Crítica: O Sol da Meia-Noite (1985, de Taylor Hackford)



Na crítica de hoje, resgato este clássico que infelizmente não é tão lembrado. Mas certamente todos que gostam das lendárias canções dos anos 80 se lembram do single ‘Say You, Say Me’ de Lionel Ritchie. Pois bem, esta bela canção é a música tema deste grande trabalho chamado ‘O Sol da Meia-Noite’, um clássico de 1985, que às vezes parece meio esquecido no tempo. Em plena Guerra Fria e tensão entre Estados Unidos e Rússia (que durou até 1991), este filme foi lançado para mostrar um pouco de como este conflito influenciou algumas vidas e carreiras artísticas. A história traz um bailarino russo chamado Nikolai, que deixa seu país afim de fazer sucesso na América . Mas quando o avião em que está viajando é obrigado a pousar na Rússia, os agentes soviéticos da KGB fazem dele um prisioneiro desertor. Ele é obrigado a ficar sob os olhares de um casal: um sapateador americano negro e desertor e sua esposa russa. Em cima de toda pressão patriótica, cria-se uma história sobre amizade e amor à dança. 


Há várias curiosidades sobre o roteiro e a própria produção do filme que merecem certo destaque. O primeiro seria sobre o título, que faz referência ao sol da meia-noite siberiano, um fenômeno dos hemisférios norte e sul onde o sol fica visível 24 horas, por alguns dias próximos à chegada do verão. É interessante que a trama começa logo no início do fenômeno e termina com o encerramento do ciclo do mesmo. Outro ponto interessante é que parte do elenco realmente desertou da Rússia durante a Guerra Fria. O bailarino Mikhail Baryshnikov (o protagonista Nikolai) realmente saiu de seu país neste período. A talentosa e veterana Helen Mirren (sim, ela mesma de ‘A Rainha’ e ‘R.E.D. – Aposentados e Perigosos’), é inglesa, mas descendente de um desertor soviético. Então, de certa forma, o filme torna-se quase cinebiográfico, de certo ponto de vista. Muitos foram os artistas, políticos e pessoas influentes que tiveram de deixar aquele país e conseguir auxílio em terras distantes.


Ainda sobre o roteiro, sabe-se muito bem dosar drama histórico, cenas de dança, um pouco de romance e um leve toque de suspense. O drama e o romance nunca tomam proporções exageradas ou um dramalhão, tornando o filme crível e leve. O suspense está presente de maneira minimista, apenas para dar a sensação de espionagem, de tensão Estados Unidos versus União Soviética, algo similar aos antigos ‘007’. O que acaba de fato predominando e o que torna o filme marcante, são definitivamente as ótimas coreografias de dança. Um grande acerto foi usar bailarinos de verdade, em vez de atores. Poderia-se usar atores badalados da época e cenas cortadas e montadas, como na maioria das encenações de dança do cinema. Mas aqui contratou-se profissionais, que realizam belíssimos passos e coreografias de modo verdadeiro, cru e impressionante. Se Mikhail Baryshnikov estica suas pernas de maneira inacreditável, Gregory Hines entrega um sapateado embalado e igualmente belo de se olhar. E mesmo que em uns dois momentos as discussões deles passem um pouco do tom e com muitos gritos, eles conseguem atuar bem, entregando uma carga dramática e cênica aceitável.

Para mostrar o quanto as coreografias são verdadeiras, o diretor Taylor Hackford enquadra sua câmera nos atores e acompanha os movimentos, com sequências longas e sem cortes, impressionando com algumas tomadas. Por momentos, a câmera encontra-se perto do chão, para acompanhar os pés dos protagonistas, como se estes pés fossem personagens atuando naquele momento. A trilha sonora ajuda no ritmo, sendo belíssima e tipicamente oitentista. Emplacou dois sucessos onde ambos concorreram ao Oscar de Melhor Canção Original: ‘Separate Lives’ de Phil Collins e a vencedora ‘Say You, Say Me’ de Lionel Ritchie. 


Entre as mulheres, temos Isabella Rossellini; filha da icônica Ingrid Bergman. Mesmo que podendo ser melhor explorada, já apresentava boas características como atriz. E temos a participação da grandiosa Helen Mirren, que mesmo mais jovem, já apresentava beleza e um porte em cena de respeito. Apesar de coadjuvante, Mirren já conseguia brilhar desde aquela época. Se Meryl Streep é a rainha do cinema, Helen Mirren é a vice rainha e tão majestosa quanto. Curiosamente, após filmar este filme, Mirren casou com o diretor Taylor Hackford. 

Talvez um dos poucos defeitos do filme seja o teor americanizado, defendendo os Estados Unidos como os “bonzinhos” do conflito. Bem, até certo ponto. Há diálogos em que se debate sobre como os americanos encaram algumas questões, principalmente no sentido preconceituoso com relação aos negros. Mesmo que não sendo perfeito, é quase. Ao longo de duas horas e quinze minutos, não ficamos entediados e torcemos para que tudo acabe bem. O timing tanto dos diálogos quanto das danças da dupla protagonista é certeiro. Acima de tudo, é uma obra que traz uma história simples mas sincera, sobre a amizade de um branco soviético desertor e um negro americano desertor. Ambos sem nação, mas apaixonados pela arte, pela música e pela dança. Um filme muito bonito, que merece ser redescoberto. 

NOTA: 9




Título Original: White Nights


Direção: Taylor Hackford


Elenco: Mikhail Baryshnikov, Gregory Hines, Helen
Mirren, Isabella Rossellini, Geraldine Page, Jerzy
Skolimowski, John Glover, william hootkins.


Sinopse: Nikolai Rodchenko (Mikhail Baryshnikov) é um bailarino da União
Soviética exilado nos Estados Unidos que é aprisionado pela KGB quando seu
avião sofre uma pane e pousa em território soviético. Lá tem contato com
um bailarino americano, que desertou do exército na época da Guerra do Vietnã,
foi morar em Moscou e está casado com uma russa.






Trailer: 



Canção ‘Say You, Say Me’, de Lionel Ritchie:


  

  

  





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