A psicologia dos relacionamentos tóxicos em Lua de Fel (1992, de Roman Polanski)




Considerado um dos dez filmes mais sexy de todos os tempos e um dos meus favoritos, daqueles obrigatórios de se assistir de tempos em tempos, Lua de Fel fez um sucesso modesto na época de seu lançamento, e ainda mais hoje, conforme o cineasta  Roman Polanski cai no esquecimento devido suas polêmicas. 

Deixando a figura problemática de Polanski de lado, ele dirigiu clássicos como O Bebê de Rosemary, Chinatown, O Último Portal, O Pianista, Oliver Twist, O Escritor Fantasma; dentre outros. Porém sua persona errônea não merece ser enaltecida. Mas as obras estão aí e é preciso encarar elas. Este aqui é meu filme favorito dele, mesmo não sendo tão icônico quanto os demais, a primeira vez que o assisti foi numa época específica da vida, onde a obra conseguiu dialogar em alguns pontos e me marcar. Com um resultado ousado, o roteiro pega um gênero simples e o transforma numa obra polêmica e profunda.


O que dizer do pequeno elenco? Tirando alguns figurantes, temos apenas 4 personagens. E todos se saem bem. Hugh Grant e Kristin Scott Thomas, que estão no cruzeiro, aparentemente serão os protagonistas. Engano! Ao conhecerem outro casal (Peter Coyote e Emmanuelle Seigner: um cadeirante casado com uma moça bem mais jovem) acabamos descobrindo quem serão os protagonistas da obra. O personagem de Nigel (Grant) começa a escutar a história que o pobre homem preso à cadeira de rodas tem para contar. O estranho é que este homem percebe que Nigel sente-se atraído por sua estonteante esposa. E ele começa a fazer com que Nigel admita isso. Então Oscar (o homem na cadeira de rodas) conta sua jornada de amor. É aí que entra o melhor da trama: seu roteiro genuinamente sensual, provocante e triste.


Esta história de amor começa como deveria ser: linda; cheia de encontros, jantares, troca de olhares e sexo selvagem. O fogo do casal é insaciável mas cheio de amor. A edição mescla cenas quentes e outras doces. Uma dessas passagens açucaradas é a do parque de diversões, onde o casal cria laços. Mas estranhamente algo começa a acontecer. O amor e a paixão começam a esfriar por parte de Oscar. A jovem Mimi começa a se sentir carente e sozinha; exigindo a atenção do seu amor. Na tentativa de salvar o relacionamento, eles começam a buscar nos fetiches e no sexo alternativo a tentativa de uma salvação para o relacionamento. 

Porém tudo começa a tomar um rumo masoquista, onde a dor vem junto com o prazer. O amor começa a virar um fardo, passando por brigas e terminando em ódio. Oscar começa a maltratar Mimi, em cenas de rachar o coração. A jovem, por sua vez, sofre e aceita muita coisa. Até que o esperado abandono chega para ela. Porém “o destino” (ou acaso, ou roteiro na verdade) trata de colocar Oscar no hospital. Mimi volta para ele, para cuidá-lo. Será? Começa assim a vez dela torturar ele. Cenas brutais e de chocar os mais sensíveis. E não são cenas de violência física não (embora tenham). São cenas de violência e agressão emocional e mental, de perturbar qualquer um. Após o término da história narrada por Oscar, o filme segue com um desenrolar polêmico, no tal cruzeiro em que todos estão, incluindo Nigel e sua esposa.


Interessante que enquanto Oscar conta a história para Nigel em diversos pedaços, todos os 4 protagonistas interagem em um momento ou outro. Laços se criam, discussões ocorrem e ciúmes surgem. Nigel e sua esposa Fiona começam a ter problemas no relacionamento, igual a Oscar e Mimi. Então o desfecho vem de maneira surreal e forte, com direito ao florescimento de uma tensão sexual, uma atração entre as duas mulheres e uma tragédia final.

É um suspense? É um drama? É um romance? O filme atravessa por igual os três gêneros ao mesmo tempo. Tudo no seu tempo e lugar certo. Peter Coyote como o frio Oscar está incrível, mas não há dúvidas de que é a belíssima Emmanuelle Seigner (esposa de Roman Polanski) que carrega o filme nas costas. Seja pela boa e melancólica atuação, ou pela energizada e hipnotizante beleza em cenas quentíssimas; ela é a grande joia rara do filme. Sua interpretação corporal, como na cena da dança erótica à luz de velas é incrível. Aliás, esta simples e sutil cena é uma das mais belas da história do cinema se tratando de sensualidade.

Que trilha sonora incrível! Repleta de músicas clássicas do fim dos anos 80 e início dos 90. Inclui Sweet Dreams do Eurythmics, Hello de Lionel Richie, My Cherie Amour de Danny Wuyts, Never Can Say Good Bye de Danny Wuyts e Stop de Sam Brown.

Outra cena que fez polêmica foi a que Mimi toma leite, derruba em seus seios e deixa Oscar beber de todo seu amor. Uma cena sensual, ousada para época (1992), mas de uma beleza poética invejável. Aliás, ousadia foi o que não faltou, seja cena de sexo com comida ou masoquismo estranho. O filme consegue retratar bem a busca do prazer, mesmo que de formas que a sociedade não encara como natural. Tudo isso para salvar um amor; em vão. Temos aqui então a desconstrução, o processo inverso do amor, de forma deturpada de como as coisas deveriam ocorrer. Fica nítida a mão pesada de Polanski para com a vida, o que parece refletir na sua vida pessoal, suas obras sempre tocam no pior do ser humano. Seria um reflexo dele também? 


No final são muitas as questões levantadas. Assim como um grande amor tem início, este mesmo também tem fim. Eu sei que é amargo, mas é a verdade. Tudo é finito, a vida é; o amor também. Fica também a ideia de não prolongar algo que não está dando certo, pois assim o pior é a única coisa que você deve esperar. Também serve de alerta para os relacionamentos tóxicos e abusivos, e como sobre ser submisso a isso pode ser derradeiro emocionalmente e fisicamente. 
“Os casais deviam se separar no auge da paixão, e não esperar até o inevitável declínio.”
Lua de Fel é uma das mais extraordinárias obras que eu já assisti, de rachar o coração tamanha melancolia que este marca na gente. Triste e doce em algumas cenas, mórbido até a espinha em outras, é realmente impressionante o impacto que o filme traz às nossas mentes. Uma produção exuberante, cheia de sensualidade e poesia; mas que nos aflige ao máximo. Emmanuelle Seigner sempre será lembrada por este papel surreal. Um filme que simplesmente todos deveriam assistir em alguma vez na vida, embora seja uma obra de difícil aceitação. Poucos conseguem admitir duras realidades. Termino minha crítica com nossa meiga e triste Mimi, que adora dançar, mas em certo ponto quando perguntada sobre a dança ela responde:

“A dança tem de vir do coração e o meu coração está partido.”



Título Original: Bitter Moon

Direção: Roman Polanski


Duração: 138 minutos

Elenco: Hugh Grant, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner e Peter Coyote.

Sinopse: Um casal de ingleses, Nigel (Hugh Grant) e Fiona (Kristin Scott Thomas), embarcam num cruzeiro marítimo onde conhecem a sensual Mimi (Emmanuelle Seigner), uma francesa casada com o americano Oscar (Peter Coyote), homem preso a uma cadeira de rodas. Ao notar o interesse que Nigel sente por Mimi, Oscar resolve contar sua história com ela, como se conheceram e se amaram loucamente até a paixão doentia se transformar em um ritual de humilhação.

Trailer:



E você, gosta de obras obscuras e sobre fim de relacionamentos?

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