Crítica: Demônio de Neon (2016, de Nicolas Winding Refn)




O diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn já chamava a atenção na sua terra natal, mas foi ao céu no Festival de Cannes em 2011 quando apresentou ‘Drive’, sua obra de maior impacto até então. Dois anos depois, também em Cannes, Refn foi ao inferno com ‘Só Deus Perdoa’, um filme de visual lindo, mas tão excessivamente abstrato que parece ser chato e vazio. Eis que agora ele retornou novamente em Cannes, causando frenesi e com um ótimo marketing visual, trazendo sua nova obra, intitulada ‘Demônio de Neon’. Se em 2011 ele foi ovacionado e em 2013 foi vaiado, agora em 2016 seu novo filme dividiu muito as opiniões. Alguns vaiaram, outros elogiaram a coragem. O filme dividiu a crítica, com notas e percentuais de 50%. Muitos odiaram. Outros amaram. Realmente um divisor de águas e opiniões. O que dizer desta obra?





‘Demônio de Neon’ traz o melhor e o pior do diretor Refn. Sua coragem, estilo único, direção lenta e forte, visual deslumbrante; todas estas qualidades estão presentes. Porém o excesso de lentidão e silêncio em algumas cenas e o excesso de abstrato e vazio existencialista também estão ali. A obra reflete a mente de quem está por trás dela. Se você o conhece, ao assistir o filme sem saber o nome do diretor, conseguiria adivinhar que o filme é dele. Há uma ácida crítica muito corajosamente jogada, mas há uma pretensão muito grande de ser maior e melhor do que realmente é. 




O roteiro traz a história de uma jovem modelo chamada Jess (Elle Fanning) que começa a chamar a atenção dentro deste universo. Além de causar inveja nas colegas da mesma agência, começa a se aproximar de Ruby (Jena Malone), que aparenta ter uma atração por Jess. Este roteiro inicial lembra um pouco o premiado ‘Cisne Negro’. O fascínio de Jess a impede de ver a escuridão por trás do universo das super modelos. A partir daqui é complicado falar do enredo sem soltar spoilers, portanto vou logo começar a falar das qualidades e defeitos do filme. A atuação de Elle Fanning pode não ser digna de um Oscar, mas a jovem atriz demonstra uma força em papéis difíceis que merece destaque. Sua beleza suave e natural, aliadas à sua ingenuidade são ao mesmo tempo contrastantes com sua ambição e poder. Quem também faz bonito em cena é Jena Malone, talvez uma das jovens atrizes mais subestimadas da atualidade, ela merecia maior destaque. Sua personagem é ambígua, estranha e extrai da atriz algumas cenas bem desconfortáveis, que pegarão a muitos de surpresa. Bella Heathcote e Abbey Lee estão ok, em papeis que apresentam uma sexy mas robótica e vazia beleza exterior. Temos a participação da belíssima Christina Hendricks, numa breve referência ao seu papel na série ‘Mad Men’. E Keanu Reeves apresenta uma pequena e diferente participação do que estamos acostumados a ver dele. Não é nada demais, mas é bom ver ele se arriscando em projetos mais cult.




O roteiro é tão imensamente ambíguo que se torna difícil de falar do mesmo. A crítica, a cutucada no mundo da moda e passarelas é explícita, forte e feroz. O aprofundamento do vazio (se é que isso existe) é tão grande que o próprio texto cai dentro deste vazio. É um caso raro de metalinguagem, mas de modo negativo, onde um excesso de filosofia e dissertação acabam tirando a alma do projeto, como uma auto textualização do mesmo. Faz-se a crítica mas enquadra-se dentro do que se está criticando. Talvez isso seja proposital, mas talvez não e seja resultado do ego e pretensão do cineasta. E apesar disto afastar a grande maioria do público, ao mesmo tempo irá agradar a quem procura este tipo de obra mais abstrata. Questões como ambição, inveja, lesbianismo, necrofilia, pedofilia, estupro e assassinato são colocadas de maneira que em alguns momentos é sutil, implícito. Mas em outros é mais visível e de difícil digestão. O forte e corajoso final, onde a questão do canibalismo é posta em xeque e flerta com o terror é um ponto a favor. Entrando no terreno em que se comer literalmente a beleza, se manterá a juventude, é algo no mínimo inteligente e sarcástico. Hoje no mundo das passarelas, o próprio meio em que muitas mulheres vivem as devora em sentido figurado. Traçar este paralelo com o canibalismo literal foi uma mórbida jogada.


A direção de Refn é certeira, com ângulos de câmera tão bem enquadrados quanto de difícil interpretação. Há às vezes inversão de lados, objetos e personagens, dando uma sensação de inversão de valores e de rumo. Existem plano-sequências com direção de arte cheia de elementos simétricos, lembrando o estilo visual de Stanley Kubrick. A direção de arte, figurino, maquiagem, fotografia e iluminação são de dar inveja a muita galeria de arte. O visual é belíssimo, deslumbrante na verdade, às vezes passando a sensação de um sonho lúdico, às vezes parecendo um pesadelo psicodélico. O contraste entre ambientes escuros e luzes chamativas, com cores quentes como vermelho e roxo, tornam o filme atraente no quesito visual. Nesta questão ele lembra bastante ‘Suspiria’, meu terror favorito e um marco do terror italiano. Em outros lembra o clássico e quase erótico ‘A Marca da Pantera’. A presença de uma pantera em determinada cena explicita ainda mais, o que talvez seja uma clara referência. E a nervosa e estilosa trilha sonora ajudam a ressaltar isso. Por ironia ou proposital, o filme torna-se igual às modelos e o mundo em que elas vivem: belíssimo e colorido, mas vazio e assustador. 


Então, ‘Demônio de Neon’ é um filme péssimo? De forma alguma, talvez eu nunca tenha escrito isso antes em um crítica, mas o filme é tão ambíguo e difícil de se ter uma opinião, que ele é no mínimo, um dos filmes obrigatórios deste ano! Não ficará entre os 10 melhores. Mas a experiência sensorial que ele propõe o tornam algo diferenciado, que deve ser conferido. É um filme que talvez não sirva apenas para ser visto, não é apenas entretenimento. É algo mais complexo, é para ser sentido e admirado durante a projeção e refletido após ela. É uma produção autoral, chocante, que traz à tona o que há na mente do seu realizador. Ironicamente caiu no laço que tanto criticou, exalar existencialismo vazio diante uma exuberante beleza pré-estabelecida pela cultura pop e de grandes corporações. Ou será que isso foi proposital? Eis a questão. Fica o aviso que a maioria irá odiar, mas recomendo fortemente para quem procura uma experiência cinematográfica sensitiva, nos tirando da zona de conforto em que a maioria se encontra. 


NOTA: 7




Título Original: The Neon Demon


Direção: Nicolas Winding Refn


Elenco: Elle Fanning, Karl Glusman, Jena Malone, Bella
Heathcote, Abbey Lee, Desmond Harrington, Christina
Hendricks, Keanu Reeves, Charles Baker, Jamie Clayton.


Sinopse: Jesse (Elle Fanning) é uma jovem de 18 anos que acaba de chegar a
Los Angeles. Dona de uma beleza natural impressionante, ela tenta a sorte como
modelo profissional. Após tirar algumas fotos mórbidas para um jovem fotógrafo,
é contratada por uma conceituada agência de modelos. Bastante ingênua, ela
passa a lidar com o ego sempre inflado das demais modelos e também com a
maquiadora Ruby (Jena Malone), que possui intenções ocultas com a jovem.

Trailer:








Galeria
de belíssimas imagens do filme:






Nos bastidores, o cineasta Nicolas Winding Refn e a protagonista Elle Fanning.



Nos bastidores, o cineasta Nicolas Winding Refn e a protagonista Elle Fanning.


































O que achou deste polêmico filme? Deixe seu comentário: 


Deixe uma resposta