Crítica: Ilha de Cachorros (2018, de Wes Anderson)




Na longínqua e distópica cidade de Megasaki, o corrupto Prefeito Kobayashi, descendente do império familiar ao qual carrega o nome, lidera um excêntrico plano em resposta à sua dinastia protetora absoluta dos felinos, para exilar todo e qualquer cachorro que caminhe sobre a mesma cidade. Incriminados por serem portadores de uma doença sem cura, milhares de cachorros são enviados para uma ilha, antes usada como depósito de lixo, e é nesse contexto que Atari Kobayashi, sobrinho do tirano, entra em cena, partindo destemidamente num pequeno avião em busca de seu amado cachorro Spots. Agora vamos conversar sobre como uma sinopse bem resumida pode esconder toda a preciosidade de uma obra.


Ilha de Cachorros é o décimo quinto filme da brilhante e metódica carreira do cineasta Wes Anderson, para esse homem dispensamos comentários. Responsável por algumas das maiores realizações da fotografia no cinema contemporâneo (Moonrise Kingdon e O Grande Hotel Budapeste), o diretor entrega desta vez uma história que se diferencia das outras já contadas por ele. Conhecido por aplicar aos temas já batidos do cinema, como o amor, uma visão mais sucinta e fácil de se digerir, Wes surpreende seu público com uma trama recheada de críticas às políticas do ocidente e oriente, acompanhadas de um humor ácido camuflado nas entrelinhas do texto. Sua facilidade em dar valores éticos e morais aos animais que aparentemente não os carregam cria uma relação amigável entre o público e os personagens, algo já reproduzido com êxito anteriormente em O Fantástico Sr. Raposo.










Entretanto, as barreiras que separam a consciência do homem e do cão se dissolvem, levando essas duas realidades a coexistirem de forma natural mas não saudável, já que são os cachorros que assumem o papel de submissos nesse universo e os homens, o de dominante (como de costume). Levando essa desigualdade em conta, podemos perceber as inúmeras referências entregues para nossa livre interpretação. Alguns momentos remontam a um passado remoto em nossa história; facilmente podemos ser levados a enxergar na família Kobayashi, e sua adoração por gatos, um resquício visual e metafórico do nazismo; já nos cachorros, como esperado, a tensão remete à penúria da sociedade judia no séc. XX. Genocídio é um termo pesado, mas correto de ser usado aqui, perto da harmonia que envolve o longa não se encontra outra palavra que resuma mais o sentimento de ódio e vertigem à sociedade canina do que preconceito. Mas, deixando a crítica social de lado, partimos para o que realmente anseia um filme construído do zero por Wes Anderson: a fotografia e a narrativa.







A fotografia é absolutamente incrível, ponto. As produções que fazem o uso do stop motion ou acertam gloriosamente (vide Coraline, 2009), ou erram tragicamente em sua qualidade (vide Worms, 2013), nesse caso, a glória é entregue ao público com toda a tragédia possivelmente evitada durante a produção, a busca pelo êxito na qualidade poderia acarretar erros de continuidade e a perda da marca assimétrica do diretor, mas isso não acontece em momento algum. A perfeição na construção do design de personagens é de tirar o fôlego quando se foca nos detalhes, os cenários montados se integram a desenvoltura dos bonecos, levando a um visual majestoso que, nas palavras de qualquer fã assíduo do trabalho de Wes Anderson: “poderiam ser seu plano de fundo do desktop facilmente”.







A narrativa normalmente não sofre a influência da bagagem visual de um filme já que essas áreas são divididas com seus respectivos profissionais (exceto no caso da produção de storyboards), porém, adivinhem, outro acerto aqui pra conta do Wes Anderson: a narrativa flui pelos seus olhos num compasso rápido e auto-explicativo, não demora muito pra se perceber que os trinta minutos que você acreditava ter passado assistindo o filme, já somam quase uma hora. É dessa forma que a história nos é dada, sutilmente, como dito antes, os atos vão se desenrolando, os personagens vão ganhando personalidade e sua relação com as limitações enfrentadas por eles se torna uma mistura de imaginar, literalmente, que o cachorro é o melhor amigo do homem, mas que o homem não aparenta ser um grande amigo para os cachorros.







Por fim, a narração é o que da vida aos bonequinhos de argila. Grandes nomes de Hollywood marcaram presença em uma reunião de elenco que muito lembra o que aconteceu em The Jungle Book (2016). Dessa vez, os protagonistas são assumidos por estrelas como Bill Murray, Bryan Craston, Edward Norton, Greta Gerwig e Scarlett Johansson, as vozes são eventualmente reconhecíveis, o que ainda assim não acinzenta a excepcionalidade desse trabalho conjunto, mais um ponto para Wes Anderson.





Tanto os cachorros: Chief, Boss, King, Duke, Spots e todo o resto da matilha; como os humanos: Atari, Major Domo, Tracy e todo resto da sociedade; são humanizados de forma idêntica, e aqui, perceptivelmente a ideia do diretor não foi expor de forma crítica as políticas adotadas pelos representantes de uma nação (mesmo que isso seja visível). Megasaki é o pior cenário para onde uma política totalitária pode caminhar, e atualmente, até onde sabemos, cidades assim não estão muito longe de se tornarem reais. A principal mensagem que Wes Anderson decidiu passar com suas metáforas embebidas de significado é que os animais são seres puros e inibidos da corruptibilidade do homem, por isso são tão merecedores quanto nós do espaço que povoamos, não existem ilhas que separem nossas existências, mas, infelizmente, o homem está fadado a reprimir o que ele considera “inferior”.






Título Original: Isle of Dogs 
Direção: Wes Anderson 
Elenco: Akira Takayama, Anjelica Huston, Bill Murray, Bob Balaban, Bryan Craston, Edward Norton, Frances McDormand, Greta Gerwig, Jeff Goldblum, Liev Schreiber, Roman Copolla, Scarlett Johansson, Tilda Swinton, Yoko Ono, entre outros. 
Sinopse: Atari Kobayashi é um garoto japonês de 12 anos de idade. Ele mora na cidade de Megasaki, sob tutela do corrupto prefeito Kobayashi. O político aprova uma nova lei que proíbe os cachorros de morarem no local, fazendo com que todos os animais sejam enviados a uma ilha vizinha repleta de lixo. Mas o pequeno Atari não aceita se separar do cachorro Spots. Ele convoca os amigos, rouba um jato em miniatura em parte em busca de seu fiel amigo. A aventura vai transformar completamente a vida da cidade.
Trailer:


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