Crítica: Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994, de Quentin Tarantino)



“O caminho do homem justo é cercado por todos os lados, pela tirania dos homens maus e iniquidade dos egoístas. Abençoado àquele que em nome da caridade e da boa vontade conduz os fracos através do vale das trevas, leva consigo seus irmãos e acha a última ovelha desgarrada. E eu atingirei com raiva furiosa e vingança grandiosa àqueles que tentarem envenenar e destruir meus irmãos. E você saberá que meu nome é Senhor quando minha lei se abater sobre vós.” (Ezequiel 25:17)
Se você olhar em sua Bíblia, o texto de Ezequiel é bem diferente do colocado ali em cima. Este é um exemplo da liberdade criativa de Quentin Tarantino; traçando uma linha metalinguística. Assim como o diretor redefiniu a passagem bíblica, ele de muitas formas redefiniu o cinema. Todo o cinema pós-moderno deve algumas características a este gênio. Desde seu primeiro grande trabalho intitulado Cães de Aluguel (crítica aqui!), até os mais recentes, Django Livre e Os Oito Odiados (passando por este, Pulp Fiction, Kill Bill volumes 1 e 2, Sin City, À Prova de Morte e Bastardos Inglórios), a maior característica de Tarantino é o cinema por dentro do cinema; as referências cult e pop submersas nas suas propostas cinematográficas. 


Um verdadeiro conhecedor da sétima arte, Tarantino é cinéfilo assumido. Tanto que todo final de ano ele lança sua famosa lista de melhores do ano, mostrando que o cara assiste e opina sobre os principais lançamentos cinematográficos do planeta. Pulp Fiction – Tempo de Violência é, sem dúvidas, o melhor filme do mestre. É sua obra-prima, e vai além disso; sendo talvez o mais importante filme de toda a década de 1990.

O elenco é espetacular, e talvez os astros envolvidos nunca estiveram tão bem como aqui. Uma Thurman está brilhantemente irretocável – como sempre -, sua atuação é saborosa e única. John Travolta e Bruce Willis estão melhores do que nunca, numa época em que eram grandes astros e estavam com tudo. Não que hoje estejam totalmente ruins, mas esta era a época deles e apresentavam boa interpretação. 


Enquanto hoje ficam fazendo papéis “de luxo” e “mais do mesmo”, lá em 1994 eram o centro das atenções. John Travolta está com uma expressão hilária e debochada; e ainda com feição jovem, é nesse papel que ele virou um ‘meme” que você encontra pela internet. Bruce Willis apresentava seus últimos fios de cabelo, numa boa e competente atuação. 


Samuel L. Jackson é o melhor no quesito atuação, além de seu visual estranhamente bacana, suas “pérolas” em forma de diálogos são repetidas e imitadas de maneira vasta. O texto de Ezequiel é constantemente repetido por ele antes de matar alguém. O restante do elenco é extremamente competente, sejam pelo humor ácido ou pela presença sarcástica ou violenta em cena. Destaque para a aparição do próprio Tarantino em determinado momento. Grande elenco afiadíssimo!
Tarantino dirige o filme com classe e mão firme. Sua câmera estática, ou sua câmera nervosa; quaisquer dos seus métodos são eficazes e transmitem boa direção. Apesar de ter cerca de 2 horas e 30 minutos de duração, com longos diálogos, o filme, ironicamente, possui um ritmo alucinante. Estilizado e eletrizante da primeira à última cena, mesmo que com pouca ação ou suspense, consegue ser um dos filmes do “Taranta” que melhor tem ritmo. Isso é possível graças à cirúrgica edição e montagem. O cara sabe o que faz. E o mais impressionante, é que não importa o gênero dos seus filmes: ação (Pulp Fiction), faroeste (Django Livre), suspense (À Prova de Morte); todos seus filmes são, na verdade, comédias. 


Acidez, sarcasmo, ironias e muito humor ácido são os elementos básicos do cinema de Quentin Tarantino. São quase uma paródia de determinado estilo de filme, sem deixar de ser um representante do gênero em questão; tornando-se assim uma auto-crítica metalinguística. Há muito o que aprender com os seus filmes. São quase como uma longa vídeo-aula fílmica. Estas são características de alguém apaixonado pelo que faz, e como todo genuinamente apaixonado, faz extremamente bem feito. Ele conhece cada elemento e faz tudo propositalmente, inclusive erros. Um ou outro erro presentes em suas obras são colocados ali sob sua direção, para fazer referência ou causar certo tipo de nostalgia. 
Além de excelente diretor e produtor, Tarantino sempre é o roteirista de suas obras; provando assim estar sob total controle da situação. E são os seus roteiros os pontos altos e fortes de suas películas. Pulp Fiction ganhou o Oscar 1995 de Melhor Roteiro Original, e não é para menos. Totalmente inovador, o filme revestiu e redefiniu a maneira de se contar uma história. Aqui não há clichês (pelo menos até à época), não há diálogos sem duplo sentido, não há personagens soltos e sem importância, muito menos alguém que seja totalmente “mocinho” ou “vilão”. Assim como o próprio roteiro, e o próprio título do filme; todos os elementos presentes são ambíguos. A cada novo segundo somos metralhados com uma nova imagem, uma nova canção ou um novo diálogo genialmente provocante ou arrebatador. 


Falando na trilha sonora, está aí outra característica deste diretor. Em todas as suas obras, ele é o responsável por decidir que trilha ou faixa musical tocará. E é de se admitir que o gosto musical do mestre é de tirar o fôlego. Desde um bom jazz, passando por um rock estilo flashback, pairando sob o rap; Tarantino acerta a mão na trilha sonora. Aqui em Pulp Fiction temos uma música melhor que a outra.
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Visualmente falando, o filme é simples. Custou míseros US$ 8 milhões, arrecadando extraordinários US$ 200 milhões nas bilheterias ao redor do mundo. Concorreu a inúmeros prêmios, ganhando vários. Como obra máxima de Tarantino, merecia mais algumas estatuetas do Oscar, incluindo de Melhor Filme e Diretor. E Samuel L. Jackson merecia o de Melhor Ator Coadjuvante. 


Apesar dos poucos recursos e sem grandes efeitos especiais, cada cena é muito bem elaborada. Os cenários, a maquiagem, os penteados, figurino, tudo brilhantemente simples e real. A violência gráfica é expressiva e acentuada, mas sem se tornar algo grotesco ou cartunesco (exceto quando possui o intuito disso). A sensualidade de novo se faz presente, mas sem nunca se tornar vulgar ou pornográfica. Tudo na medida certa, no tom correto e com o tempero ideal. 


O linguajar é um pouco pesado, mas trata-se de um filme de humor ácido sobre máfia, fuga e traição. O que se pode esperar? Abra a mente e delicie-se com uma pérola atrás da outra. E mesmo que exagerado às vezes, as conversas e os desabafos entre um personagem e outro nunca perdem o sentido, nunca são irreais demais ou impossíveis. Tudo é “perfeitamente” imperfeito, como a vida é. 

A história é contada de maneira fragmentada e não linear, em capítulos com subtítulos. Isso, em junção com a originalidade do roteiro e a peculiaridade das situações que todos se envolvem, tornam este um filme inesquecível e surpreendente até à última consequência. É uma produção sagaz, uma película ágil e sacana. Apimentado de situações hilariantemente pesadas – vide o momento em que Bruce Willis e Ving Rhames são capturados por “tarados masoquistas” – este é um filme obrigatório para se ver antes de morrer. 

Claro que fica a palavra de cautela: é um filme para cinéfilos, para quem gosta de metalinguagem, de cinema mais intelectual. É um filme para os fãs de Tarantino e suas ironias, pois descaradamente “samba” e “cutuca” alguns costumes da sociedade. Um longa que não tem vergonha de ser debochado e irreverente, sem nunca perder o status de grande obra. É um raro exemplo de quando um produto recicla vários elementos e se torna algo instantaneamente clássico e irrepreensível. Uma obra que jamais fora superada tamanha sua categoria.

Título Original: Pulp Fiction
Direção: Quentin Tarantino


Duração: 149 minutos
Elenco: John Travolta, Samuel L. Jackson, Uma Thurman, Bruce Willis, Harvey Keitel, Ving Rhames, Rosanna Arquette, Tim Roth, Amanda Plummer, Maria de Medeiros, Christopher Walken, Eric Stoltz, Peter Greene, Burr Steers, Steve Buscemi, Quentin Tarantino, Frank Whaley, Alexis Arquette, Paul Calderon, Duane Whitaker.
Sinopse: Vincent Vega (John Travolta) e Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) são dois assassinos profissionais trabalham fazendo cobranças para Marsellus Wallace (Ving Rhames), um poderosos gângster. Vega é forçado a sair com a garota do chefe, temendo passar dos limites; enquanto isso, o pugilista Butch Coolidge (Bruce Willis) se mete em apuros por ganhar luta que deveria perder.

Trailer: 


Obrigada pela leitura e não deixe de comentar aqui embaixo suas impressões sobre este filme e/ou demais obras desse consagrado ícone, Quentin Tarantino.

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