Crítica: Corpo e Alma (2017, de Ildikó Enyedi)

Alguns filmes falam conosco de uma forma que mudam para sempre nossas percepções sobre algumas coisas. Foi assim comigo ao assistir Beleza Americana, por desconstruir naquele momento o ideal de família feliz e o sonho americano, e Amor, que de forma arrebatadora mudou definitivamente minha já conturbada relação com o envelhecimento e morte. Corpo e Alma mudou minha forma de encarar como e quando o amor acontece.
Levar um relacionamento nem sempre é uma tarefa simples. Muitíssimo pelo contrário. Quem está em um, sabe das batalhas diárias que enfrenta e com esta dificuldade, os monstros do “será” que insistem em rondar nossos pensamentos. Será que estou feliz? Será que se saísse agora, encontraria alguém que me fizesse feliz? Será que estou terceirizando a felicidade? Será? Será? Será? 

O filme não trata desta questão tão abertamente, mas, toca em algo que promete animar a todos (por mais que o ritmo do filme flerte com o depressivo). O amor pode chegar para qualquer um. Neste caso, chega para um homem desajustado, Endre,  vítima de um derrame com o braço esquerdo paralisado e que acredita que a idade para viver um grande e avassalador amor já passou. E temos também, ela, Mária, uma mulher que sequer sabe da sua capacidade de amar.

A história nos insere aos poucos no amor. Começa pelos sonhos com cervos nos campos, de forma livre a viver, e os nossos protagonistas trabalhando em um matadouro. O filme é visceral, mas, ainda assim lindo esteticamente.



A fotografia se encarrega de sempre enquadrar Endre na esquerda, que curiosamente é seu lado paralisado pelo derrame, enquanto Mária sempre está a direita, parte lógica do cérebro e que é o grande calcanhar de Aquiles da jovem, uma vez que a lógica predomina a vida dela por completo.

O fato dos cervos estarem livres em um campo num sonho e na realidade os protagonistas estarem num matadouro, obviamente, questiona nossa relação de liberdade x aprisionamento e ainda nos deixa um questionamento relacionado com o título filme. Numa tradução literal, seria sobre corpo e alma. Nem preciso me prolongar para entendermos que, apesar da relação carnal ser importantíssima, a questão toda aqui foca na alma, certo? Por isso a carne morre a todo momento e os sonhos os fazem viver antes mesmo do carnal.

As cenas se dividem entre planos abruptos e lindos, como o sangue escorrendo lentamente para ser interrompido por um “sinal do amor”, até uma das mais sensuais do cinema, onde Mária descobrindo o tocar da grama em um parque é surpreendida com o esguicho de um irrigador, fazendo com que ela tenha aquela sensação pela primeira vez na vida.

Ildikó Enyedi não nos poupa com sutilezas. Sua obra é profunda e inclusive aprofundada em descobertas. Como, por exemplo, passar ileso pela cena em que Mária decide assistir um filme pornô enquanto janta, para entender melhor como funciona as relações físicas e o toque.


Por fim, defino o filme como uma linda história sobre alguém que não sabe amar com alguém que acha que o amor já passou para si. É como se um tivesse uma deficiência no corpo, a outra n’alma, mas, para o amor, isso pouco importa e eles são completos mesmo parecendo tão estranhos.


Isso sim é um ode aos desajustados, senhores!

Título Original: Testről és lélekről

Direção: Ildikó Enyedi
Elenco: Alexandra Borbély, Géza Morcsányi, Réka Tenki, Ervin Nagy e Eva Bata.

Sinopse: Um homem e uma mulher, colegas de trabalho, passam a se conhecer melhor e acabam descobrindo que eles sonham as mesmas coisas durante o sono. Eles decidem torná-los realidade, apesar das dificuldades no mundo real.


Trailer:



E você já assistiu? Concorda com a crítica? Conta pra gente o que achou! Ah. E não esquece de nos seguir nas redes sociais 😉

Deixe uma resposta