Crítica: Elefante (2003, de Gus Van Sant)



O Massacre de Columbine, ocorrido em 1999 na Columbine High School, descrito como “o mais sangrento tiroteio em uma escola dos Estados Unidos”, foi mais uma tragédia sem sentido a manchar a história da humanidade, nos fazendo buscar motivos que permanecem sem respostas. Muito se foi discutido sobre controle de armas, se e até que ponto a violência nos videogames poderia ter influenciado, gangues do ensino médio e bullying; na cultura popular, o impacto do massacre foi refletido na música, televisão, literatura e no cinema, que produziu pelo menos 6 filmes relacionados direta ou indiretamente com a tragédia – entre eles está o premiado documentário de Michael Moore, Tiros em Columbine (2002), e Elefante, do diretor Gus Van Sant.


Elefante é um filme sutil que não assume uma ligação direta com o que aconteceu em Columbine, mas está cheio de referências, tanto sobre o ataque como também sobre o que foi dito a respeito da própria escola, que não tinha políticas de combate ao bullying. Tendo trocado o nome das personagens – apenas um dos atiradores permanece com o nome Eric, o que torna difícil não associar imediatamente a Eric Harris, não só um dos autores do tiroteio, como também identificado como mandante do ataque – e do local onde acontece a maior parte da história, citado como escola secundária de Portland, o filme acompanha um dia aparentemente comum na vida de alguns alunos, como sua rotina, relação familiar, hobbies e sonhos.

A escolha do verbo “acompanhar” não foi aleatória, afinal a câmera de fato segue cada uma das personagens apresentadas, acompanhando-as pelos corredores da escola, nos seus afazeres rotineiros, a depender da personalidade de cada um. Por exemplo, há um determinado estudante apaixonado por fotografia, então a câmera literalmente o segue até a sala onde são revelados os negativos; outra aluna trabalha na biblioteca, então a câmera a segue até lá, e assim sucessivamente. Tal técnica de direção passa uma sensação de realismo tão grande que parece até que estamos assistindo a um documentário. Todo o filme se passa no cenário da escola, com a exceção de algumas poucas cenas externas, e os poucos diálogos refletem esse realismo, visto que são conversas normais de estudantes, então é um roteiro bem “seco”, sem frases elaboradas e recursos literários. O fato de os atores, todos desconhecidos do grande público, assumirem seus nomes reais (com algumas poucas exceções) também contribui para o realismo que a obra busca atingir.


O recorte de Elefante é mostrar um dia comum na vida desses estudantes, e segue firme nesse propósito, não se limitando ao que acontece durante as aulas, mas também o que acontece fora delas. Por exemplo, mantendo a sutilidade, o filme relata algumas das práticas de bullying que acontece na escola, com tanta naturalidade que a ideia que passa é de que elas já estão enraizadas nos praticantes e internalizadas pelos que são alvos, como numa cena em que uma personagem feminina fora dos padrões é alvo de cochichos no vestiário. Quando ela sai, as garotas gritam “fracassada”; pelo semblante da jovem, percebe-se que este tipo de perseguição é comum. Além deste caso, durante uma aula um dos jovens que viria a ser um dos causadores do tiroteio, recebe uma bolinha de papel arremessada contra ele, enquanto o resto da turma ri. O ato simplesmente passa despercebido pelo professor.


Durante as cenas do ataque em si, o revanchismo dos agressores para com um dos membros da diretoria da escola revela o quanto ela era omissa e alheia aos conflitos sofridos pelos estudantes, o que por sua vez é uma denúncia e ao mesmo tempo um alerta para a falta de políticas de prevenção e punição para o bullying, pelo menos à época dos eventos. Mas obras mais atuais que recriam ambientes escolares, como a série 13 Reasons Why, mostram que pouco avançou em relação a isso, que as escolas continuam adotando um distanciamento quanto aos problemas emocionais e psicológicos dos alunos.


Outro diferencial do filme é que as personagens que aparecem logo no começo e ocupam boa parte da projeção são, justamente, algumas das vítimas da tragédia anunciada. Dessa forma, o filme coloca as vítimas como prioridade. O que é no mínimo curioso, pois atos de violência como o tiroteio em Columbine geralmente são transformados em filmes em que o (s) assassino (s) é o protagonista da história, e as vítimas são apenas alvos. Não há um desenvolvimento sobre quem foram essas pessoas, quais teriam sido seus sonhos e no que suas vidas poderiam ter se transformado. Com isso, o objetivo de Gus Van Sant parece ter sido fazer justiça, de alguma forma, às vítimas do massacre, que tiveram suas vidas interrompidas sem mais nem menos, exatamente como acontece no filme.

Por outro lado, há pouco enfoque no psicológico das personagens causadoras do ataque. O filme limita-se a mostrar algumas poucas cenas dos garotos: além da cena de bullying durante a aula, há outra dos jovens jogando videogame (um absurdo de tão clichê – será que o diretor concorda que videogames são um dos vilões da história?!) e outra deles planejando o ataque, com a fabricação de bombas caseiras e a coleção de armas de fogo – adquiridas pela Internet, com a facilidade do aperto de um botão. Entende-se o ponto de vista da obra, de não fazer dos assassinos os protagonistas, mas o que aconteceu em Columbine é algo muito mais complexo, não foi o resultado simplesmente de sessões de videogames violentos. O filme é muito raso nesse sentido.
Entretanto, o recurso de filmar as cenas várias vezes sob ângulos diferentes é um acerto e ajuda a entender o título do filme, o qual está relacionado a uma parábola budista que conta a história de três cegos que apalpam um elefante para tentar compreendê-lo. Um deles apalpa a tromba, outro a barriga e outro o rabo. Cada um ao seu modo compreende o animal de uma maneira diferente. Os três ficam com uma impressão do elefante sem compreender o que ele é em sua completude. Procurar enxergar o todo através da junção das partes, sem se “cegar” ao definir sua visão como sendo a única verdade, parece ser a mensagem final de Gus Van Sant para nos ajudar a entender e evitar não apenas esta, mas as muitas tragédias que continuam a acontecer em todo o mundo.




Título Original: Elephant


Direção: Gus Van Sant


Elenco: Alex Frost, Alfred Ono, Alicia Miles, Bennie Dixon, Brittany Mountain, Caroline Donovan Boyd, Carrie Finklea, Chantelle Chriestenson, Chet Rodin.


Sinopse: Um dia aparentemente comum na vida de um grupo de adolescentes, todos estudantes de uma escola secundária de Portland, no estado de Oregon, interior dos Estados Unidos. Enquanto a maior parte está engajada em atividades cotidianas, dois alunos esperam, em casa, a chegada de uma metralhadora semi-automática, com altíssima precisão e poder de fogo. Munidos de um arsenal de outras armas que vinham colecionando, os dois partem para a escola, onde serão protagonistas de uma grande tragédia.


Trailer:


E você, já assistiu ao filme? O que achou? Deixe seu comentário! 🙂

2 thoughts on “Crítica: Elefante (2003, de Gus Van Sant)”

  1. eu vi esse filme na telecine anos atrás, os moleque são doente da cabeça, por isso aprovo os animais mata essas porra no ninho antes de virar esses troços, vão ao psicólogo

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