OS SABORES DO PALÁCIO (LES SAVEURS DU PALAIS, FRANÇA, 2012)

(Crítica publicada por “Anjo Da Guarda”, com seu nome
original, no caderno de Cinema da Rede Bom Dia de jornalismo, edição de
Itatiba, São Paulo)







“Uma das melhores surpresas do ano. Cheio de dignidade e respeito, com
senso de humor e drama na medida certa, filme acertou ao mostrar história
baseada em fatos reais de mulher que trabalhou como cozinheira de político
francês.”

Dignidade e princípios. Compromisso e responsabilidade. Essas são as
coisas que realmente tornam-se um diferencial em nossa jornada de vida. Uma
outra dica muito importante, corajosa por demais e que poucas pessoas tem como
objetivo, é saber o momento em que devemos parar, saber quando já cumprimos com
o nosso objetivo e partir. Simplesmente partir. A personagem de “Os Sabores Do
Palácio (Les Saveurs du Palais, França, 2012)”, fez plena consideração de tais
coisas e como pessoa madura (ou adulta, diga-se de passagem) não hesitou em
tomar essas decisões. A história é baseada em fatos verídicos, mas um pouco
mudados, já que o diretor Christian Vincent, preferiu preservar os verdadeiros
envolvidos. Ainda assim sabe-se que a história é baseada na vida de Danièle
Deupelch, que durante algum tempo foi cozinheira de François Mitterrand,
presidente do partido socialista francês. O filme é administrado com uma mão
segura por parte do diretor, sem apelação dramática e com senso de humor
incrível. Na tela mostra-se o que se deve apenas, num roteiro intercalado por
dois tempos, o atual e o passado, de 4 anos atrás, quando Hortense Laborie (a
personagem extremamente bem interpretada pela excelente Catherine Frot) foi
contratada para trabalhar na cozinha do palácio do governo.


A cozinha francesa é uma das mais importantes do mundo, totalmente
habitada por homens, talvez hoje tenha um pouco mais de presença feminina, mas
ainda é predominantemente masculina. Foi nesse contexto também que Hortense foi
trabalhar no palácio, precisou passar pela repugnância do chefe da cozinha
central e ignorar os olhares de todas as dezenas de ajudantes, mas como já era
uma mulher forte, tirou de letra. Ela mesma diz após experimentar uma sobremesa
do chefe, que lhe falta um detalhe, sua comida ser mais autoral. E esse era seu
diferencial, a autenticidade de sua cozinha, afinal como o próprio presidente
lhe disse numa das poucas e emblemáticas conversas que teve com ele, seu desejo
era o de sentir que estava comendo a comida de sua avó, a comida de casa que
traz as lembranças da infância. A responsabilidade de Hortense seria comandar a
cozinha de onde sairiam às refeições do presidente e convidados e por isso agiu
com firmeza. Mais a frente precisou também se adaptar as exigências do local,
em determinada sequência é chamada numa sala para ouvir novas considerações a
respeito de seu cardápio, pois a pedido do médico, o presidente precisa seguir
regras saudáveis devido a sua saúde. A grande questão é como a mulher se portou
diante de tais mudanças em sua vida. O início do filme, na verdade, mostra
Hortense, vista como uma espécie de lenda, chegando para trabalhar no arquipélago
de Crozet, na Antártida, cozinhando para dezenas de trabalhadores. Sua figura
desperta a curiosidade de uma documentarista australiana, que por acaso estava
no local e que vai tentando a aproximação com Hortense, no início um tanto
difícil e depois aceita. Pela maneira como o filme vai se narrando temos a
impressão de estar descobrindo a história junto com ela. Esta parte da história
é importante por demais para elucidar a outra parte. A personagem tem um
comportamento diferente nos dois momentos.



É a receita certa. A atriz consegue caminhar de um momento a outro da
história perfeitamente bem, com significantes mudanças no semblante, deixando
claro o crescimento interior da personagem. No palácio chegou apreensiva, na
Antártida é calejada; no primeiro lugar tinha apenas ao seu lado o apoio de um
fiel ajudante, no outro lugar conquistou a todos. Mas tudo partiu de um único
local, de uma única situação, que passou a ser definitiva para ela: cozinhar
para o presidente. O significado disso transformou sua vida. Numa das
sequências mais belas, o presidente procura pela cozinha a noite, quando tudo
já está escuro e encontra a mulher. Trocam poucas palavras e ele pede que ela
lhe sirva algo e ali ambos tratam-se numa relação de amizade praticamente velada.
Poderia ser mais? A pergunta fica sem resposta, pois ela parte do palácio, ela
vê o momento em que sua missão provavelmente já se cumpriu ali e decidi ir
embora. Talvez não queira se envolver com a situação, o presidente assume uma
imagem especial dentro dela, mas muito intocável. O filme surge como uma
pequena lição para toda, fato que a documentarista australiana parece perceber
quando Hortense precisa partir da Antártida. Atitudes as vezes difíceis, mas
que deixam uma herança de honra que, nem com qualquer dinheiro do mundo, se pode
comprar.



NOTA: 9


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