Crítica: Abrindo o Armário (2017, de Dario Menezes e Luís Abramo)


O ser humano tem uma forte tendência a apresentar, pelo menos, dois comportamentos diante daquilo que não compreende: agir guiado por extrema ignorância (nos dois sentidos da palavra) ou buscar compreender aquilo de forma que, na busca por essa compreensão, aprenda até mais sobre si mesmo.

O primeiro grupo que citei, infelizmente é uma maioria esmagadora de pessoas de nosso cotidiano. Pessoas que por vezes mascaram seu preconceito em frases infundadas, recheadas de ódio e de desrespeito histórico e enraizado culturalmente, ou nem isso se dão ao trabalho de fazer; são descaradas ao extremo. Ao passo em que desferem a detestável onomatopeia “mimimi”, esquecem-se de questionar a realidade, de buscar melhor entender para que depois decidam se devem ou não proferir os mais odiosos discursos espalhados por aí. Um conselho que eu daria para essa grande fatia de nossa população é que buscasse conhecimento, em primeiro lugar. Ouvindo mais o que as outras pessoas tem a dizer, sobre suas experiências (muitas vezes dolorosas) de vida, sobre seus anseios… Um conhecimento não com o objetivo de buscar razões para explicar um comportamento, mas sim, para saber que todos são iguais e devem ter suas vozes ouvidas.

E assim, a compreensão do movimento gay se faz cada dia mais necessária. Para que haja respeito, é preciso que se tenha empatia, que só é de fato exercitada, quando procuramos compreender o outro, afinal, como Raul já dizia, cada um de nós é um universo.


Nada melhor do que um documentário como Abrindo o Armário, que estreia no próximo dia 16, para exemplificar, da melhor forma possível, essa forma de busca pela compreensão; pelo conhecimento.


Eu, particularmente, nunca fui muito fã desta expressão “Sair do Armário“. Sempre achei pejorativa, talvez até pela forma como as pessoas geralmente a reproduzem. Entretanto, aqui ela foi genialmente e implicitamente utilizada ao próprio favor do filme: o que há nesse ‘armário’ que a maioria simplesmente finge ignorar?

Na primeira sequência, temos a performance de Udylê Procópio (uma dança que é realmente a complementação do respirar, parafraseando Luiz Carlos Rossi), numa estonteante ode à figura de Madame Satã, que ainda leva homenagem pelos idealizadores do projeto.


Passaremos então a conhecer um pouco mais da vida de pessoas inseridas neste contexto, que vai desde à aceitação pela família (pouquíssimos relatos) até a derradeira e triste condição daqueles que foram marginalizados por simplesmente serem o que são (a maioria). 

Uma das personas mais carismáticas e talvez com uma das histórias mais tristes, mas de grande superação, é a da Liin da Quebrada (ai como eu AMO esse trocadilho!!!). Ela é um ícone em ascensão e um forte símbolo de representação do documentário, juntamente com sua parceira Jup Pires. Juntas, elas transformam a noite paulista num sufocado grito por liberdade e aceitação. 



Vemos ainda pessoas que levam uma vida mais tranquila em relação às suas orientações, porém vale ressaltar a disparidade econômica com os que carregam mazelas por seu posicionamento… É algo a se pensar.

Em uma explicação para lá de filosófica e se me permito dizer, linda, Fabiano Canosa nos diz que existe alguma coisa narcisística na homossexualidade… Como se as pessoas vissem em seu semelhante um reflexo de si mesmas, o amor próprio projetado no outro. Nada mais intrinsecamente humano, traduzido no posicionamento de quem não tem medo (e às vezes até tem, mas se agarra na coragem, que é maior) de ser o que realmente é.

O que está na mídia quase não representa essa grande parcela da população. E o que está, muitas vezes não diz a verdade sobre. Muitas vezes o gay da novela é aquela pessoa alto astral, engraçada, sempre ligada à moda, design, tendências, beleza… Na realidade são pessoas que tem suas tristezas, frustrações, mágoas, mas são sempre representadas como se estivessem além disso tudo. É preciso desapegar da heteronormatividade (ótimo link para entender melhor aqui) para que se tenha uma real representação de todos os universos que compõe a população, para que dessa forma, todas as vozes sejam ouvidas. Contudo, parafraseando Jup Pires, a questão é ‘Quem tem voz e quem pode falar?

Temos ainda a citação e aparição de takes antigos do grupo Dzi Croquettes, grupo carioca importantíssimo para o movimento, criado na década de 70, bem como relatos de Bayard Tonelli, sem falar de sua poética, porém dura (assim como quase todo o filme) performance do poema Borboletas Também Sangram



Borboletas também sangram, sofrem, choram e se 
desesperam…



A chicotadas de línguas ferinas a tentar


Diminuir seu esplendor e leveza

E desaparecem em lembranças varridas
Ao canto mais escuro do quarto
Embaixo do velho tapete persa
Puído por desinformadas e vorazes traças
Bayard Tonelli



Confesso ter me encontrado com olhos banhados em lágrimas por duas vezes ou mais, diante de relatos tão tristes, mesmo que de superação. Um dos mais angustiantes foi o do casal Gilberto e Rodrigo, que apesar de não terem maiores problemas com o relacionamento em si, carregam os olhares tortos quando andam de mãos dadas com Paulo, o filho.


As qualidades técnicas não são o grande chamariz deste longa, a meu ver, e sim a verdade embebida em cada depoimento, em cada relato (aliada à ótima trilha sonora, com grandes hits de Liin Da Quebrada e Jup Pires). Não é pedir muito que essas pessoas possam ser elas mesmas. Pelo menos não deveria ser. Elas não estão cometendo nenhum erro para se ‘assumirem’, elas devem ter a liberdade de quem são, sem que isso incomode a ninguém. Não deve existir um armário para que alguém se esconda; o armário deve ser aberto e tudo o que existir dentro dele, deve existir do lado de fora e integrar o que se tem ao redor. Quanto mais buscarmos enxergar e compreender o que existe dentro deste suposto armário, mais entenderemos de nós mesmos.



Título Original: Abrindo o Armário

Direção: Dario Menezes e Luís Abramo

Elenco (depoimentos/ performances): Artur Francischi, Bayard Tonelli, Ciro Barcelos, Evandro Diegues, Fabiano Canosa, Gabriel Kami, Gilberto Scofield Jr., João Silvério Trevisan, Liin da Quebrada, Luiz Carlos Rossi, Marlon Parente, Jup Pires, Rodrigo Barbosa, Sergio Bright, Ulisses de Andrade, Udylê Procópio, Viper Venomous e outros.

Sinopse: Abrindo o Armário é um documentário que mergulha nos processos de libertação e conquistas do movimento gay no Brasil. A partir do relato de diferentes gerações, o filme mostra como os gays, drags queens, e pessoas não-binárias foram enfrentando resistências, conquistando espaços e lutando por direitos para construir uma identidade política, social e coletiva.

Trailer:




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