Crítica: Ela (2013, de Spike Jonze)


“Uma bela história de amor em tempos de tecnologia”

Assim poderíamos definir resumidamente do que se trata este filme quando lemos uma sinopse qualquer. 
Acontece que a frase acaba se revelando vaga quando nos deparamos com os créditos finais deste trabalho excepcional de Spike Jonze.
O cinema, ao longo de sua história, já trabalhou diversas vezes com a temática da inteligência artificial, desde um futuro descolorido e distópico como o de Blade Runner, até um mundo mais otimista e saturado como o de O Homem Bicentenário. Não se pode negar jamais que o assunto seja fonte riquíssima de ideias e de abordagens (a ameaça de uma Skynet de repente não parece tão ficção assim). Em sua maioria, principalmente no cinema mais comercial, as obras sobre inteligência artificial quase sempre seguiram para um lado mais pessimista, com ares de urgência quanto à sobrevivência da raça humana.
Aqui temos Theodore Twombly, um escritor especializado em mensagens afetivas, que certo dia resolve instalar um novo Sistema Operacional em seu computador, o qual acaba se mostrando surpreendentemente humano. De certa maneira, é refrescante ver que o futuro próximo de Spike Jonze não parece desesperador, e sim apenas inevitável, mesmo que melancólico; e que sua principal discussão não seja sobre um perigo iminente, mas sobre como a humanidade interage consigo mesma e com o mundo.
Esse mundo, aliás, não se parece em nada com o futurismo mostrado nas produções da década de 80, com seus figurinos berrantes e exagerados, e suas ruas sujas e pessoas que parecem sair de um clipe musical. O design de produção aqui mostra apenas que o mundo está se tornando mais parecido com os gadgets tecnológicos e suas formas modernas. O contrário acontece com o figurino, que investe no visual retrô, desde as roupas de cintura alta meio setentistas até o próprio visual das pessoas, com seus cabelos e bigodes característicos. Essa aparente contradição talvez queira dizer ao público justamente que o universo concebido pelo filme quer se afastar daqueles que o cinema costuma produzir aos montes, ou não menos importante, quer dizer que temos esperança de não nos tornarmos artificiais com o tempo.
Aliás, o futuro próximo, neste premiado roteiro de Spike Jonze, revela mais sobre o protagonista do que que qualquer outra coisa. Mesmo investindo nas cores quentes, os ambientes parecem melancólicos por causa de Theodore. Logo nos primeiros momentos do filme fica evidente que ele é um sujeito com enorme sensibilidade e empatia. Seu trabalho é “escrever” (na verdade ele dita e um computador escreve como se fosse a mão) mensagens afetuosas entre parentes, namorados e amigos. E ele o faz com tal êxito que é frequentemente elogiado por outros. Não só isso, mas também em vários momentos, vemos que ele é capaz de observar e refletir sobre as coisas e outras pessoas como se isso fosse parte inerente de sua personalidade. 
Tudo isso podemos “ler” na tela porque seu intérprete é um ator de talento acima da média. Joaquin Phoenix constrói Theodore da maneira que sempre possamos enxergar quase uma dor física quando é confrontado por algum sentimento mais forte. A passividade no olhar e as constantes desculpas que pede a outros personagens revelam também um sujeito inseguro, principalmente depois do término de um casamento aparentemente feliz.
Essa insegurança faz com que Samantha, a voz de um trabalho impecável de Scarlett Johansson, caia como uma luva nas necessidades internas de Theodore. Sua voz é alegre, extremamente amistosa e humana, e é a partir daí que a idealização de Samantha é construída por Theodore e por ela mesma. O relacionamento dos dois, aliás, se mostra progressivamente natural. Há, no máximo, um estranhamento por parte de alguns, mas no geral, há uma naturalidade que é coerente com as carências dos personagens. A exceção é a ex mulher Catherine (Rooney Mara), que em certo momento o acusa de querer um relacionamento onde não tem de lidar com “problemas reais” de um caso convencional.
A necessidade de aproximação é tema constante no filme. Spike Jonze e o diretor de fotografia Hoyte Van Hoytema frequentemente enquadram Theodore de maneira que fique subentendido que a solidão sempre fará parte de sua vida, mesmo quando nos melhores momentos de seu relacionamento, ele ainda mantenha distância física das pessoas (sua tentativa de um encontro real é malsucedida). Podemos observar isso num breve e belo plano onde ele e Samantha estão num passeio de barco, enquanto ao fundo, um grupo de pessoas interagem “de verdade” entre si. Aliás, outro comentário curioso e constante do filme é que um sujeito que vive uma aproximação intensa com “alguém” o faça através de um dispositivo tecnológico, que é um símbolo recorrente e atual de como as pessoas tem se afastado uma das outras, mesmo em multidões.
Mostrando porque mereceu o prêmio de Melhor Roteiro Original no Oscar, o belo roteiro de Jonze jamais poderia se reduzir a somente “um filme de amor”. Será que viveremos num mundo onde buscaremos nos aproximar de alguém usando cada vez mais a tecnologia? Teremos que delegar nossas mensagens pessoais de afeto a uma empresa especializada? Não que a história de amor não seja belíssima, crível e calorosa, mas é que Spike Jonze nos emociona com uma profunda reflexão sobre como o ser humano está fadado a perseguir uma idealização de si mesmo e dos outros. É revelador que o par romântico de Theodore seja um sistema operacional dotado de imensa capacidade de raciocinar e “sentir”, isto é, um ser multidimensional, pois ele é uma grande alegoria de um alguém que moldamos por nossas necessidades, mas que jamais conheceremos de verdade (podemos notar isso também numa sequência em particular onde Samantha tenta “ganhar” um corpo).

Em um dos belos momentos do filme, Theodore reflete:

“Às vezes eu acho que já senti tudo o que eu deveria sentir na vida, e daqui pra frente, não vou sentir mais nada novo, apenas versões menores do que já senti” 

Será coerente questionar a validade de um sentimento por essa razão? Ao final, teremos somente uns aos outros, mesmo que estejamos fadados a buscar o ideal.
Título Original: Her
Direção e Roteiro: Spike Jonze
Elenco: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara, Olivia Wilde, Chris Pratt, Kristen Wiig, Bill Hader
Sinopse: Em um futuro próximo na cidade de Los Angeles, Theodore Twombly (Joaquin Phoenix) é um homem complexo e emotivo que trabalha escrevendo cartas pessoais e tocantes para outras pessoas. Com o coração partido após o final de um relacionamento, ele começa a ficar intrigado com um novo e avançado sistema operacional que promete ser uma entidade intuitiva e única. Ao iniciá-lo, ele tem o prazer de conhecer Samantha, uma voz feminina perspicaz, sensível e surpreendentemente engraçada. A medida em que as necessidades dela aumentam junto com as dele, a amizade dos dois se aprofunda em um eventual amor um pelo outro.




Trailer:







E você, o que achou dessa obra de Spike Jonze? Deixe seu comentário.




Deixe uma resposta