar a receber. Como se fosse aceitável perder um filho, mas não uma filha. 

Uma coisa que me incomodou muito foi a atitude inicial dos outros recrutas com a chegada de O’Neill, enchendo-a dos piores desaforos só porque não aguentam ver mulheres ocupando posições que eles supunham que só o seu sexo poderia ocupar. O medo de serem desmasculinizados caso uma mulher faça algo tão bem ou melhor que eles é tão grande, que nos perguntamos: quem são os frágeis???


Um recruta negro foi o único a mostrar apoio à mulher assim que ela chegou ao centro de treinamento e isso mostra claramente que quem costuma sofrer preconceito, independente de qual seja, acaba sendo mais empático com outras pessoas, pois sabem o horror que é ser discriminado. As minorias sabem que não precisam conhecer a honra de uma pessoa para que ela seja digna de respeito ou defesa, porque eles, mais do que qualquer outra pessoa em condição de privilégio, sabem que ninguém é melhor do que ninguém e todos deveriam ser tratados de forma justa e humana.


Esse filme, que é tão lindo e tão importante, pode pecar um pouco na qualidade da edição de algumas cenas de ação, embora a maior parte delas sejam bastante eficientes em seu propósito. Pela internet afora eu já vi reclamações no que diz respeito à rapidez em que certos personagens são apresentados, não dando tempo suficiente para que eles se desenvolvam no filme. Claramente quem faz esses tipos de apontamentos não entendeu muito bem que a ideia do filme não é mostrar o desenvolvimento dos homens em relação a aceitação da mulher num ambiente que era considerado masculino, mas, sim, na inserção das mulheres nesses ambientes e em como pode ser difícil de lidar, mas não impossível. 

O destaque especial vai para Demi Moore e Viggo Mortensen, que mais do que quaisquer outros, roubam todas as cenas com suas incríveis e bem sucedidas atuações. Demi, ao raspar o cabelo, dá ainda mais sentido à sua personagem, fortificando ainda mais a mensagem de que feminilidade é um conceito imposto pela sociedade e que ela não será menos mulher porque decidiu raspar a cabeça para ajudá-la no bom desempenho de sua missão, assim como qualquer homem é obrigado a fazer. E Viggo, no papel do rigoroso Master Chief, consegue dar vida ao poderoso e cruel instrutor militar, que não exita em nenhum momento em tratar O’Neill da mesma forma que os homens são tratados: sofrendo os piores tipos de tortura física e mental, com resquícios de abusos de poder, mas, claro, tudo em prol da segurança caso eles realmente entrem em combate (sintam a minha pitada de ironia aqui).


Ridley Scott, também diretor do filme Thelma & Louise que, aliás, faz uma discreta homenagem às suas clássicas personagens numa cena de bar aqui neste filme, sabe como fazer um bom trabalho. Todos os quesitos técnicos casam em perfeita harmonia, mas nada é tão incrível quanto a mensagem empoderadora que esse filme nos presenteia, entregue pela maravilhosa Demi Moore. 



Título Original: G. I. Jane

Direção: Ridley Scott

Elenco: Demi Moore, Viggo Mortensen, Anne Bancroft, Jason Beghe, James Caviezel, Morris Chestnut, Kevin Gage, David Vadim, Josh Hopkins, Boyd Kestner, John Michael Higgins, David Warshofsky, Angel David, Lucinda Jenney e mais.

Sinopse: Após a pressão de uma senadora (Anne Bancroft) de ideias aparentemente feministas, uma oficial (Demi Moore) torna-se a única mulher em um grupo de elite da Marinha Americana e no treinamento terá de provar que pode suportar semanas de tortura física e emocional, com poucos acreditando que ela possa vencer. Na verdade alguns altos oficiais do governo e até mesmo a parlamentar que lhe apoiou estão torcendo pelo seu fracasso.

Trailer:

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