Crítica: Segredos de Sangue (2013, de Chan-wook Park)


“Já
pensei muitas vezes no porque de termos filhos. E a conclusão que cheguei é
que… Em algum momento da vida, percebemos que as coisas estão ferradas e não
têm conserto. Então decidimos começar de novo. Apagar a lousa. Começar do zero.
E temos filhos. Cópiazinhas de carbono a quem podemos dizer: ‘Você fará o que
eu não pude. Vai ter sucesso onde eu falhei’. Porque queremos que alguém acerte
dessa vez.”





Chan-wook Park possivelmente é o diretor da Coréia do Sul mais famoso do mundo, com filmes de suspense angustiantes e viscerais. Depois de sua interessante trilogia da vingança, no qual inclui o incrível Oldboy, e após o bom Sede de Sangue, ele pela primeira vez se aventura por Hollywood. Eu estava extremamente ansioso pela obra e tive que logo conferir este tal de Stocker (ridiculamente intitulado aqui no Brasil como Segredos de Sangue). O que achei?



De longe, Segredos de Sangue é um dos melhores filmes do ano até agora, ano em que o cinema parece não engrenar muito. Original em parte e visualmente exuberante, o filme convence até o fim. Na trama, a chegada do tio da adolescente após a morte de seu pai muda a vida dela e de sua mãe. Uma enxurrada de suspense e reviravoltas indescritíveis te acompanha até os segundos finais do filme. Como já era de se esperar em um filme de Chan-wook Park, ele é frio e soberbo até a alma. Cada ângulo em que o cineasta trabalha foi pensado e executado perfeitamente. Algumas cenas são inimagináveis, e ele fez! O talentoso diretor consegue trabalhar com cenas fortes de maneira bonita. Tudo filmado com originalidade. O filme tem um certo tom, um colorido e uma pureza visual que inconscientemente revela uma certa espiritualidade contextual. Há algo muito implícito. Ou apenas seja efeito do lírico presente na obra.



 Mia Wasikowska tem aqui a melhor performance de sua vida até então. Matthew Goode está soberbo como o tio da moça. Em alguns momentos seu ar misterioso lembra o Norman Bates de Psicose, sem exageros! O filme é unicamente dos dois, que incendeiam a tela de maneira ímpar. Nem tudo são flores, como o fato de Nicole Kidman ser coadjuvante. A atriz está tão botoxicada que é difícil reparar em suas expressões faciais, o que é uma pena; afinal neste filme aqui ela atua relativamente bem, como a tempos não se via. E ironicamente acaba não se vendo devido ao botox! Mas como prêmio de  redenção, o melhor diálogo do filme todo, lá pelo final, é dela. Ela solta estas palavras ali em cima que coloquei como introdução. Diria que este é o clímax do filme, onde tudo se define. 


Além do suspense perturbador, o filme traz um poder visual exacerbado. Cada nova cena enche os olhos. A fotografia é chamativa em diversas cenas, assim como a direção de arte é roboticamente atraente. Tudo segue um padrão: claro e lindo. Formas geométricas e todo interior da casa são muito bem construídos. Ao mesmo tempo que há a sobriedade do elenco, há o exuberante do visual. Para mim, a cena mais visivelmente fantástica foi a que a jovem passa a escova no cabelo de sua mãe, que aos poucos vira a relva da paisagem em que a jovem e seu pai se encontram durante uma lembrança. Poesia pura, de encher os olhos.


Este foi o filme que mais chegou perto de tirar nota 10. Apenas não conseguiu por algumas razões pequenas: o roteiro acaba não sendo tão original como propunha e cai em território conhecido. E o filme de alguma forma parece querer  ser mais imponente do que foi. Com um tempo de duração curto, acaba não se aprofundando tanto, o que foi uma pena. Fora isso, é fantástico e atrairá elogios da maioria. Mesmo caindo em território conhecido, os acontecimentos são mostrados de forma não muito convencional. Há um forte teor sexual retratado na forma da violência e na convivência entre sobrinha e o tio. A cena do chuveiro, onde a jovem se masturba depois de ver alguém ser morto mostra bem esta linha tênue entre morte e excitação. A cena em que ela e seu tio tocam piano, e aos poucos ela fica ruborizada e haje como estivesse em orgasmo também é poética e ousada.


O dinamarquês A Caça continua sendo o melhor e único filme de 2013 que dei minha nota 10. Mas Segredos de Sangue bateu na trave e já é o segundo melhor filme do ano. Um filme forte, com uma violência e um conceito sexual fetichista impregnado de maneira surreal. É visualmente arrebatador e estilizado ao máximo. Grande estreia de Chan-wook Park no cinema americano. Tomara que mantenha o padrão. E como a melhor cena do filme indaga, muitos pais e entes queridos concentram suas frustrações no possível futuro de seus filhos. Como Nicole Kidman diz, em algum momento da vida, percebemos que as coisas estão ferradas e não têm conserto. Então na última sequência de cenas do filme, o diretor brinca brilhantemente nos mostrando que a jovem aqui consegue consertar, mas isto pode não ser uma coisa boa. E assim a arte de matar é aperfeiçoada. Tive aqui um alucinante vislumbre do paralelo entre o bem e o mal…


NOTA: 9




Direção: Chan-wook Park


Elenco: Matthew Goode, Nicole Kidman, Dermot Mulroney, Mia Wasikowska, Lucas Till, Alden Ehrenreich, Amelia Young, Hanna Frankel, Harry P. Castros, Jacki Weaver, Judith Godrèche.


Sinopse: o filme acompanha uma adolescente excêntrica cujo enigmático e distante tio retorna para a família após a morte do pai da garota.




Trailer:















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