Crítica: A Garota Desconhecida (2016, dos irmãos Dardenne)



Colocando em prática a mesma fórmula que
gerou os excelentes Dois Dias, Uma Noite, A Criança e Rosetta, os irmãos
cineastas Dardenne voltam para trás das câmeras exibindo A Garota Desconhecida,
uma história realista e rudimentar que busca em seu enredo cru realçar sua
simplicidade e impactar seu espectador com um suspense raso de um assassinato,
mas que acabam tendo o efeito contrário, deixando o longa-metragem cair em
características desinteressantes e uma atmosfera pouco atraente. Exibido em
diversos festivais e mostras, A Garota Desconhecida não conseguiu arrancar mais
que vários “ok” do público e da crítica – algo incomum se levar em conta a
filmografia dos diretores belgas.



Jenny Davin é uma médica focada em seu trabalho, que
quando não está submersa em exames e consultas, auxilia seu estagiário e
realiza visitas a domicílio de seus pacientes. Até que, em um dia a princípio
ordinário, não atende a campainha de seu consultório por passar do horário de
funcionamento e isso acaba interferindo no assassinato de uma jovem
desconhecida. Sendo consumida por culpa, a doutora Davin acaba traçando uma
pequena investigação particular, a fim de descobrir quem era a vítima, qual seu
nome e qual sua história – pois agora, não suportava a ideia dela ser enterrada
sem seu nome verdadeiro em um simples cemitério de indigentes, sem ao menos uma
lápide em sua homenagem.



A Garota Desconhecida explora as melhores
características dos Dardenne: câmera na mão, enquadramentos próximos, bom uso
da luz natural, cortes bruscos, pouca trilha sonora e planos-sequência curtos
(de um ou dois minutos) focados em diálogos. Tais características que se
tornaram os elos fortes de seus filmes anteriores, mas que curiosamente, não surtem
o mesmo efeito aqui. O que teria dado de errado? Na verdade, muito pode ser
explicado por um simples fator: o roteiro. Também escrito pelos irmãos
Dardenne, apresenta uma história simples com um objetivo direto, que apesar de
conter ideias bem interessantes, acaba configurando-se em apenas um thriller
satisfatório e nada muito impressionante. A ideia de que Jenny se envolve
pessoalmente no assassinato da garota desconhecida, em busca não do assassino,
mas sim apenas da identidade da vítima, é interessante por mostrar um lado
pouco explorado em suspenses desse tema, o lado empático e culposo de um
terceiro. O lado que explora mais o ser humano em si do que o mistério
propriamente dito. O efeito dominó e a verdade que corrói alguém são outros
pontos interessantes do enredo. E o pano de fundo (transparente a princípio,
que ganha forma ao decorrer do longa-metragem) usando o tema de imigração é
ousado e importante, dado os tempos em que vivemos hoje quando tal assunto vira
manchete dos jornais quase todos os dias.


No entanto, a narrativa demasiadamente arrastada
somada aos diversos pequenos mistérios com suas resoluções logo na cena
imediata seguinte – como a em que Jenny tenta fazer o garoto Bryan falar e a em
que ela vai ao trailer investigar – deixa a história cansativa. A falta de
construção da personagem principal, a qual nós apenas conhecemos por sua
constante obsessão de ajudar todos e consertar tudo (o mistério do assassinato,
a desistência de seu estagiário Julien, a vergonha de Bryan e seu pai), acaba
nos remetendo à falta de empatia, falta de apego à personagem em si. A atuação
de Adèle Haenel é paradoxal, ao mesmo tempo em que a atriz está
confortavelmente bem em seu papel, falta algo para deixar sua personagem mais
interessante e com mais conteúdo – era extremamente necessário algo a mais,
afinal a protagonista é peça-chave dos acontecimentos finais e acaba residindo
apenas em uma construção rasa.




A direção dos
irmãos Dardenne é excelente, usando as mesmas particularidades usuais dos
cineastas. Os planos-sequência de breve duração são as cenas mais interessantes
do longa-metragem, que ajudam a construir a perspectiva realista do filme – a
cena em que Jenny é forçada a parar seu carro e é ameaçada por dois homens
desconhecidos, e em seguida, dirige emocionalmente abalada o caminho de volta
(sem nenhum corte) é muito bem feita. A edição e a montagem seguem um aspecto
seco e brusco, com cortes repentinos e sem desvios. A fotografia de Alain Marcoen
(Dois Dias, Uma Noite e A Criança) preza a iluminação natural, sem grandes
realizações, a fim de manter o aspecto realista proposital. A cinematografia é
outro ponto forte, voltada para enquadramentos inteligentes – os takes em que
filmam as costas da protagonista enquanto ela anda, com o intuito de
acompanhá-la como uma terceira pessoa a observar a história, é
interessantíssimo.


Um filme onde os problemas ofuscam as qualidades e as
boas ideias são pouco exploradas. A Garota Desconhecida tem muito de seu
potencial desperdiçado e não consegue se destacar nas características que foram
primordiais em muitos filmes dos irmãos Dardenne, principalmente em Dois Dias,
Uma Noite
. Um de seus pontos mais altos da carreira, onde muito de seu
brilhantismo se deve à excelente atuação de Marion Cotillard e a grande
complexidade por trás de uma personagem presa em uma situação difícil. Os
diretores belgas prezam o cinema “desnudado”, cru e realista. Porém, a
aplicação dessa fórmula não funcionou aqui, e A Garota Desconhecida pode ser
resumido como um thriller satisfatório, que poderia ter sido muito mais.

Título Original: La Fille Inconnue

Direção: Luc Dardenne, Jean-Pierre Dardenne

Elenco: Adèle Haenel, Jérémie Renier, Olivier Gourmet, Fabrizio Rongione, Thomas Doret, Christelle Cornil, Morgan Marinne, Marc Zinga, Myriem Akeddiou

Sinopse: Certa noite, após encerrar o atendimento no consultório, Jenny, uma jovem médica, escuta a campainha, mas não atende. No dia seguinte, a polícia informa que uma jovem desconhecida foi encontrada morta perto dali.


Trailer:



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