Crítica: O Príncipe do Deserto (2011, de Jean-Jacques Annaud)



“Porque veja bem meu filho: tudo que você vê nesta sala foi ganho com sangue ou amor. Nunca dinheiro, por que tudo que pode ser comprado não tem grande valor.”
Estas palavras exemplificam perfeitamente a grande discussão gerada pelo filme ‘O Príncipe do Deserto’, no qual conversaremos a respeito agora. Esta produção com cara de épico hollywoodiano é na verdade uma união entre a França, a Itália, a Tunísia e o Qatar. Baseado no livro ‘Arab’ de Hans Ruesch, vale salientar que é a primeira produção do Qatar, graças ao poderoso produtor do oriente, Tarak Ben Ammar. É gigantesca a quantidade de filmes que saem todos os anos, e muitas vezes filmes sem expressividade ou originalidade lotam nossos cinemas. Aí uma produção tão boa como esta demora 2 anos a chegar até nosso país. Lamentável! Mas antes tarde do que nunca, devo salientar que este filme poderoso, mas que foi pessimamente divulgado ou criticado; tem todo um contexto metalinguístico que merece atenção. É um filme “de cinema, sobre cinema e o que fazer como cineasta”. O experiente cineasta francês Jean-Jacques Annaud sabe o que faz, e aqui ele entrega uma auto-discussão do que ele próprio já fez, ao mesmo tempo em que nos entrega um grande filme (em escala, cenários, elenco e tempo de duração). Com 2 horas e 10 minutos, o filme é frenético em nos blindar com drama, ação, aventura, comédia, romance e alguns questionamentos.



Jean-Jacques Annaud, que no passado nos entregou grandes épicos de guerra, mas que também soube inflamar no polêmico ‘O Nome da Rosa’ (filme que explorou o lado obsceno da igreja católica em um velho mosteiro), aqui faz uma auto-referência. Afinal ‘O Príncipe do Deserto’ não deixa de ser um grande épico. Mas ao invés de se focar em gigantescas cenas de batalha, sangue jorrando, efeitos especiais de primeira e fantasia por todo lado, aqui o foco é o lado humano. Com maestria, o diretor foca no bom elenco, mesmo nas cenas de ação, que lá pela metade final lotam a tela. Mas nada é excessivo, estamos falando de uma produção simples, mas de qualidade acima da média. Engraçado é este filme não ter emplacado muito, já que é um dos melhores épicos lançados nos últimos 2 anos. Mesmo que tenha alguns cortes apressados na primeira 1 hora – afinal a história é longa – o resultado final é saboroso. Na trama, 2 líderes disputam um território. Para manter a paz, eles usam seus filhos. Mas a descoberta de petróleo nestas terras acaba gerando uma batalha implacável. Resta a Auda (muito bem representado por Tahar Rahim) resgatar a paz. Para isso ele terá que achar o equilíbrio de seus “dois pais”. De um lado, Antonio Banderas foi seu pai de criação, agora é seu sogro e mostra que o ocidente tem seu valor (produtos importados, carros). Do outro lado, seu pai verdadeiro ( Mark Strong) tem valores espirituais e tradicionais a mostrar. Um destes valores é o diálogo que coloquei ali em cima. Auda terá de achar o equilíbrio, afinal hoje em dia ninguém vive sem o capitalismo (você tem celular e computador, portanto você não vive sem ele), outrora ninguém deveria viver sem fé, amor à família e uma crença.

Dois lados extremistas, vidas tiradas e um jogo de domínio. O elenco está de parabéns. Antonio Banderas passa um jeito dissimulado e político, com toques de deboche. Mark Strong faz um papel no qual está acostumado, com um jeito sério e conservador. Tahar Rahim dá conta do recado como o herói da trama, que começa a ser tratado como um messias. Freida Pinto (sempre com uma beleza exótica) vive a esposa de Auda. A relação dela com seu pai consumista (Banderas) é boa, mas é estranho tudo que o pai faz com a filha. Ela ama seu marido mas sabe que tudo é política pura. Em meio a lutas, romance e questões familiares, belas cenas acontecem. Alguns diálogos ácidos envolvendo política ou princípios dão o que pensar. As motivações de alguns poucos é equilibrada, mas ameaçada diante o desejo de poder de outros. O petróleo e seus lucros podem ser tentadores, mas o rigor ao seguir uma fé também. Os dilemas do protagonista acabam fazendo ele tomar uma posição. No lado de qual dos seus pais ele ficará?

Aquela velha questão de aceitar seu lugar e fazer o que deve ser feito. Um simples bibliotecário vira um líder e muda assim o rumo de nações. Um simples estudioso (um nerd árabe) é visto por todos como o messias, entrando numa áspera jornada em nome da paz. Jornada tão áspera quanto o perigoso deserto que tira vidas de homens e camelos. Toda a sequência deles morrendo de sede no deserto é desesperadora e sufocante. O clima de aventura desértica remete à clássicos filmes, estilo o lendário ‘Lawrence da Arábia’. ‘O Príncipe do Deserto’ nos faz recordar daquele tipo de filme esquecido, que não se fazem mais. Cavalo, espada, um belo romance e cenários incríveis. Bela fotografia desértica, figurino típico da região, criação de todo um ambiente que nos faz acreditar que estamos mesmo lá. A belíssima trilha sonora de James Horner (um dos mestres em trilha sonora da atualidade) empolga e te leva até o fim do filme no clima certo. Fica então a sensação de nostalgia, de metalinguagem e do bom e velho “cinemão” aventura.

Este é um filme correto, completo e praticamente esquecido. Alguns momentos são emocionantes e outros nos trazem alguma boa mensagem. Nem todos os padrões milenares do oriente são descartáveis, assim como nem todo o progresso da América é lixo. Pode-se ter ambos, sem ser um rigoroso fanático e sem ser um barão do capitalismo. No final, fica aquele sentimento do que realmente importa. Achei interessante a cena em que Freida Pinto entra no carro pela primeira vez. Enquanto todos acham que ela só quer saber como é andar em um automóvel (novidade para eles), na verdade a moça quer fazer amor, ali mesmo no carro, com seu marido. Fazer amor uma última vez antes que ele parta para sua missão. Todos vivemos de guerras, a maioria interna. Saber prezar os valores corretos pode ser a maior de todas batalhas. Assista ‘O Príncipe do Deserto’ sem esperar nada, e se surpreenderá com uma dedicada e sincera produção.

NOTA: 8,5


“Então isto é guerra, é sobre isso que escrevem épicos.”




Direção: Jean-Jacques Annaud


Elenco: Tahar Rahim, Mark Strong, Antonio Banderas, Freida Pinto, Riz Ahmed, Eriq Ebouaney, Corey Johnson.


Sinopse: Nessib (Antonio Banderas) e Ammar (Mark Strong) são líderes de seus povos e após a derrota do segundo para o primeiro, um acordo implicava na entrega dos dois filhos para serem criados pelo inimigo. Criados por Nessib ao lado da filha Princesa Leyla (Freida Pinto), Saleeh (Akin Gazi) e Auda (Tahar Rahim) se tornaram homens. Enquanto um só pensa em retornar para as terras do pai, o outro só quer saber de ler e conhecer cava vez mais coisas. Enquanto isso, uma nova disputa por terras está em curso, tendo em vista que um pequena faixa de terra esconde sob o solo um valioso e cobiçado líquido negro: o petróleo. Para completar, Saleeh tenta fugir das garras de Nessib, mas o plano não saiu como ele imaginava.




Trailer:











  





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