Crítica: Em Transe (2013, de Danny Boyle)





Danny Boyle sempre foi um cineasta no qual admirei muito. Ele tem um cinema próprio, controverso e inflamatório. Belo exemplo de solidez, originalidade e senso crítico. Seus filmes misturam fantasia com piadas azedas, muitas vezes detonando com o estilo de vida e situações da vida ou de determinado ciclo social. Destaco seus 2 primeiros filmes, onde  dois tinham o propósito de provocar: ‘Cova Rasa’ e ‘Trainspotting – Sem Limites’. Depois veio ‘Por Uma Vida Menos Ordinária’, com a intenção de fazer rir ao mesmo tempo em que trazia reflexões sérias sobra relacionamentos e um lado “espiritual”. Depois de diversas outras boas obras ele finalmente se consagrou como diretor de renome com seu precioso ‘Quem Quer Ser um Milionário?’; vencedor de 8 Oscar em 2009 e trazendo uma poderosa metáfora cotidiana. Depois de concorrer com outro bom título, ‘127 Horas’, ele retorna com este chamado ‘Em Transe’, e aqui ele volta às raízes com um filme que não tem a intenção de chegar ao Oscar, mas sim de chamar a atenção pela provocação.


Já começo elogiando o título do filme. A versão nacional ficou parecida com a original, que seria ‘Trance’. O significado deste título para o filme são inúmeros e por isso tirei meu chapéu. O tal transe primeiramente se refere ao estado de hipnotismo que as personagens centrais se envolvem, tendo todo um lado mental e psíquico. Há ainda o significado de se estar em êxtase, histerismo e até mesmo em um estado orgásmico (afinal transe pode também se referir à transar). E por último existe um estilo de música eletrônica chamada ‘trance psicodélico’ ou apenas ‘psy trance’, onde a batida rítmica da música associadas com êxtase, a excitação do momento e toda uma ruptura na mente acabam levando a um estado de delírio mental, hipnotismo involuntário e situações onde você se encontra “fora de si”. Há todo um lado psíquico-espiritual envolvido. Como o diretor é Danny Boyle e o cara sabe o que faz, ele brinca com todas estas possibilidades, entregando um dos mais espetaculares suspenses dos últimos anos. 




Está achando confuso? Você não viu nada. Tenho visto muitos dizerem que o filme é complexo. Não achei, talvez porque eu me interesse muito pelo assunto. Na verdade o filme pega a linha de pensamento de ‘A Origem’, porém mais simples de digerir. O que o experiente diretor faz é brincar com todas possibilidades possíveis. Ele nos apresenta todos tipos de “trance” que mencionei, incluindo uma trilha sonora eletrônica chocante e hipnotizante. O filme abusa de surrealismo e apresenta metáforas, símbolos e discussões. No filme é dito que uma obra de arte não tem o valor de uma vida. Mas acaba custando a vida de vários durante o filme todo. O que deveria ser um simples roubo se torna um jogo de controle mental. Após Simon perder a memória, uma hipnoterapeuta entra na jogada para desbloquear a memória do cara e descobrir onde ele escondeu o quadro. O líder da gangue começa a ficar impaciente, seus colegas também; e começa a rolar um estranho triângulo amoroso entre o líder, o cara sem memória e a hipnoterapeuta. Neste momento entra o lado sexy da palavra trance. Viu como está tudo relacionado?



Acontece que nos 40 minutos finais temos uma fenética série de reviravoltas; uma mais eletrizante ou metafórica que a outra. Enquanto que no já citado ‘A Origem’ as ideias falsas eram implantadas nos sonhos, aqui elas são desenterradas em hipnoses e jogos de controle mental e subjetividade implantadas. Com 1 hora e 40 minutos, o filme tem uma montagem e uma edição frenéticas. Os efeitos sonoros e a já citada trilha sonora ‘psy trance’ embalam você para dentro do universo proposto. O suspense é gritante, o clima é gélido e você fica grudado na tela não apenas para entender, mas também por quase acreditar que a ideia proposta é palpável. Aquela velha e ótima jogada que grandes mestres fazem: te apresentam um suspense mental onde quem acaba “viajando” é você que está assistindo. No aspecto visual, o diretor abusa de ângulos de câmera inspirados e um uso de cores, lâmpadas e iluminação que deixam o filme ainda mais chamativo. O próprio uso da tecnologia, como tablets, é usado aqui para complexar a trama.





Como é de se esperar do diretor, críticas à vida estão presentes o tempo todo. Ninguém é inocente. Na verdade os 3 protagonistas são anti-heróis. James McAvoy mais uma vez mostra porque é um dos melhores atores da nova geração. Rosario Dawson está sublime, extremamente sexy e aqui ela mostra que uma mulher pode sim conseguir tudo o que quer. O experiente Vincent Cassel dá um show em atuação e sua personagem tem mais a mostrar do que você imagina. O filme é pesado, pois além da sensualidade, a violência nos momentos finais tem um ritmo alucinante, com direito a gore e tudo o mais. Como é apenas um filme, muitos terão a impressão de que começou do nada e chegou a lugar nenhum. Então é apenas uma diversão e nada mais. Mas legal quando eu vejo a obra e absorvo várias coisas. Toda a parte em que McAvoy explica para Dawson sobre as pinturas das obras de arte, o voo das bruxas, a opção de beleza que ele preferia (o tipo de depilação íntima feminina) e etc; aquela cena ali possui um impressionismo lírico cativante. A química de ambos é ótima, tudo para você torcer por eles e aí… E aí vem a massacrante e complexa sequência final. O filme é um entretenimento e tanto, dando a impressão de que muitas vezes bater a cabeça pode nos acordar e fazer lembrar, ao contrário do que se imagina. E talvez as ideias esquecidas tenham sido deixadas de lado por você, e que muitas vezes é melhor não desenterrar. Quem sabe, para se acordar precisamos primeiro apagar?





Todo aquele sentimento sobre o fim de um relacionamento, o ciúme, a violência e a possessão, o vício, o roubo, a hipnose; tudo em nome de um amor abalado? Um amor destruído pode colocar mentes humanas em xeque? Vocês me entendem agora quando digo que sempre extraio algo real de uma ficção. Sem falar que de certa forma o filme explora o lado da sugestão. Nossas mentes são suscetíveis à aceitar sugestões impostas de maneiras que muitas vezes nem imaginamos. Aqui ocorre por meio de hipnose, devido a todo um contexto em que mentes ficam expostas e emoções à flor da pele. Mas no nosso cotidiano, não estamos constantemente expostos à mídia, propagandas de incontáveis produtos, de políticos, de padres e pastores, de pais e familiares, de amigos, de filosofias, de ideias pré-estabelecidas como corretas ou erradas? Não estamos todos nós afundados à uma sociedade que nos oprime a se adaptar ou não seremos ninguém, a ter aquele determinado padrão de beleza e comportamento, a consumir aquele tipo de produto e nos envolver naquele tipo de situação? E quando amamos alguém, não ficamos expostos e frágeis, à ponto de sermos até mesmo controlados por esta pessoa?


Então, meu amado leitor; estamos todos “em transe”.


NOTA: 9




Direção: Danny Boyle


Elenco: James McAvoy, Rosario Dawson, Vincent Cassel, Tuppence Middleton, Wahab Sheikh, Danny Sapani, Lee Nicholas Harris, Gioacchino Jim Cuffaro, Ben Cura.


Sinopse: Simon (James McAvoy), um leiloeiro de arte, se une a uma quadrilha para roubar uma obra de arte no valor de milhões de dólares, mas, depois de sofrer uma pancada na cabeça durante o assalto, ele acorda para descobrir que não tem nenhuma lembrança de onde escondeu a pintura. Quando as ameaças físicas e tortura não produzem respostas, o líder da gangue (Vincent Cassel) contrata uma hipnoterapeuta (Rosario Dawson) para aprofundar os recessos mais sombrios da psique de Simon.




Trailer:




  

  




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