O documentário ainda é um gênero subestimado no cinema.
Frequentemente ainda se referem a ele como um meio menor em relação às
possibilidades narrativas das obras de ficção. É verdade que nessas últimas há
uma maior gama de possibilidades de forma e estilo, mas as temáticas e as
abordagens dos documentários os transformam numa poderosa ferramenta geradora
de debate e empatia. Não há fonte mais verdadeira e capaz de servir de espelho
para nós do que aquela que usa a própria realidade como forma de arte. Ainda
por cima, são fontes de informação capazes de multiplicar nosso entendimento
sobre as coisas e expandir nossa visão sobre o mundo.
É impossível que qualquer ser humano dotado de um cérebro e
um “coração” não se sinta movido por obras como Como Sobrevier a Uma Praga
(David France, de 2012), que fala sobre a comovente luta da comunidade LGBT contra
a epidemia da AIDS na década de 80, nos EUA; ou A Guerra Invisível (Kirby Dick, de 2012), sobre os inúmeros casos de mulheres estupradas por companheiros no
exército americano e como as ocorrências são abafadas pelo governo.
Os temas dos filmes não precisam ser naturalmente
problemáticos ou serem dotados de inata importância social ou política. Veja o
caso de À Procura de Sugar Man (Malik Bendjelloul, de 2012), que mostra a
emocionante história do músico desconhecido Sixto Rodriguez e como ele se
tornou um mito na África do Sul; ou A Um Passo do Estrelato (Morgan Neville, de 2013, disponível na Netflix), a história dos cantores de apoio e como eles foram fundamentais para o
sucesso dos maiores nomes da história da música.
Abaixo listo ainda outros excelentes exemplares que, como os
citados acima, foram indicados ao Oscar nos últimos 7 anos:
Lixo Extraordinário (João Jardim, Karen Harley, Lucy Walker,
de 2010) – belo documentário brasileiro sobre a vida (e arte) dos catadores de
lixo num dos maiores aterros sanitários do mundo, no RJ.
Trabalho Interno (Charles Ferguson, de 2010) – sobre a crise
econômica de 2008 e seus inconvenientes segredos.
Paradise Lost 3 (Bruce Sinofsky, Joe Berlinger, de 2011) – conclusão
da trilogia sobre um dos casos mais misteriosos de crime já documentados. Falo sobre ele e outros dessa temática (aqui).
O Peso do Silêncio (Joshua Oppenheimer, de 2014, disponível na Netflix) – pesado e
poético, acompanha familiares de vítimas de um genocídio na Indonésia
confrontando frente a frente seus assassinos e torturadores, que vivem
livremente nos dias de hoje.
O Sal da Terra (Juliano Ribeiro Salgado, Wim Wenders, de
2014, disponível na Netflix) – o belo trabalho e vida do fotógrafo mineiro Sebastião Salgado.
Cartel Land (Matthew Heineman, de 2015, disponível na Netflix) – impressionante e
um choque de realidade em testemunhar o nascimento de grupos paramilitares para
enfrentar os violentos carteis de drogas.
Virunga (Orlando von Einsiedel, de 2014, disponível na Netflix) – retrato da
dedicação admirável de alguns guardas florestais para proteger os últimos
exemplares dos gorilas da montanha, localizados no parque de Virunga, na
República Democrática do Congo. Falo sobre ele e outros temas similares (aqui).
Citizenfour (Laura Poitras, de 2014) – as imagens da
fatídica entrevista na qual Edward Snowden revela para os jornalistas a
espionagem civil encabeçada pelos EUA. O início de um grande debate sobre
segurança vs liberdade.
Amy (Asif Kapadia, de 2015, disponível na Netflix) – biografia da curta e marcante
vida e carreira de Amy Winehouse.
O fato é que todo ano os cinéfilos comparam os indicados em
diversas categorias, principalmente a de melhor filme, com os anos anteriores.
Há opiniões e opiniões acerca de um ano ser melhor que o outro, mas na
categoria de documentário, digo com convicção que o nível tem se mantido sempre
alto. Os exemplos acima tocam em temas de política, sociedade, meio ambiente,
intolerância, história, música, estudos de personalidade, etc. São todas obras
que abrem uma extensa janela sobre o mundo e tornam o poder da linguagem
documental sempre fascinante.
Em 2017, os debates sobre representatividade encadeados na
Academia nos últimos anos se refletiram nos indicados. Todos os cinco filmes
têm como base a tolerância, tendo três deles o racismo especificamente como um
dos temas principais. Vamos a eles:
A
13ª Emenda (Ava DuVernay, de 2016, disponível na Netflix).