Crítica: O Destino de Júpiter (2015, de Andy Wachowski e Lana Wachowski)

Assisti no cinema noite passada um dos grandes lançamentos do ano, a ficção científica O Destino de Júpiter. O filme que já é um dos mais caros do ano por enquanto está com bilheteria bem fraca, marcando assim um fracasso. Também vem recebendo críticas negativas, com apenas 20% ou 30% de aprovação dos principais meios de notas de cinema. Acontece que O Destino de Júpiter é de fato um filme para poucos, porém com orçamento para muitos. Um filme que poderia ser melhor se aprofundasse nas discussões lançadas, mas que por motivos comerciais é apenas mais um blockbuster, mais um filme caro, com grandes efeitos especiais e que visava ganhar muito dinheiro.

Antes de assistir ao filme deve-se ter em mente que é um filme dos excêntricos e nerds irmãos Wachowski. Andy Wachowski e Lana Wachowski (antes conhecida como Larry Wachowski, mas fez uma cirurgia de mudança de sexo) tem um estilo muito próprio e particular de fazer cinema. Começaram como roteiristas no filme Assassinos, uma típica ação noventista com o Stallone, Julianne Moore e Antonio Banderas, mas que já tinha alguns elementos diferenciados, como o fato de Julianne ser uma hacker, isto lá em 1995. Foi no ano seguinte, 1996, que a dupla estreou na direção com Ligadas pelo Desejo, um dos primeiros filmes a ter um casal lésbico como protagonistas em uma trama de suspense envolvendo máfia, tudo se passando quase todo tempo no mesmo ambiente, porém extremamente bem dirigido. Este é considerado por alguns amantes do cinema mais cult e realista como o melhor filme dos irmãos. Mas foi em 1999 que a dupla fez sua obra-prima, sucesso mundial de crítica e bilheteria, ganhou alguns Oscar, como o de Melhores Efeitos Visuais, um filme que gerou um cult, uma legião de fãs, revolucionou o cinema para sempre e elogiou diversos elementos: ciência, religião, filosofia, cultura oriental e artes marciais, ficção científica, ação, HQ’s, animes e mangás, os efeitos mais revolucionários e arrebatadores da época, apresentação de conceitos sobre tecnologias em ascensão na época (como computadores, celular, internet), apresentou de uma vez por todas os hackers, a linguagem de informática, vírus de computador, o processo de boot, fez um ode à cultura cyberpunk e metaleira, com roupas de couro ou pretas, sobre-tudo e óculos de sombra, um submundo urbano bem underground; dentre tantas outras coisas. Sim, estamos falando de Matrix.

Em 2003 saíram as continuações, Matrix Reloaded e Matrix Revolutions – ambos expandindo o universo criado na primeira obra, mas que infelizmente o público já não gostou tanto. Como roteiristas atacaram novamente em 2006 no ótimo e provocante V de Vingança, filme que faz-nos refletir contra qualquer governo ou instituição que nos reprima e tire nosso direito de escolha. Em 2008 eles dirigiram o pirotécnico Speed Racer, que não agradou por ser muito infantil, mas que tem uma inteligente crítica ao mundo das corridas automobilísticas, além de um visual espetacular. Em 2010 voltaram apenas como produtores no violento Ninja Assassino, um filme de visual incrível que cultua os filmes e elementos orientais. Em 2012 eles e outro cineasta dirigiram A Viagem, uma verdadeira odisseia filosófica sobre as eras passadas e futuristas, um filme onde tudo está interligado, mas que infelizmente não agradou a maioria. Bom, finalmente chegamos em 2015 e é hora de falarmos de O Destino de Júpiter.

Este é um filme difícil de criticar. Se por um lado gostei de algumas coisas e me diverti, por outro o filme decepciona um pouquinho. Não é péssimo e não será o pior filme do ano. Mas também não será um dos melhores, visto que tinha total potencial para isso. Vou começar falando dos pontos negativos. Por razões comerciais, o filme é muito juvenil, investindo pesado em ação rápida e descompromissada. Há piadas em vários momentos e embora uma ou duas funcionem, as outras não. Há elementos estranhos que tentam transformar o filme em um conto de fadas espacial, como o fato das abelhas gostarem de Júpiter. Há alguns personagens desnecessários e situações bobas. O roteiro cai na rotina na hora da ação e nas salvações impossíveis, sendo extremamente clichê em alguns momentos. Mila Kunis é bonita e já mostrou que atua bem em Cisne Negro. Porém aqui ela está normal demais e tem vezes que nem parece que ela está em um universo incrível e com grandes batalhas. Só na cena final em que ela aceita seu lugar e luta se passa alguma convicção, porém já é o final do filme. Channing Tatum (que provou saber atuar em Foxcatcher) até que está ok com seu papel, embora seu visual seja feio, bizarro e lembre um bode (rsrs). O romance força para agradar ao público, mas não há química entre eles. Eddie Redmayne é o que há de melhor no elenco. Apesar de seu vilão forçar e ser caricato às vezes, sussurrando ou gritando; no geral se sai bem e seu personagem é interessante.

Mas o filme tem alguns acertos que acabam valendo a sessão. Os diretores são entendedores de cinema e cultura pop, então eles estão antenados na mídia e nas redes sociais. Quem costuma fazer piada com Sean Bean irá se surpreender, assista e entenderá. A ação é frenética e embora tenha momentos rápidos demais, há alguns que são muito bem realizados. Câmera lenta bem executada, um 3D razoavelmente bacana e algumas poucas cenas onde os diretores estão inspirados: as cenas de entrada e saída das naves em órbita, o mergulho de Balem e principalmente a cena de ação no início onde a nave se parte ao meio, Kunis despenca e Tatum pula de uma metade a outra para salvá-la, enquanto a nave, eles e a câmera giram. Para mim este foi o melhor momento do filme.

Um grande ponto são os efeitos especiais. Visualmente falando, um dos filmes com mais impressionante estética já realizado. Os planetas, as naves, as criaturas em CGI, a fotografia espacial, a maquiagem impressionante em alguns seres, os extravagantes figurinos e penteados, o jogo de luz dos planetas e ambientes e os ricos detalhes de direção de arte. São tatuagens, símbolos, velas, estátuas, pisos, paredes, móveis, o jogo de cores, tudo feito de maneira incrível, perfeita. A trilha sonora assinada pelo ótimo Michael Giacchino (dos novos Star Trek, do seriado Lost e de animações como Ratatouille e Os Incríveis) é realmente empolgante, talvez mais grandiosa que o filme em si. Há momentos estrondosos, fazendo jus aos clássicos espaciais. Ponto para a melodia da trilha sonora.

De certa forma, o filme é juvenil demais e as características dos Wachowski só são mencionadas, mas não aprofundadas. Mesmo assim há elementos deles ali, como filosofia, ciência, espiritualidade, características da cultura oriental (como a Hindu, até o deus elefante Ganexa é mencionado, na forma de um piloto com tromba chamado Nesh), algumas “explicações científicas” para o conceito de reencarnação (onde genes carregam as informações, algo que cientistas vem dizendo a tempos, que nós carregamos lembranças de antepassados como herança genética), lendas e o instinto da natureza. Há muita simbologia: a colheita seria um tipo de “arrebatamento”, Channing Tatum seria quase que um “lobisomen do espaço”, porém sem matilha. Mila Kunis de início seria uma “Cinderela”, mas seu destino torna-se um “A Bela e a Fera”. Ela começa sua jornada como uma empregada, conhece a realeza, mas no lugar do príncipe ela apaixona-se pelo monstro. Notamos também que vários folclores e mitos humanos, como vampiros e a clássica imagem do alien de “olho grande” tem uma explicação. Sem falar que o filme é de um estilo “ópera-espaço”, remetendo à Star Wars, o recente ‘Guardiões da Galáxia’ e outros do tipo. Há ainda críticas de algumas características da sociedade, como o consumismo humano e os recursos naturais se esgotando; ou a grande burocracia na hora de se assinar papeladas. Uma clara (e engraçada) referência à enrolação que órgãos do governo fazem na hora de você reclamar o que é seu, como uma herança e um testamento. Há um grande paralelo e metáfora relacionados aos imigrantes, sejam eles na Terra ou no espaço. E algo que realmente merece atenção é que em determinado momento se diz que o fato de que a única coisa que realmente tem valor no universo é o tempo. Uma sábia verdade!

Enfim, os irmãos Wachowski trabalham em seus filmes com conceitos de simbologia e referências e aqui não é diferente, só é amenizado e mal aproveitado. Vá assistir com a mente aberta e poderá apenas se divertir uma vez. ‘O Destino de Júpiter’ tinha potencial de ser um dos grandes filmes do ano. Não é e poderá decepcionar o mais sedento por reflexões e os fãs da genialidade de ‘Matrix’. Porém é um longa que trabalha com dois elementos constantes na carreira dos Wachowski: o primeiro é o vislumbre, o chamativo visual. O outro é o cinema referência. Tudo por meio de simbologia, de citação de elementos que estão ali, mas não são explicados. Exige de você se esforçar para captar tudo que está sendo despejado. Encare seus filmes como um caça-palavra. Uma junção de elementos, representações, citações, críticas e homenagens à cultura pop, à culturas humanas (como as milenares orientais) e ao cinema em si. Vá com a mente aberta e talvez tire algo de bom do filme. E siga sua vida sem renegar seu legado, suas origens. É uma questão de escolha, decidindo seu destino, assim como o de Júpiter.


Direção: Andy Wachowski e Lana Wachowski

Elenco: Mila Kunis, Channing Tatum, Sean Bean, Eddie Redmayne, Douglas Booth, Jo Osmond,Terry Gilliam, Doona Bae, Tuppence Middleton, James D’Arcy.

Sinopse:
Jupiter Jones (Kunis) nasceu sob um céu noturno, com sinais de que estava destinada a algo maior. Agora já crescida, Jupiter sonha com as estrelas, mas acorda para a fria realidade do seu trabalho de limpar banheiros e uma sequência infindável de infortúnios. É somente quando Caine (Tatum), um ex-caçador militar geneticamente modificado, chega à Terra para localizá-la que Jupiter começa a vislumbrar o destino reservado a ela desde o início – sua assinatura genética a marca como a próxima na fila para uma herança extraordinária que poderia alterar o equilíbrio do cosmos.

Trailer:



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