Crítica: O Abrigo (The Divide) de Xavier Gens


“Poderoso, chocante, violento, depravado, selvagem e realista. O Abrigo não alivia você nem um único segundo de embarcar no maior de todos os infernos: o comportamento humano.”

Esta é minha definição do filme. Outra boa definição seria a que o pessoal do marketing do filme usou: “Quem teve sorte morreu na explosão.” É inexplicável que este filme não tenha tido o destaque merecido. Engraçado como todo ano temos alguns excelentes filmes que passam despercebidos. Este foi lançado entre a virada de 2011 e 2012. Mas só agora em Maio de 2013 que chegou ao Brasil com este título. Ano passado já tinha saído um O Abrigo (um ótimo drama profético envolvendo esquizofrenia, recomendo por também ser poderoso). O título original (The Divide) seria algo em como: A Divisão. Mas até que O Abrigo encaixa bem, embora o título original é adequado às personagens. Por que falar deste filme e o que ele tem demais? Simplesmente eu coloquei ele como o segundo melhor filme que assisti em todo ano de 2012! 




Na época de lançamento, pode não ter sido aclamado pela crítica, mas interessante é que alguns filmes ganham status com o tempo. Este tempo e os comentários entre quem assiste criam hits e o filme agora vem sido considerado ótimo, ousado e o melhor filme sobre apocalipse já elaborado. E eu sou um dos poucos que vem idolatrando o filme (faz tempo que o defendo). Não é segredo que eu amo filmes obscuros, pesados e que de forma imoral faz uma crítica à moral política-social. O Abrigo faz isso? Ele extrapola com os limites do que é humanamente aceitável. É um filme que te deixa submerso em pensamentos negativos e obscuros; mas mesmo assim é um filme realista, o que nos é extremamente assustador e perturbador. Vamos ao filme?


A trama é aparentemente simples. O apocalipse acontece e um grupo de pessoas precisa conviver confinados em um abrigo, com pouca água, comida e a moral humana deteriorando. É isso, apenas isso. Sou apaixonado por roteiros simplicistas, que acabam entregando muito mais a partir de uma ideia básica. O longa tem 2 horas de duração, desenvolvendo assim as características de cada sobrevivente e criando a tensão necessária para dar um realismo a todo horror que está por vir. Muitos apontaram como falha o fato de não haver explicação. Afinal o que ocorre? A terceira Guerra Mundial? Quem são aqueles agentes com roupa anti-radioatividade? O que eles fazem com as crianças e o que o cabelo tem haver? Enfim, o filme não se foca em respostas e no apocalipse em si. Se foca no grupo preso no tal abrigo. Achei isto um grande acerto, tornando-se uma obra séria, sóbria e madura, fugindo dos clichês blockbusters que trazem maçantes cenas de ação. Mesmo que com longas 2 horas, o filme choca e surpreende da primeira até a última cena. Não é exagero, assista e entenderá. Logo na primeira cena há a grande explosão, que queima a cidade de New York. Porém esta cena é apresentada do ponto de vista da protagonista. São através do reflexo dos olhos dela que vemos ocorrer tudo. Após uma correria desenfreada, ela e um grupo de pessoas entram em um abrigo nuclear (pertencente a um dos funcionários dos apartamentos), e ali já ocorre a primeira escolha difícil: os poucos que entraram são obrigados a trancar a porta e deixar a maioria torrar do lado de fora. Só depois disto tudo é que sobe o nome do filme e os créditos iniciais.



Começa a convivência, onde o dono do abrigo manda. Eles estão trancados, pois lá fora há poeira radioativa e ar poluído. As primeiras discussões ocorrem, até que um grupo de agentes vestindo trajes próprios de tragédia nuclear invadem o abrigo. Os homens capturam a menininha que está com eles e tentam capturar a moça protagonista. Há um confronto e nossos sobreviventes são obrigados a lutar. E se vocês pensam que estou entregando grandes spoilers, enganou-se. Isto tudo faz parte do início. É a partir deste momento que as coisas saem de controle. O que vemos a seguir é uma série de cenas perturbadoras e indigestas, um estudo profundo da baixaria e selvageria humana.




Pela segunda vez na vida o diretor Xavier Gens me surpreendeu. Eu vi Hitman (baseado no game Assassino 47), e até que gostei por ser mais violento que o de costume em filmes de ação. Mas foi no terror francês A Fronteira que o diretor ganhou meu respeito. Foi o filme francês mais sangrento e indigesto que já vi. Agora com este O Abrigo, o diretor pela segunda vez me surpreende, porém com mais solidez. Sua chocante e visceral direção é impecável. Não há uma piada sequer. Não há uma cena trash, mal feita ou superficial. Tudo é extremamente forte, humano, realista e básico. Em momentos chave, o diretor eleva o clima de tensão ao máximo. A primeira cena da cidade destruída já é eletrizante e direto ao ponto. Durante o filme há muitos momentos de roer as unhas. A construção das personagens é algo que ainda não tinha visto. Quem parece ser o herói toma rumos contraditórios. Aliás é importante salientar que neste filme não há heróis, não há mocinhas e não há amor. Tudo é cru e com objetivos egoístas.


Xavier Gens foi extremamente corajoso de submeter o elenco à cenas pesadíssimas e grotescas. Ele se focou na aparência e atuação do elenco. Todos entregam aspectos de desequilíbrio mental. A maquiagem e os efeitos aos poucos vão tomando conta. A cada nova cena, os sobreviventes estão mais pálidos, magros, com olheiras, desesperados e loucos. O trabalho de construção do definhamento deles (tanto físico como moral) é o mote central da trama. Digamos que a que menos enlouquece é a protagonista Eva (Lauren German, a protagonista de O Albergue 2). A atuação dela é fria e direta, muito correta. Notaram que o nome dela é o da primeira mulher humana segundo a Bíblia? Isto não é atoa. Mas são 4 loucos e insanos que literalmente incendeiam a tela. Michael Biehn (o eterno Kyle Reese de O Exterminador do Futuro) faz Mickey, o dono do abrigo. Alguns dos melhores momentos são dele e sua atuação é incrível. Rosanna Arquette faz um papel corajoso, Marilyn, uma mulher que acaba se prostituindo e entrando numa depravação extrema. Milo Ventimiglia (do seriado Heroes e o filho de Rocky Balboa no último filme) interpreta Josh, enquanto que Michael Eklund (de O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus) interpreta Bobby. São justamente Josh e Bobby que serão responsáveis pelo declínio da moral e um verdadeiro massacre.



Estes dois vão ao fundo do poço mentalmente, cometendo atrocidades inimagináveis. E mesmo assim não pode-se chamar eles de vilões, pois diante a situação escolhas são coisas raras. Se você estivesse na situação, como iria se portar? Nós não fazemos ideia até passarmos por algo, não é? Parece frio, parece cruel, mas é verídico. Em O Abrigo não há redenção, não há compaixão, não há libertação. É o puro mal interno aflorando à pele. O filme é indigesto e não é aconselhável para menores. Há mutilação, torturas, cenas psicologicamente fortes. Há sexo bizarro e excêntrico, que logo se torna estupro. Muito estupro, levando a uma violência implícita que incomoda nossa mente. E há momentos chave em que entendemos certa questão, como o fato de Mickey ser violento e áspero porque perdeu sua mulher no ataque de 11 de Setembro. Há o fato de Josh deixar de lado seu irmão (que é um cara bom) porque diante esta lamentável situação, é Bobby que apóia os horrores de Josh. Bobby e Josh se tornam os líderes e irmãos, fazendo coisas desagradáveis e horrendas.


O filme se dá ao luxo de ter certa liberdade poética. Porém esta poesia não é bonita. É perturbadora e surreal. Uma cena específica me chamou a atenção. Devido a radiação o cabelo está caindo, então Josh e Bobby raspam o cabelo. Mas então eles se maquiam, botam vestido, se olham no espelho (com os olhos vermelhos saltando de seus rostos magros) e dizem: estamos iguais. Entenderam? Não é nenhuma tendência homossexual deles, eles fazem isto por desequilíbrio mental. Estão no fundo do poço, sua bondade foi esgotada e não há mais nada além de fazer estas coisas, espedaçar um corpo com um machado ou estuprar alguém até morrer. Já perceberam que o filme é para fortes. 


Se você tem o estômago fraco ou mente sensível, fique longe. Aqui a moral e a bondade humana são jogadas na latrina. Mas se você gosta de produções maduras e profundas, não importa o quão chocante seja, assista logo a esta obra obscura mas espetacular. Entrou pra minha lista de favoritos, embora tenha me incomodado um pouco. Os efeitos especiais e a trilha sonora são incríveis. As cenas de terror e mutilação são dignas de Jogos Mortais. Mas o filme nos faz refletir sobre o que ainda está por vir, pois de um jeito ou de outro os recursos da Terra estão se esgotando, há países em pé de guerra e mais cedo ou mais tarde algo de proporções épicas irá ocorrer. O filme é uma ficção, mas apresenta algo verdadeiro e perturbador: o instinto de maldade humana. É natural e básico, basta ler os noticiários para termos uma base. E o final do filme? Ual! Um banho de sangue, reviravoltas chocantes, depravação ao máximo e uma frieza técnica impecável da parte do diretor. O final é estilizado, com ritmo e sufocante. O Abrigo (The Divide) é claustrofóbico, irá tirar seu fôlego. E como a deprimente cena final indica, muitas vezes não há esperança.


NOTA: 10






Direção:  Xavier Gens


Elenco: Ashton Holmes, Courtney B. Vance, Iván González, Lauren German, Michael Biehn, Michael Eklund, Milo Ventimiglia, Peter Stormare, Rosanna Arquette.


Sinopse: Nove habitantes de um luxuoso bloco de apartamentos em Nova Iorque escapam a um ataque nuclear refugiando-se na cave do edifício. Presos durante dias, sem esperança de salvação e com a perspetiva do horror que os espera do outro lado da porta, o grupo começa a dividir-se e mergulha na loucura e na depravação.


Assista ao impressionante trailer:



Escute a bela canção Alone, de Yasmin Meddyne:



Ouça um pouco da eletrizante trilha sonora:




Bônus: veja o assustador processo de maquiagem do elenco:

Bobby
Josh
Marilyn
Mais fotos e cartazes:

  

  

   

  

  

  




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