Crítica: A Ghost Story (2017, de David Lowery)

Utilizando como recurso, a linguagem do cinema, A Ghost Story usa o luto e a solidão como pano de fundo para discursar uma alegoria existencialista de forma bastante visual e minimalista, nos fazendo refletir sobre o propósito da humanidade e nós mesmos.


Escrito e dirigido por David Lowery (Meu Amigo, O Dragão e Amor Fora da Lei), A Ghost Story é protagonizado por Casey Affleck (Manchester À Beira-Mar) e Rooney Mara (Carol). Ambos já haviam sido protagonistas no filme anterior de David Lowery, Amor Fora de Lei, no qual, segundo o diretor, conseguiram estabelecer uma boa relação,  razão pela qual o diretor optou pelos dois, visto que transpareceria melhor a figura de casal necessária para A Ghost Story




Casey Affleck interpreta C, um homem que depois que morre em um acidente de carro, se transforma em um fantasma e passa a coabitar com M (Rooney Mara), sua amada, na casa onde moravam. Como mesmo um lençol de uma cama king size não era o bastante para cobrir completamente o ator, a fantasia precisou ser feita à mão, se tornando mais pesada e com maior consistência. 


A premissa simplista de A Ghost Story nos leva a crer que o longa trará uma vibe meio Ghost: Do Outro Lado da Vida, ou que talvez, com um olhar mais sombrio, nos proporcionar um filme nos moldes de um terror de casa mal-assombrada com clichês pertinentes ao gênero, clichês que, aliás, são satirizados de forma até que cômica no longa. Apesar do primeiro e parte do segundo ato darem leves indícios da possibilidade de um dos dois gêneros prevalecer, a singularidade do roteiro, a temática visual e a trilha sonora de A Ghost Story logo fazem com que queiramos adentrar no universo e tenhamos a percepção de que mais do que um filme, ele se trata de uma experiência. Não à toa, o filme foi gravado em uma resolução 4:3 para aumentar a percepção da sensação de claustrofobia sentida pelo fantasma dentro de uma caixa. Foram adicionadas arestas arredondadas na pós-produção, não somente para enfatizar a ideia da caixa mas também para fazer alusão à um sentimento de nostalgia de estar olhando fotografias antigas.  

É preciso realmente se deixar levar pela narrativa proposta pelo filme para que consiga de fato apreciá-lo, e a primeira parada para embarcar nessa jornada acontece pouco depois da chegada de C, já como fantasma, à casa do casal, num plano sequência no qual M come uma torta durante pouco mais de 5 minutos. O primeiro enquadramento da cena mostra ela comendo a torta em pé, de forma ansiosa, meio triste, nos fazendo começar a acreditar que o longa, afinal, seria sobre o luto, o que meio que não faria muito sentido, se pensarmos na funcionalidade do fantasma no roteiro, no entanto, quando ela se senta próximo à pia, um novo elemento surge em cena, a figura de C. Essa sutileza existente entre os dois enquadramentos, a forma como os elementos se distribuem em cena e o tempo de duração do take são o primeiro convite que temos para embarcarmos nessa melancólica alegoria existencial. O tempo, aliás, se torna um personagem palpável dentro da trama justamente em momentos em que ações mais banais ganham uma importância desproporcional, como no caso da cena da torta. 

Sob a ótica de uma câmera subjetiva, o longa nos mostra a “vida” vouyeurista do fantasma, observando o cotidiano de M saindo e entrando na casa, alternando pela imagem de C, observando, isolado, sozinho, em um canto, acentuando o sentido da sua atual existência e o sentimento de solidão presentes. Apesar de haverem poucos personagens, poucos diálogos e praticamente somente a casa como cenário, o filme consegue transmitir com maestria suas ideias. Muito desse mérito se dá a fotografia do filme, que além de capturar ângulos bastante expositivos, consegue transparecer com precisão aquilo que o fantasma, embaixo do lençol, está tentando passar – quase como aquele olhar de Darth Vader dentro da máscara no final de O Retorno de Jedi

Diversos momentos a câmera fica em um plano bastante aberto, mostrando algum personagem em alguma atividade mais trivial por um take maior do que seria necessário, transmitindo assim uma ideia niilista sobre a natureza da ação e a existência do autor. Aliás, quase no final do segundo ato, há um discurso (que a meu ver, é bastante desnecessário, já que até então, tudo havia sido feito na base da interpretação visual) feito por uma das pessoas (Will Oldham) que chegam a morar na casa que reforçam a ideia. 


Momentos de morbidez e vazio são evidenciados quando circundam os personagens através do uso de uma paleta de cores mais fria, destoando-se de momentos mais vigorosos, com cores mais quentes.


No longa, a solidão está atrelada ao apego descomunal ao passado, ao que já se foi. Isso é ilustrado não somente pela figura de C, de M ou o fantasma abandonado na casa vizinha que se esqueceu quem estava esperando, mas também como uma metalinguagem dentro do próprio filme, que nos mostra somente a casa, quase como se estivesse nos dizendo que estamos aficionados, incapazes de ver além.   

A trilha sonora de Daniel Hart – que também já havia trabalhado anteriormente com Lowrey em Amor Fora de Lei e Meu Amigo, O Dragão -, é uma grande elegia poética à existência do ser humano, casando perfeitamente com o clima mórbido e triste do filme.  

“Você faz o que pode para garantir que 
continue presente depois que se for” 

A Ghost Story é um filme ousado e reflexivo, com um ritmo bastante lento – e não o digo de forma pejorativa – que prova que não precisa ter um orçamento milionário (o longa custou cerca de cem mil dólares) e nem diálogos memoráveis para contar uma boa história, mas sim, uma boa narrativa e muita criatividade.   



 


Título Original: A Ghost Story


Direção: David Lowery


Elenco: Casey Affleck, Rooney Mara, Kesha, Will Oldham, Brea Grant


Sinopse: Depois de sofrer um acidente de carro, homem morre e volta, na forma de um fantasma, à casa onde vivia com sua amada, onde passa a observar o cotidiano da mesma.


E aí? Viram A Ghost Story? Curtiram? Ficaram com dúvidas com relação ao final? Digam nos comentários o que acharam! 

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