“Paralela” à esta história, acompanhamos a família de duas crianças, Daniel e Camila, prestes a viajarem para a casa do pai. Eles estão em casa com o padrasto, Roberto, aguardando a chegada de sua mãe, Sandra, para que possam iniciar a viagem. Já na estrada, eles param em um posto para se alimentarem. Quando retornam para a estrada, após um forte barulho de algo semelhante à uma explosão, Camila, a irmã mais nova, começa a sofrer com falta de ar, pois ela sofre de asma. Desesperados, eles procuram o inalador para que ela possa se recuperar e Roberto, em um ato que foge de seu controle, quebra o vidro do inalador. Atordoados, eles decidem voltar ao posto, porém não encontram o inalador para comprar e muito menos alguém no estabelecimento. Dessa forma, decidem voltar para casa a fim de socorrer Camila. Entretanto, a estrada sempre volta ao mesmo ponto: a placa que indica o posto; e eles voltam a este posto repetidas vezes, até entenderem que aquela estrada não leva a lugar algum, que o sol nunca se põe, e que estão, de alguma forma, presos.
Aparentemente, trata-se de duas histórias simples com algo que instiga: por que nossos protagonistas estão presos a estes espaços “confinados”? Entretanto, a trama, genialmente escrita e dirigida pela promessa do cinema mexicano, o visionário Isaac Ezban (Os Parecidos), é de uma profundidade incrível.
O enredo deste filme aliado ao roteiro
Assim sendo, antes de me adentrar melhor em alguns pormenores deste filme, adianto que, quanto menos você souber dele, melhor será sua experiência. Então, antes de continuar a leitura, se você ainda não viu, corre lá na Netflix e assista e depois volte aqui para viajar nas teorias comigo. Se mesmo assim quiser continuar a leitura, que seja por sua conta em risco!
Não há como não se lembrar de Triângulo do Medo (crítica aqui) ao ver este filme. Simplesmente porque as histórias cíclicas e agoniantes se assemelham de forma bem próxima. Enquanto que em Triângulo do Medo, nossa personagem principal está presa em um looping infinito de terror e insanidade, por um erro horrendo que cometeu, nossos personagens em O Incidente estão presos para servirem como um uma ‘bengala’ para suas versões de uma realidade alternativa. Essa é, pelo menos, uma das teorias que mais se encaixam, de acordo com o que o próprio roteiro propõe. Há outras conclusões que podem ser tiradas de acordo com a experiência de cada um que o assiste.
O longa é recheado de referências que embasam o argumento da trama, como a escada infinita de Penrose e ainda o próprio mito de Sísifo, o mais astuto dos mortais, que ao desafiar os deuses, recebeu como castigo empurrar uma pedra até o topo e ver a mesma rolar para baixo, tendo que repetir esse ciclo por toda a eternidade. É possível perceber que várias pistas são deixadas ao longo do filme que conduzem para as conclusões apresentadas. Há ainda o hamster que vemos em sua gaiola, girando sem parar em sua rodinha… E já que falamos dele, verifique a cena pós créditos, que tenho certeza que, apesar de simplória, vai lhe render mais algumas interrogações e crises existenciais.
Porém, podemos entender, também, que todos os ciclos mostrados só servem como um espelho para refletir nosso vazio existencial e mostrar nossa trajetória, tão cheia de rotinas cegas e mal vividas, alicerçadas por rituais insanos, num limbo sem fim, em que os loopings se repetirão continuamente, continuamente, continuamente…
“…eu nunca aproveitei nenhuma fase da minha vida…e sempre estava pensando em querer chegar à fase seguinte, e quando chegava à ela me dava conta que a anterior era melhor… Aproveite tudo. A vida é uma baita estrada longa e o que passamos já não volta mais“